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Normal ou cesárea: o que médicos pensam sobre projeto de Janaína Paschoal?

Janaina Paschoal (PSL-SP): votação é polêmica - Carine Wallauer/UOL
Janaina Paschoal (PSL-SP): votação é polêmica Imagem: Carine Wallauer/UOL

Manuela Rached Pereira

Colaboração para Universa

18/06/2019 04h00

Protocolado em abril pela deputada Janaina Paschoal (PSL-SP), o projeto de lei que garante à gestante a opção pela cesárea sem a necessidade de indicação clínica no SUS, a partir da 39ª semana de gestação, passou a tramitar em regime de urgência na Assembleia Legislativa de São Paulo.

Motivo de preocupação entre entidades médicas e profissionais de saúde, a medida prevê ainda a oferta de analgesia para partos normais e impõe que, em hospitais e instituições que funcionem como maternidades, sejam fixadas placas com a afirmativa: "Constitui direito da parturiente escolher cesariana, a partir da trigésima nona semana de gestação".

Em nota, o Coren-SP (Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo) afirma que o PL "não apresenta amparo e embasamento científico" e seus argumentos "estimulam perigosamente o aumento de partos cesarianos no Brasil", que é hoje o segundo país com maior taxa de cesáreas do mundo (55,6%).

O Conselho ressalta ainda os riscos da tramitação urgente do projeto, que desobrigou a proposta de passar pelos trâmites normais da Alesp, como ser analisado pelas comissões da saúde e da mulher e debatido em audiências públicas antes de sua votação final.

Por outro lado, o Cremesp (Conselho Regional de Medicina de São Paulo) soltou uma nota em que se diz favorável ao PL (veja abaixo).

"Dar voz às mulheres usuárias do SUS"

Já a autora do projeto, Janaina Paschoal, defende a aprovação acelerada da proposta e reafirma sua intenção de "dar voz a milhares de mulheres usuárias do SUS" que passam por situações de violência obstétrica e são impedidas tanto de exercer seu direito de escolha em relação à cesárea como ao uso de analgesia quando o parto ocorre por via vaginal.

A entidade regional rebate: "Se a pretensão genuína do projeto for garantir a autonomia da mulher e o direito ao nascimento seguro, então que se batalhe para o atendimento digno e humanizado no parto. Para tanto, deve-se redesenhar os modelos assistenciais, capacitar os profissionais de saúde e desenvolver mecanismos indutores de qualidades dos serviços, além de adequar e ampliar a rede de cuidados, a fim de facilitar o acesso das gestantes ao pré-natal de qualidade e à própria unidade de saúde."

Professora da Escola Paulista de Medicina da Unifesp e obstetra da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia), Roseli Nomura argumenta sobre a falta de condições adequadas de assistência pré-natal e ao parto no sistema público de saúde do país e destaca que o Estado deveria garantir o monitoramento de práticas obstétricas e atuar pela garantia de condições básicas para a realização do parto humanizado para todas a mulheres.

"A gente sabe que no setor privado é muito diferente, mas eu entendo que não é por essas medidas que a gente vai chegar à melhor solução. O problema é muito anterior, está na assistência pré-natal, na assistência à saúde, na educação em saúde para as mulheres, e ainda é um caminho muito longo a ser percorrido na nossa sociedade", avalia.

Cesárea salva vidas, mas complica também

Se por um lado os partos cirúrgicos podem salvar vidas, como nos casos em que há risco de hemorragia ou quando a placenta obstrui a saída do bebê do útero, por outro eles estão associados a um maior número de partos prematuros e a complicações durante e após o procedimento.

Segundo dados da pesquisa Nascer no Brasil, divulgada em 2016 a partir de um inquérito nacional de base hospitalar, a taxa de prematuridade entre recém-nascidos brasileiros (11,5%) é quase duas vezes superior à observada em países europeus. Além disso, obstetras apontam riscos maiores para as gestantes que optam pela cesariana.

"A cesárea, quando comparada ao parto vaginal, tem maiores riscos de sangramento, de infecções e de, no futuro, ter complicações em outras gestações porque ela (parturiente) fica com uma cicatriz no útero, decorrente da cirurgia, e isso pode limitar o número de gestações futuras. Então, são riscos que devem ser considerados quando a mulher escolhe a cesárea como a via de parto", explica Nomura.

Para a ginecologista e obstetra do Hospital Israelita Albert Einstein, Alessandra Bedin, nos casos em que não há complicações prévias e a mulher for esclarecida sobre as implicações decorrentes da cesariana, a vontade da paciente deve ser respeitada, mas reforça que a realidade brasileira mostra que nem sempre são oferecidas atenção básica e orientação adequada a respeito dos riscos do procedimento cirúrgico às gestantes.

"No sistema público é muito difícil porque muitas vezes elas têm medo da dor, mas muitas vezes esses riscos não foram discutidos com elas, como é feito na rede privada. Então, é muito mais simples pro sistema e pros médicos optarem pela cesárea", afirma Bedin.

Muita cesárea no Brasil

Dados do Sinasc (Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos), de 2016, mostram que as cesáreas respondem por 55,6% do total de nascidos vivos no país. Enquanto na rede privada, 84% dos partos ocorrem via cesarianas, no SUS, a taxa é de 40%. Em índices de partos cirúrgicos, o país só perde para a República Dominicana (56%).

Em declaração, a OMS (Organização Mundial da Saúde) recomenda que a cirurgia seja indicada apenas por razões médicas e considera que, "assim como qualquer cirurgia, uma cesárea acarreta riscos imediatos e a longo prazo", principalmente "em mulheres com acesso limitado a cuidados obstétricos adequados".

O direito de escolha

Diante do atual cenário nacional, Roseli Nomura contesta que os altos índices de partos cirúrgicos entre as brasileiras seja por conta da preferência das gestantes em realizá-los. "Isso ocorre pela falta da analgesia de parto, pelas condições precárias com que o parto tem acontecido no setor público, o que acaba empurrando a mulher a optar pela cesariana. A escolha do parto é uma questão muito complexa".

Sobre a analgesia, a obstetra explica que todo o procedimento anestésico está associado a riscos. Uma das complicações que podem surgir com a aplicação é uma demora maior no período expulsivo, mas garante que "estando a mulher bem assistida, é muito benéfica ao parto".

Já de acordo com a ginecologista e obstetra Alessandra Bedin, a ideia do PL não é exclusiva do Brasil e não deveria desconsiderar a realidade do país.

"Em todos os lugares do mundo existem várias comissões e vários projetos a respeito, dando o direito de escolha às mulheres de fazerem as cesárias. Minha única ressalva é que nem sempre a atenção mais básica é dada. E se nem essa assistência básica é dada, imagine se é dada a orientação adequada a respeito dos riscos. Se fosse bem feito, a ideia seria ótima, mas eu acho que no Brasil isso não é factível", afirma.

Para as especialistas consultadas por Universa, tanto o direito à analgesia como o de escolha pela via de parto devem ser garantidos a todas as gestantes, como já previsto pela lei do parto humanizado, de 2015, que, entre outras medidas, prevê "a oportunidade de escolha dos métodos natais por parte da parturiente, sempre que não implicar risco para sua segurança ou do nascituro".

Placas nas maternidades são desserviço

Elas afirmam, no entanto, que há pontos específicos da lei, como a fixação obrigatória de placas em maternidades, que podem estimular o aumento de partos cesarianos no Brasil em meio a condições precárias de assistência em saúde pública.

"Eu acho isso um desserviço que acaba induzindo a prática da cesárea. As condições de parto que deveriam ser oferecidas (como a analgesia e um bom serviço de pré-natal que explique claramente pra mulher os benefícios tanto do parto vaginal como da cesárea) não são. E quando ela se depara com uma placa dessas, acha mais fácil escolher pela cesariana. É um procedimento de maior risco sem explicações que deveriam ser feitas antes", defende Nomura.

"Você deve orientar e especificar que em casos bem esclarecidos a mulher tenha esse direito, mas sugerir isso com uma placa acho que é demais", reforça Bedin.

Termos inapropriados

Nomura destaca ainda que percebe alguns termos "não apropriados" inseridos na proposta. "É um projeto de lei estadual que toma como base a resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina) a respeito da cesárea a pedido, e eu noto que neste projeto ela começa falando da cesárea eletiva, mas a cesárea eletiva é muito diferente da cesárea a pedido".

A obstetra explica que a 'cesárea a pedido' é "aquela que não tem uma indicação médica e ainda assim é a via de parto desejada pela mulher", enquanto o projeto se utiliza do termo 'cesárea eletiva', "eleita como a melhor via de parto por questões clínicas".

Posicionamento do Cremesp

Leia a nota que o órgão soltou:

"Cremesp se opõe à vilanização da prática cirúrgica obstétrica consagrada pela ciência

O Conselho de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) defende que a discussão sobre a assistência perinatal, no SUS e na rede privada, deve ser abordada por evidências científicas e por práticas comprovadas que garantam: a segurança da gestante e do bebê, o livre acesso da mãe a todas as informações possíveis para sua tomada de decisão, e não sejam guiadas por índices baseados em falsa ciência e nem objeto de questões políticas. Desta forma, o Conselho se opõe a práticas e discursos que visam à vilanização da prática consagrada da cirúrgica obstétrica, promovida por grupos de caráter sectário e ideológico.

Recentemente, o Tribunal Regional Federal 3ª Região determinou que o Conselho Federal de Medicina cuide "da observância e da fiscalização do procedimento de informação compulsória pela classe médica", impondo que, durante o pré-natal na rede privada, seja entregue às beneficiárias de plano de saúde nota de orientação à gestante. O documento faz parte da Resolução Normativa da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) nº 398/2016, que informa haver enfermeiros credenciados para assistência ao parto e pré-natal, entre outras informações, em três diferentes consultas pré-natais. Nas orientações, a ANS refere-se aos "altos índices de cirurgias desnecessárias".

Em posicionamento oficial, aprovado pela reunião de diretoria, em 11 de junho de 2019, e em plenária, em 13 de junho de 2019, o Cremesp entende que a avaliação de qualidade da assistência perinatal é multifatorial e não deve se basear nos "índices ideais de cesáreas" (abandonados inclusive pela OMS por falta de evidência científica), desconsiderando as indicações médicas e a vontade materna. Por isso, defende projetos de lei, como o de nº 435/2019, da deputada estadual Janaina Paschoal, que garante à gestante a possibilidade de optar pelo parto cesariano, a partir da trigésima nona semana de gestação, bem como a analgesia, mesmo quando escolhido o parto normal.

Na nota, o Cremesp "repudia discursos de ódio contra a categoria médica, que tentam taxar esses profissionais de mercantilistas quando, na verdade, o que se percebe é que o interesse econômico está do lado de quem acusa: em querer, com falsa ciência e com discursos ideológicos, demonizar rotinas médicas seguras e consagradas na assistência médica obstétrica em troca de práticas empíricas, desprovidas de ciência e que os estudos têm demonstrado resultados, no mínimo, preocupantes".

A manifestação leva em conta ainda que "o Cremesp tem instruído e julgado vários processos ético-profissionais em que os eventos adversos foram decorrentes da demora em se realizar cesariana e pelas complicações da insistência em ultimar partos vaginais". E que, muitas vezes, as complicações tiveram início justamente na forma de condução da assistência ao trabalho de parto sem contar com a participação efetiva de profissionais médicos. E que estes são chamados a intervir somente após as complicações, assumindo o ônus do processo."