Topo

Horas antes de morrer, Marielle queria garantir segurança de mulheres

Marielle Franco foi assassinada no Rio de Janeiro - Márcia Foletto/Agência O Globo
Marielle Franco foi assassinada no Rio de Janeiro Imagem: Márcia Foletto/Agência O Globo

Daniela Carasco

da Universa, em São Paulo

16/03/2018 13h17

Na noite do dia 14 de março, a vereadora Marielle Franco (PSOL), 38, chegou uma hora atrasada para o evento “Jovens Negras Movendo as Estruturas”, que acontecia no Rio de Janeiro e onde discursaria para uma plateia de cem mulheres negras. Marielle estava tensa.

“Ela vinha de uma sessão na Câmara onde teve um projeto vetado pelo prefeito Marcelo Crivella”, recorda a produtora audiovisual Aline Lourena, coordenadora do coletivo AZ_Pretaz, que também falou naquela noite. “Era um projeto que tinha a ver com tornar públicas as contas da prefeitura. Ela pedia transparência. E óbvio que o veto lhe causou uma irritação profunda.”

Ao mesmo tempo, porém, Marielle estava radiante por ter conseguido reunir tantas mulheres na Casa das Pretas, espaço conhecido como quilombo das mulheres negras, no Rio. Só que a reunião não poderia se prolongar muito, teria que terminar pontualmente às 21h, pediu prontamente.

“Como muitas das convidadas eram moradoras da Zona Oeste e vivem uma situação de vulnerabilidade muito grande, ela pediu que terminasse cedo. Sempre preocupada com a segurança das mulheres, orientou que saíssemos em grupos. Essa era uma fala muito recorrente dela”, conta Aline.

Jovens Negras Movendo as Estruturas! Foi lindo! Obrigada, mulheres! ? #azpretaz

Uma publicação compartilhada por Aline Lourena (@alinelourena)

em

“Foi uma noite muito bonita”

Aline estava lá, a convite da vereadora, para apresentar seu projeto Pretaz_Hub, um laboratório de formação audiovisual para mulheres negras, que teve o apoio e a atuação de Marielle. O clima, recorda, era de esperança. Marielle demonstrou alegria com relação à mobilização ativa da população negra em diversas áreas, como música e tecnologia.

E uma fala específica marcou Aline: “Na Câmera, antes de a gente entrar, foram 10 anos antes com a Jurema [Batista]. E dez anos antes da Jurema, a Benedita [da Silva]. A gente não pode esperar mais 10 anos ou achar que eu estarei ali por 10 anos.”

“Vou guardar de forma muito profunda”, diz a produtora. Na hora da despedida, ela agradeceu o apoio e disposição de Marielle, que respondeu com um abraço caloroso e um pedido carinhoso: “Não pare nunca, não desista.” Poucos minutos depois, o celular de Aline foi tomado por ligações e mensagens, que lhe avisavam da notícia trágica. Marielle havia sido assassinada por quatro tiros, dentro do carro, no caminho de casa.

Leia também:

Transformando o luto em luta

Profundamente abalada, Aline, que acompanhou todo o velório de Marielle, nesta quinta (15), diz não ter medo. “Quero dar continuidade e viabilizar nossa luta que é histórica. Nós lutamos para nos mantermos vivas cotidianamente, diariamente em todos os territórios deste país, há anos. E isso não pode ficar em silêncio. Foi para isso que ela lutou desde sempre, contra o genocídio da nossa população.”

O assassinato da vereadora tem para Aline um significado claro: “Como é fácil eliminar mulheres negras da nossa sociedade, como a nossa vida importa muito pouco”. Por isso, afirma: “A luta não pode parar”. Para fazer valer a trajetória da colega, espera que, em ano de eleição, os movimentos sociais, que ajudaram na construção da candidatura da vereadora, se unam ainda mais para garantir “maior representatividade nos espaços de poder, sobretudo no legislativo”, onde agora Marielle permanecerá em memória.