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Em plena ascensão do feminismo, chineses criam filhas para serem princesas

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Imagem: iStock

Paula Escalada Medrano

da EFE, em Xangai

02/09/2018 11h52

Em um mundo mergulhado na onda do feminismo, as novas gerações de pais na China continuam fomentando a diferença de gênero educando as filhas como se fossem princesas, uma tendência que está sendo aproveitada por novas empresas que surgem no país.

Em Xangai, a Twikle, um espaço de jogos para crianças, com restaurante para os pais, está prestes a abrir sua terceira loja. O diferencial do local é que ele também oferece um spa para as meninas.

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"Eu não acho que seja má influência para elas. É como o jogo no qual as crianças interpretam os papéis de seus pais", conta à Agência Efe, Lou Xiaoiu, uma mãe de 32 anos, enquanto sua filha Ivy, de 5, tem o rosto coberto com rodelas de pepino e as unhas pintadas com cores vivas por uma manicure.

Manicure, pedicure, massagens. Tudo isso em uma sala com cadeiras rosas. As meninas desfilam com roupões de banho e diademas da mesma cor, graças à disposição das mães em pagar entre 150 e 280 iuanes (entre R$ 90 e R$ 165) pelo serviço que não para de crescer.

"Com o desenvolvimento econômico da China, alguns pais ainda respaldam os pontos de vista típicos de gênero e acreditam que as meninas devem ser criadas para serem belas e tranquilas, enquanto os meninos devem ser criados para serem masculinos", conta à Efe, Lixian Cui, professor de psicologia da New York University de Xangai.

Enquanto o mundo assiste a uma autêntica revolução social em prol do feminismo e da igualdade de gênero, muitos chineses seguem abraçando estereótipos e educando meninos e meninas de maneira diferente.

Dentro de suas possibilidades econômicas, os pais cercam as meninas de luxo e atendem a todas às suas necessidades. Aos meninos, explicou o professor, a ideia repassada é de que eles devem trabalhar duro e se esforçar para conseguir o que eles querem.

Uma das razões para que isso aconteça, argumenta Cui, é o desejo dos pais de que as filhas atraiam maridos ricos.

O professor é membro do Chinese Families Lab, um projeto que estuda como a paternidade e o desenvolvimento das crianças influenciam as mudanças sociais, econômicas e culturais que estão ocorrendo no país.

Com a abertura comercial da China, o padrão de vida da população está crescendo consideravelmente. As empresas estão mudando de modo que, por exemplo, se multiplicam os estabelecimentos relacionados ao luxo para adultos e seus filhos.

"Definitivamente os negócios e a economia desempenham um grande papel aqui. Os negócios serão definidos pelas necessidades das pessoas e se eles observarem que os pais têm esses tipos de ideias e necessidades, vão criar companhias focadas em atendê-las", analisou Cui, citando como exemplo a existência de lugares como os spas infantis.

Juntamente com a economia, a educação é outro fator que mantém diferenças de gênero, disse o psicólogo.

O Chinese Families Lab está trabalhando agora em um projeto sobre os manuais escolares e descobriu que a diferenciação de gênero é "muito evidente".

"Eles descrevem meninas e meninos de um modo muito determinado, com funções típicas de gênero", revelou o professor.

Embora a China ainda esteja muito atrás de outros países em questões de igualdade, Cui acredita que, mais cedo ou mais tarde, o país pegará o carro da igualdade. "O feminismo está cada vez mais entrando na China, pelo menos estão discutindo certos temas, mas ainda vai ser difícil que mude em um curto tempo. Vai demorar", contou.

Será inevitável, pois, no final, no país sempre entram valores estrangeiros, apesar da censura e o interesse do governo que a abertura para o Ocidente não seja total.

"Estamos vendo isso em temas como o movimento '#MeToo'. Tudo que vem dos Estados Unidos de algum modo chega ao nosso país, também os valores culturais. E há cada vez mais casos (de assédio) na China que estão sendo discutidos através da internet", explicou o psicólogo.