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"Pornô para mulheres não significa sexo leve e com rosas", diz diretora

Erika Lust é uma das pioneiras do argumento feminino em filmes pornô no mundo - Divulgação
Erika Lust é uma das pioneiras do argumento feminino em filmes pornô no mundo Imagem: Divulgação

Paulo Gratão

Colaboração para Universa

09/04/2019 04h00

Enredos mais detalhados e convincentes, atrizes que destoam do padrão siliconadas e uma preocupação genuína com o bem-estar das pessoas envolvidas na produção são as promessas do que é chamado de pornô feminista. Mas isso existe?

Uma das precursoras desse novo estilo de filme, Erika Lust vive atualmente em Barcelona, na Espanha, e defende que a mulher tenha mais espaço na indústria pornográfica, principalmente no desenvolvimento de roteiros e atrás das câmeras. Cerca de 80% de seu time é feminino.

Erika não chama seu trabalho de feminista, e, sim, de indie ou pornografia alternativa. Em entrevista à Universa, ela diz: "Eu trago de volta a intimidade e erotismo para a indústria, mostro como o sexo é. 'Feminista' não conta tudo sobre minhas produções".

A diretora afirma que o seu modo de ser feminista está atrás das câmeras, na preocupação com o bem-estar dos atores e atrizes envolvidos e com o que é mostrado no filme: cenas de coerção, por exemplo, são vetadas. Mas isso não significa que seja um pornô leve. "Muitas pessoas presumem que tudo será filmado em foco suave, com 'sexo de baunilha', rosas e lençóis de seda, o que me mostra como poucas pessoas compreendem a sexualidade feminina", explica.

Para ela, pornô é tão nocivo quanto publicidade

Erika acredita que o trabalho é extremamente importante no mundo atual, e que a campanha #MeToo --quando atrizes de Hollywood passaram a denunciar o assédio sofrido nos bastidores-- ajudou a jogar luz sobre algo que sempre foi evidente para as mulheres: o abuso de poder não é um traço masculino, mas uma característica humana.

Bastidores das gravações de filme dirigido por Erika Lust - Divulgação - Divulgação
Bastidores das gravações de filme dirigido por Erika Lust
Imagem: Divulgação

Não acho que só a pornografia possa ser acusada de reforçar esse ambiente patriarcal, há também a indústria cinematográfica, televisiva e publicitária, que continua perpetuando papéis de gênero datados".

Erika não comenta a presença de oportunistas no mercado, mas aconselha que uma pequena investigação seja feita antes de se envolver com qualquer nova empresa que se apresente como pornô feminista ou novo pornô.

"Pergunte se os trabalhos que estão sendo produzidos por esses cineastas têm o potencial de 'recalibrar' a percepção da sociedade sobre a sexualidade feminina de uma forma que promova a igualdade e a liberdade. Se sim, então ótimo".

Funciona no Brasil?

Uma das mais conhecidas produtoras nacionais que se apresenta como "alternativa" é a XPlastic, que tem como uma de suas diretoras a ex-BBB Mayara Medeiros. Ela não concedeu entrevista, por estar se "afastando da exposição".

A atriz e camgirl brasileira Emme White diz que só trabalha com o novo pornô e que não faz cenas que não queira - Divulgação - Divulgação
A atriz e camgirl brasileira Emme White diz que só trabalha com o novo pornô e que não faz cenas que não queira
Imagem: Divulgação

As atrizes Emme White, 38, e Dread Hot, 25, costumam fazer filmes encomendados pela produtora e relatam que a maior parte da equipe por trás das câmeras é formada por mulheres. Além disso, de acordo com elas, também existe uma maior preocupação com o bem-estar e conforto das atrizes antes, durante e depois das cenas.

"É diferente, porque o mercado mainstream [filme tradicional] é muito viciado no que o homem gosta de ver. O gozo dele é o ápice do filme e o sexo oral na mulher é uma cena rápida", exemplifica Emme. Depois que passou a atuar nesse nicho, ela garante que não faz cenas em que não se sente à vontade.

A atriz diz, ainda, que as profissionais do nicho se conhecem, conversam com frequência e trocam experiências. "Qualquer furada disfarçada de feminista chegaria rapidamente no ouvido das outras", diz.

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Dread Hot concorda com as afirmações da colega e ainda divide parte de sua rotina em seu canal no YouTube, QG da Dread. Ela costuma tocar no assunto em alguns de seus vídeos e conta que o novo gênero, na verdade, é uma forma de tornar o filme mais democrático. "É o pornô para todos. Eu uso esse termo porque não assusta tanto as outras pessoas que veem feminismo como algo ruim", define.

A ex-atriz Vanessa Danieli, 31, hoje é youtuber de games no canal Barbaridade Nerd, mas ficou conhecida como Bárbara Costa durante os quase dez anos em que fez filmes pornô. Ela chegou a ser premiada por suas atuações, mas garante que não gostava do que fazia e promete relatar histórias por trás das produções mainstream em um livro, a ser lançado no segundo semestre.

Vanessa Danieli (ex-Bárbara Costa) promete livro sobre o tema para o segundo semestre - Divulgação - Divulgação
Vanessa Danieli (ex-Bárbara Costa) promete livro sobre o tema para o segundo semestre
Imagem: Divulgação

No entanto, no "novo pornô" ela teve apenas uma experiência e a lembrança não é ruim, como nos demais. "Não tem aquela coisa ridícula de já começar na cama pelada, sem nada para falar e só aguentar as pontas. É algo com roteiro, com falas, fingimos que somos namorados. Acho interessante, mas não acredito que pegue por aqui, porque o brasileiro gosta de ver a mulher sofrer", afirma.

Mulheres não ganham mais no "pornô feminista"

Quando fecham o contrato para os filmes, as atrizes também já acertam o valor das diárias. Nenhuma detalhou os valores oferecidos.

Mayanna Rodrigues é diretora de filmes adultos: não há diferenciação na remuneração de homens e mulheres no novo pornô - Luiz Costa/Divulgação - Luiz Costa/Divulgação
Mayanna Rodrigues é diretora de filmes adultos: não há diferenciação na remuneração de homens e mulheres no novo pornô
Imagem: Luiz Costa/Divulgação

De acordo com a diretora de filmes pornô, Mayanna Rodrigues, 32, a maior exposição em filmes tradicionais rende remuneração 30% maior para mulheres do que para homens. O cachê pode chegar a ser 50% maior quando houver algo mais arrojado, como sexo anal ou ejaculação no rosto, por exemplo. No "novo pornô", ela diz que o cachê é compatível com o mainstream --sem mencionar valores--, mas igual para homens e mulheres.

Mayanna já teve experiências ruins como atriz e tenta não trazer isso para sua nova realidade. Ela conta que, antigamente, nem conseguia assistir às cenas que fazia, por considerá-las "fakes demais", com gemidos falsos e aquela sensação de quem não queria estar ali.

Nem todo mundo tem acesso

Apesar de serem aparentemente feitos para todos, a maior parte desses filmes não está disponível gratuitamente na internet. Por essa razão, Mayanna é uma das que não gosta de utilizar o termo "pornô feminista".

"Se fosse assim, teria que alcançar todas as mulheres. E a pobre não consegue, porque é pago. Por isso, eu prefiro tratar como uma nova pornografia, um novo olhar. As pessoas não se preocupam com a procedência do que consomem na internet, se são fruto de abuso, ou distribuição ilegal", afirma.

Gênero já é maioria em canais pagos

No ano passado, 23 dos 36 filmes lançados pelos canais Sexy Hot tiveram o olhar feminino como argumento narrativo. A empresa tomou essa decisão depois de fazer uma pesquisa entre sua base de clientes e descobrir que as mulheres representam 54% das assinaturas do canal e 24% do público que realmente consome os produtos.

O diretor do Grupo Playboy do Brasil, detentor da marca Sexy Hot, Mauricio Paletta, afirma procurar produtoras que já estejam acostumadas a fazer filmes desse tipo e que as condições de trabalho dos atores envolvidos é uma preocupação da empresa. O uso de camisinhas entrou na lista de exigências, por exemplo.

Os valores pagos pelas produções são acima do que é direcionado para obras licenciadas, mas não há diferenciação por roteiro.

Paletta não sabe precisar quantos dos 24 filmes previstos para 2019 terão o argumento feminino, mas conta com o crescimento da participação, por conta da maior conscientização do público.