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Transexual candidata na Argentina relata ameaças: "Medo de apanhar na rua"

Ornella Infante - Arquivo pessoal
Ornella Infante Imagem: Arquivo pessoal

Mariana Gonzalez

Da Universa, em São Paulo

03/02/2019 04h00

No mês em que o deputado federal Jean Wyllys (PSOL) anunciou que não tomará posse e deixará o Brasil por medo de ameaças políticas, a transexual argentina Ornella Infante, de 42 anos, anunciou sua candidatura a deputada provincial da cidade de Cipoletti, na província de Río Negro.

Mais de 3,7 mil quilômetros separam os dois ativistas, que se assemelham não só pelo fato de serem os primeiros a representar a comunidade LGBT em seus países, mas por sofrerem ameaças dentro e fora da política. 

Em 2014, Ornella, que é parte da Atta (Associação de Travestis, Transexuais e Transgêneros da Argentina) ajudou a desmontar uma rede de tráfico sexual, resgatando oito mulheres transexuais que eram forçadas a trabalhar como prostitutas e submetidas a agressões. Como consequência, passou a ser alvo da organização criminosa por trás da rede. "Não tenho medo das ameaças políticas. Tenho medo de apanhar de um cafetão pelas ruas da cidade", disse à Universa.

Nos últimos cinco anos, ela e outras companheiras da Atta vem sofrendo ameaças -- algumas delas, inclusive, foram agredidas e tiveram que deixar a cidade de Cipoletti. O cafetão responsável pelo grupo chegou a ser preso, mas foi liberado pouco tempo depois.

Ainda assim, preferiu não recorrer a medidas protetivas ou uma equipe de segurança particular. "Sei perfeitamente que a luta contra todos os tipos de exploração tem consequências e estou disposta a viver desta forma", garante. 

Quando soube da decisão de Jean Wyllys, de exilar-se para preservar sua vida, Ornella prestou apoio ao deputado em suas redes sociais e o convidou para ir a Río Negro. "Companheiro @jeanwyllys_real,  venha a Río Negro porque, em breve, teremos um governo com os olhos na cidade e os pés na lama", escreveu. 

Nas eleições de 2019, que devem eleger presidente, governadores, deputados federais e deputados provinciais nas 23 províncias argentinas, Ornella espera ocupar uma cadeira na Assembleia Legislativa de Río Negro e leva como principal proposta um pacote de leis para garantir a segurança e a saúde de transexuais.

"A Argentina tem uma das melhores leis de identidade de gênero. É pioneira, exemplo para outros países. Mas, na prática, mulheres trans continuam morrendo aos 35 anos", alerta.

A proposta, que se aprovada receberá o nome de Lei Integral Transexual, inclui proteção específica contra abuso sexual, tratamento pelo nome social em locais como escolas e hospitais, além do reforço a serviços de saúde, principalmente em áreas como prevenção de IST (Infecções Sexualmente Transmissíveis), endocrinologia, psicologia e reprodução humana. 

Histórico

Ornella atua na luta pelos direitos da população LGBT há quase 20 anos e, de lá para cá, participou de capítulos importantes da história do movimento LGBT na Argentina.

Em 2002, foi convocada pela Atta para ajudar na derrubada das chamadas leis contravencionais, que até 2003 criminalizavam pessoas trans e homossexuais -- aos 18 anos, ela ficou presa por alguns dias.

Mais tarde, em 2011, passou a ser parte da Mesa Nacional Pela Igualdade do Movimento Evita, ligado ao partido Frente Pela Vitória e um dos principais atores do Matrimônio Igualitário, reconhecido em 2012.

Fora do universo LGBT, Ornella Infante tem histórico na luta pela legalização do aborto, ao lado do Ni Una Menos -- movimento do qual participa de assembleias nacionais e locais -- e por outras populações vulneráveis, como imigrantes, mulheres negras e povos originários.