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Vidas sem sexo: "Já pensei em tentar transar, mas como? Nem beijar consigo"

"Eu não tive a fase da adolescência em que explodia de tesão, assim como colegas da mesma idade demonstravam", conta jovem que se define como demissexual - iStock
"Eu não tive a fase da adolescência em que explodia de tesão, assim como colegas da mesma idade demonstravam", conta jovem que se define como demissexual Imagem: iStock

Letícia Rós e Marina Oliveira

Colaboração para Universa

20/04/2018 04h00

O preconceito social desqualifica e anula qualquer um que se diferencie dos padrões. Em uma sociedade sexualizada e erotizada como a nossa, não querer fazer sexo é visto como uma aberração. Por isso, muitos assexuais se culpam, se omitem e até transam sem vontade antes de descobrirem a própria orientação sexual. Foi isso o que aconteceu com as mulheres e homens que contaram suas histórias para Universa.

“Cheguei a beijar alguns rapazes, mas não via sentido naquilo”

“Eu descobri a minha assexualidade na adolescência, por volta dos 14 e 15 anos, pesquisando sobre falta de atração romântica e sexual. Queria saber se era normal, se podia ser um tipo de puberdade tardia. Todos a minha volta já estavam namorando, iniciando a vida sexual ou já tinham gostado de alguém. Eu até tinha pretendentes, mas não conseguia corresponder a eles. Somente a amizade me satisfazia.

Nessa época, até cheguei a beijar alguns rapazes, mas não via sentido naquilo, eu fazia por pressão social, só que acabava magoando os meninos, que achavam que eu, de fato, sentia algo por eles. Descobrir-me assexual ao ler um artigo científico sobre o assunto foi um alívio, pois eu não estava mais sozinha no mundo. E, o melhor, não tinha nada de errado comigo.

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Nunca me fechei para sensações, já beijei meninos e meninas e já tive preliminares sexuais também. Não é ruim, mas me parece muito trabalho para ‘nada’. Não tenho aversão a toques e me masturbo frequentemente, sou autoerótica [assexuais que não mantêm contato sexual, mas não excluem a masturbação].

Não descarto a possibilidade de um relacionamento, mas, até hoje, nunca senti vontade de namorar. Todos a minha volta sabem, inclusive minha família. Mas poucos acreditam que seja algo duradouro, a maioria das pessoas acha que é uma fase, que eu faço joguinho e que um dia eu vou encontrar alguém e mudar.

Existe um discurso para deslegitimar a minha assexualidade. Tem também o fetiche na virgindade. Às vezes aparecem uns caras que se acham macho alfa pica das galáxias dizendo (para amigos próximos) que vão me fazer mudar de ideia. Eu só dou risada e desejo boa sorte. Não tem jeito, a falta de conhecimento leva a descrença."

Barbara, 19, estudante

“Criei toda uma fantasia de que na hora seria legal, mas o ato em si não foi bom”

“Assim como eu demorei para questionar minha sexualidade - sou homossexual - eu também demorei a questionar meus interesses sexuais. Eu sempre pensei que a dificuldade me aceitar gay estava relacionada à minha falta de vontade em transar.

Foi conversando com alguns amigos e lendo alguns artigos na internet, cinco anos atrás, que concluí que sempre fui desinteressado pelo sexo. Eu não tive a fase da adolescência em que explodia de tesão, assim como colegas da mesma idade demonstravam. Meu primeiro beijo foi aos 14 anos, com uma menina. Não senti toda aquela emoção que as pessoas falavam sobre beijar alguém. Comecei a achar estranho.

Meu segundo beijo só foi acontecer aos 19 anos, com um homem. Eu senti que estava no caminho certo, mas só fui transar depois de cinco meses. Criei toda uma fantasia de que na hora seria legal, que era a pessoa certa para eu me descobrir, ver o que eu gostava realmente... mas o ato em si não foi bom.

O que eu gostei, foi estar ali com aquela pessoa que eu tanto amava, que me deixou confortável o suficiente para eu tentar algo que eu mais temia. Aí que eu vi que poderia me relacionar sexualmente com alguém, mesmo não sendo algo que eu gostava de fazer, se eu tivesse uma ligação amorosa com essa pessoa. Hoje eu sei que sou demissexual, que é um grupo dentro dos assexuais.

Eu quero muito ter vínculo afetivo com alguém, mas sou conhecido por iludir as pessoas. É que se percebo que a pessoa não vai ter paciência de esperar meses para transar comigo, eu saio fora. O assexual tem medo de ser considerado louco, porque estamos em um mundo sexualizado e a nossa orientação é sempre justificada por um possível trauma de infância ou por ‘não ter encontrado alguém que soube fazer direito’.

Danilo, 22 anos, analista de suporte operacional

“Já passou pela minha cabeça tentar transar. Mas como? Se nem beijar consigo”

“Eu tinha uns 19 anos quando me descobri assexual ao ler sobre o assunto. Por um tempo achei que eu tinha algum trauma, eu vasculhava as minhas lembranças na busca por algum acontecimento que tenha me ‘travado’. Mas não, nunca aconteceu algo assim comigo. 

Eu já quis ficar com alguém, por pensar que esse primeiro passo seria um gatilho para o meu desejo, mas nunca consegui dar esse primeiro passo. Nunca beijei. Uma vez, aos 14 anos, sem saber que era assexual, aceitei um pedido de namoro, porque eu gostava muito da amizade dele e achava que dando uma chance, poderia sentir coisas novas. Eu não aguentei levar isso nem por dois meses, era difícil ficar perto dele, me sufocava. Terminei e nunca mais falei com ele.

Não gosto de nenhuma demonstração de carinho. Já passou pela minha cabeça tentar transar, mas como? Se nem beijar consigo. Quando me perguntam se gosto de homem ou mulher, falo que gosto de pessoas. Mas a verdade é que não gosto de nenhum dos gêneros. Morar junto só se for com amigos. Não consigo falar abertamente sobre minha assexualidade.

Sei que muitas pessoas não entendem, e ficam tipo ‘nossa, como é que uma moça de vinte e poucos anos nunca beijou?’, ‘não vai casar não? Tem que aproveitar agora que é nova’. Pessoas que falam isso: por favor, explodam! Acho que eles pensam que eu tenho aquele frio na barriga de ficar com alguém, sabe? Medo. Mas não, é só falta de interesse mesmo.

Às vezes eu queria gostar de alguém, saber como é isso. Mas também não sinto falta de algo que eu nunca tive.”

Juliana, 21, estudante

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“Tive algumas experiências sexuais, mas todas foram indiferentes para mim”

“Eu sempre me achei diferente dos demais, principalmente na adolescência, mas nunca soube dizer com exatidão o que era. A vida dos meus colegas de escola girava em torno de fazer sexo ou perder a virgindade, mas eu nunca fui assim. Por muito tempo creditei meu comportamento à minha homossexualidade. Mas aos 20 anos, li poucas linhas de um livro sobre assexualidade e me reconheci.

Aos 22 anos consegui assumir para mim mesmo: sou assexual. Quase um ano e meio atrás, me assumi para todos do meu convívio. Tive algumas experiências amorosas e sexuais, mas todas foram indiferentes para mim. Não tenho repúdio por sexo, porém não gosto, quando pratico é para agradar ao par. Não tenho problemas de efetuar o ato, mas também não tenho interesse.

Já tive experiências com ambos os sexos, mas prefiro me relacionar com homens, acho eles mais ‘cabeça aberta’ do que as mulheres heterossexuais. Antes de eu me descobrir, terminava os relacionamentos para não ficarmos muito íntimos. Apenas um namoro durou nessa época – um ano e meio, mais ou menos -  porque meu parceiro percebia meu desinteresse por sexo e respeitava, diferente de outros que me pressionavam. Hoje, já me apresento como assexual para todas as pessoas, quando o assunto surge.

Falo a respeito sempre que possível, pois há muita desinformação sobre o assunto, o que gera dificuldades para os assexuais se descobrirem.”

Jotta, 24, professor

“Meu primeiro namorado terminou comigo por falta de sexo”

“Eu me interesso por relacionamentos amorosos. Já namorei duas vezes e fiquei com algumas pessoas. Eu me considero demissexual, quer dizer, eu tenho interesse no contato físico apenas quando há muito sentimento envolvido. Mas contato físico para mim é beijo e abraço. Me identifiquei como assexual recentemente, aos 25 anos, após pesquisar o tema e encontrar uma comunidade de assexuais.

Atualmente, estou em grupos de apoio para me descobrir. Meu primeiro namorado, com quem fiquei por um ano, terminou comigo por falta de sexo. Depois dele namorei outro por seis meses, que também exigia contato sexual por conta do tempo de namoro. Já transei, mas não teve penetração por falta de interesse meu. Eu me masturbo, mas embora sinta prazer (mais sozinha do que com outra pessoa), faço mais para aliviar o estresse.

Eu tenho vontade de me envolver, ter um relacionamento, mas a pessoa tem que entender que o amor não é só contato físico. E isso é muito difícil, a pressão para transar é muito grande. Meu ex namorado fazia piadas, após terminar comigo. Dizia ‘não gosta da coisa’ ou perguntava se eu era lésbica. Nunca me envolvi com assexuais, mas talvez com eles seja mais fácil me relacionar.”

Cintia, 25, estudante

Palavra do especialista

O psicoterapeuta e educador sexual Breno Rosostolato explica que, para os assexuais, o prazer não depende de transar com outra pessoa, há outras fontes de satisfação, como o trabalho, estudo, comida, família e amigos. “A assexualidade não é oriunda de um trauma, mas um reconhecimento de como a pessoa direciona seu desejo, afeto e atração.

Eles não vivem condicionados ao sexo, o que não os impede de serem felizes, viver uma vida plena e ter prazer”, diz o especialista. Em alguns casos, como entre os demissexuais, a prática sexual pode até ser uma realidade, mas não é prioritária, sendo mais importante o envolvimento afetivo. “Existe uma tendência a patologizar aquilo que transgride a norma. Mas precisamos legitimar as outras identidades e expressões do ser humano. Legitimar a liberdade de ser aquilo que se é. Assexualidade não é patologia. Patológico é o enquadramento às normas”, fala Rosostolato.

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