Muito prazer? Os tabus que ainda atrapalham a sexualidade feminina
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Falar abertamente sobre prazer sexual ainda é uma barreira para muitas mulheres. Em um mundo onde as redes sociais censuram quase tudo como pornografia e até o uso de um coletor menstrual causa desconforto pelo simples ato de tocar o próprio corpo, entender e reivindicar o prazer ainda é um desafio. Ainda confundimos os nomes corretos — chamamos de vagina o que, na verdade, é a vulva —, nos preocupamos com o cheiro natural durante o sexo oral e, mesmo quando há segurança e liberdade, o preconceito e a violência persistem.
Essa invisibilidade não é à toa: o clitóris, único órgão humano cuja função é exclusivamente proporcionar prazer, ainda é pouco conhecido até mesmo dentro das faculdades de medicina. Faltam estudos, falta espaço, falta incentivo. O resultado dessa ausência de informação e abertura é sentido diretamente na prática: menos prazer, mais dor, mais silêncio.
O prazer ainda é um privilégio masculino?
Segundo dados do Projeto Sexualidade (ProSex), da USP, o sexo é considerado essencial tanto para homens quanto para mulheres. No entanto, mais da metade das mulheres entrevistadas relataram dificuldade em atingir o orgasmo — muitas por não se masturbarem, outras por não saberem como se excitar ou por sentirem dor na relação. Em tempos de empoderamento, fica a pergunta: será que estamos mesmo empoderadas do nosso prazer?
Conversamos com três especialistas — uma ginecologista, uma sexóloga e uma educadora sexual — para entender por que o prazer ainda é tratado como tabu e como é possível trilhar o caminho da autonomia sexual feminina.
O papel dos médicos: mais escuta e menos julgamento
É fundamental que a sexualidade feminina entre de forma natural nas consultas ginecológicas. Faz parte da anamnese perguntar sobre libido, prazer e dificuldades nas relações. Vale destacar que nem tudo é físico, muitas vezes há traumas de infância, repressões familiares, medo de se tocar etc.
Além disso, ainda há lacunas na formação médica. A sexualidade feminina é controversa até mesmo nas especializações. Falta abertura para discutir prazer com profundidade, tanto por parte do médico quanto da paciente.
No geral, o mais importante é: a mulher precisa aprender o que é prazer para ela, pois isso não é responsabilidade do outro. O prazer não está só na penetração e nem todas sentem prazer da mesma maneira. É essencial saber do que gosta.
Corpo bonito não é corpo livre
Pode-se observar uma contradição entre aparência e prática sexual. A mulher até pode se apresentar como sensual e ter um corpo esculpido, mas muitas vezes não sabe como utilizá-lo. Ela não não orienta e apenas aceita o que acontece. O homem, por outro lado, pede, dirige, sabe o que quer.
Essa passividade tem origem na dificuldade em tocar o próprio corpo. Muitas só são tocadas por outra pessoa depois de iniciarem a vida sexual, mas nunca exploraram sozinhas suas zonas de prazer. A masturbação é importante: mulheres que se masturbam têm menos problemas sexuais.
Sendo assim, o orgasmo não deve ser encarado como objetivo final. Ele é uma consequência, a satisfação pode vir mesmo sem ele. A mulher precisa terminar o ato se sentindo compensada, sentindo que valeu a pena. Afinal, sexo também é troca e exercício de intimidade.
Educação sexual: ainda para agradar o outro
O prazer feminino continua sendo tratado como um serviço. Grande parte das informações ainda reforçam que a sexualidade feminina deve ser dedicada ao outro. Na cama, a mulher é vista como objeto de desejo, enquanto o homem é o sujeito que deseja.
Portanto, conhecer a anatomia é importante, mas não resolve tudo. Você pode saber onde está seu clitóris, mas ainda assim sentir culpa pelo próprio prazer. É preciso entender de onde vem esse tabu. Só assim dá para desconstruir o que nos foi ensinado.
Também vale questionar a ideia de que o sexo é hipervalorizado. O que é hipervalorizado, na verdade, talvez seja a obrigação de agradar. Sexo como autoconhecimento e empoderamento ainda é marginalizado. Mas ele é, sim, um caminho legítimo de evolução e autonomia.
O que é ser uma mulher empoderada do próprio prazer?
Para a maioria, empoderamento não é sobre agradar o outro, mas sobre saber o que quer — e o que não quer. É reconhecer o que dá prazer, o que incomoda, o que machuca e o que cura.
É importante que a mulher saiba dar prazer, mas que saiba que pode ter isso sozinha também. O prazer não depende só do outro. Quando uma mulher entende sua potência, ela se torna mais livre e mais consciente. Uma mulher conectada ao próprio corpo é uma mulher inteira — e essa inteireza assusta porque não se submete.
Fontes: Carmita Abdo, psiquiatra e sexóloga, fundadora e coordenadora geral do ProSex, Programa de Estudos em Sexualidade, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; Mariana Stock, comunicadora e educadora sexual; e Marise Samama, ginecologista especialista em reprodução humana, doutora pela Escola Paulista de Medicina e pela Universidade de Paris
*Com matéria publicada em 22/5/2018
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