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Com maioria mulher e cientistas, poucos ministros vão a debate sobre aborto

A ministra do STF e relatora Rosa Weber durante audiência sobre descriminalização do aborto - José Cruz/Agência Brasil
A ministra do STF e relatora Rosa Weber durante audiência sobre descriminalização do aborto Imagem: José Cruz/Agência Brasil

Marcos Candido

Da Universa, em São Paulo

03/08/2018 18h11

Com maioria de mulheres, a audiência sobre a descriminalização do aborto no Supremo Tribunal Federal (STF) teve, entre o maior número de expositores, representantes de áreas técnicas e científicas. Logo após, estão os grupos religiosos. Além das falas desta sexta (3), o debate continua e se encerra na segunda (6).

Apesar da intenção em instruir ministros do Supremo, poucos compareceram à audiência. Apesar da presença da presidente do STF, Carmen Lúcia, em parte da sessão pela manhã, e do ministro Luís Roberto Barroso até o início da tarde, a audiência não teve participação de todos os 11 ministros convidados. Além deles, estiveram presentes a relatora da ação que discute a descriminalização do aborto, Rosa Weber, e Ricardo Lewandowski.

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Segundo a Global Health Strategies, que antecipou e calculou o teor das falas, 42% das arguições em defesa da liberação do aborto serão articuladas a partir de dados científicos. A estratégia de persuasão será adotada por 1,9% dos participantes, sendo mais da metade destes representantes religiosos.

No total, ao menos 41 mulheres e 17 homens têm falas confirmadas (há grupos com representantes a confirmar).

Veja a divisão de participantes

Composição da audiência por argumentos e áreas - Arte/UOL - Arte/UOL
Composição da audiência por argumentos e áreas (Fonte: Global Health Strategies)
Imagem: Arte/UOL

No total, o STF recebeu 187 inscrições de interessados em participar da audiência, pedida pela ministra Rosa Weber, relatora da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442 a pedido do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), que entende que o aborto voluntário deve ser permitido até a 12ª semana de gestação. A justificativa da ministra para a realização da audiência é de que o evento consiste em "um método efetivo de discussão e de construção da resposta jurisdicional".

Religiões

Segundo a relatora, o tribunal destaca que buscou garantir equilíbrio entre os perfis de apoiadores da legalização do aborto e opositores. Além dos inscritos, foram convidados representantes de instituições judaicas, espíritas, muçulmanos, budistas e de religiões de matriz africana.

Há representantes de religiões com opiniões contrárias e favoráveis à descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação, como as Católicas pelo Direito de Decidir (a favor) e da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (contra). Na segunda (6), está programada a participação de mais opiniões contrárias e grupos religiosos.

As ministras do STF Cármen Lúcia e Rosa Weber durante audiência sobre ação movida pelo PSOL - José Cruz/Agência Brasil  - José Cruz/Agência Brasil
As ministras do STF Cármen Lúcia e Rosa Weber durante audiência sobre ação movida pelo PSOL
Imagem: José Cruz/Agência Brasil

Com a ausência da maioria dos ministros, Carmen Lúcia destacou que todos os integrantes do STF receberão o conteúdo das exposições. "Todos os ministros recebem em gravação tudo que se passa na audiência pública para que possam estudar. O aproveitamento é absoluto das exposições aqui feitas", declarou.

Com poucas interferências dos presentes, apenas Barroso se pronunciou em relação a uma fala relacionada à legalização do aborto aprovada pelo Supremo em 2012. "Estou aqui mais para ouvir", explicou pela manhã. Rosa Weber se manifestou apenas para insinuar, sutilmente, que o debate sobre o tema não se restringe ao Congresso e interromper uma das falas de uns dos representantes. 

Primeiro dia demonstra divisão entre representantes

Expositor do Instituto Liberal, o ginecologista e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Raphael Câmara defendeu que os estudos do Ministério da Saúde têm premissas frágeis e que o número correto de abortos clandestinos realizados no Brasil é de cerca de 98 mil, e não 1 milhão por ano, como apresentado pelo Ministério da Saúde no início da audiência. Ele questionou ainda a capacidade da rede pública de realizar abortos caso haja a descriminalização.

"As maternidades já estão superlotadas. Quem vai fazer esses abortos?", questionou.

A representante do ministério explicou que os dados apresentados são maiores do que os registrados oficialmente porque, na maioria dos casos de internação por aborto induzido, esse dado não é colocado no prontuário justamente por ser proibido.

"Então o que fazemos é cruzar bases de dados e seguir o dinheiro repassado para procedimentos. É assim que a gente chegou no número de 1 milhão", explicou Fátima Marinho.

Muito exaltado em suas posições, Câmara foi hostilizado pela plateia, o que levou a ministra Rosa Weber a interromper a fala do especialista e pedir tolerância ao público.

Guerra de números

A batalha de estatísticas também teve como alvo dados de outros países que liberaram a prática.

Enquanto entidades favoráveis ao aborto trouxeram exemplos de nações que tiveram redução das taxas de aborto após a legalização, como França e Romênia, organizações contrárias ao procedimento trouxeram números do Uruguai que mostram aumento do índice após a descriminalização.

O tema não provocou polêmica só dentro do Supremo.

Internautas inundaram as redes sociais com comentários contrários e favoráveis à descriminalização. No Twitter, duas hashtags relacionadas ao tema (#NemPresaNemMorta e #AbortoÉCrime) ficaram toda a manhã entre os trending topics do País. Fora da Corte, integrantes de movimentos feministas fizeram ato em apoio à descriminalização próximo ao prédio do Supremo.

Próximos passos

Após a realização dos dois dias de audiência pública, a ministra Rosa Weber terá um tempo para redigir seu voto em relação ao tema para, em seguida, agendar a data do julgamento no plenário do Supremo.

(Com Agência Estado e Agência Brasil)