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Marido é do Congo: "Viemos ao Brasil porque meu país não aceita refugiados"

Ilana e Lambert: vieram ao Brasil para viver esse amor - Arquivo Pessoal
Ilana e Lambert: vieram ao Brasil para viver esse amor Imagem: Arquivo Pessoal

Camila Brunelli

Colaboração para Universa

04/04/2019 04h00

No início da década de 2000, quando a internet ia à loucura com a possibilidade de baixar as músicas favoritas para o computador ou com as comunidades do Orkut, a gerente Renee Ross-Londja, hoje com 47 anos, passava horas por dia conectada, mas por outro motivo: o amor.

Em 2001, quando ainda morava na Guiana Inglesa, sua terra natal, conheceu o congolês Lambert Shesa. Depois de anos de conversas virtuais, ele atravessou o Oceano Atlântico para conhecer a mulher de quem só conhecia as ideias - e pelas quais se apaixonou.

Como também fugia das guerras do Congo, Shesa pediu refúgio na Guiana, sem sucesso, já que o país não tem política de acolhimento a refugiados. Quando ele pediu refúgio no Brasil e o pedido foi aprovado, eles vieram para o cá começar a vida e atualmente moram na zona leste da capital paulista. Ainda arranhando no português, Renee se desculpa pelo idioma enrolado em que conta sua história:

"Mesmo quando nós só nos falávamos pelo computador eu já estava apaixonada, porque a gente conversava muito. Quando ele foi para a Guiana e não conseguiu refúgio, pensamos em vir para o Brasil porque era perto.

Entramos por Manaus, onde moramos por quatro anos. Lá, uma amiga brasileira me levou em um centro em que tínhamos aulas gratuitas -- era o Centro de Educação Tecnológica do Amazonas (CETAM). Aprendi diversos tipos de artesanatos, mas escolhi passar a fazer essas bonecas de pano africanas e as abayomi (o nome significa 'encontro precioso' no iorubá) que representam a mulher africana e caribenha da Guiana, porque eu acho que ainda faltam opções de bonecas negras. Não tem quase nada.

Illana com as bonecas que fabrica: veio para o Brasil por amor - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Illana com as bonecas que fabrica: veio para o Brasil por amor
Imagem: Arquivo Pessoal

Em 2011, quando Lambert teve o pedido de refúgio aprovado, nos casamos no civil e viemos para São Paulo. Aqui tem mais culturas e mais gente, pensei que teriam oportunidades melhores para nós. E, como ele fala cinco idiomas: francês, inglês, lingali e suahíli - as duas últimas, línguas do bantu - além do idioma de seu povoado, haveria também mais alunos para oferecer aulas. Agora, enquanto ele tenta validar aqui no Brasil a formação de geólogo que teve no Congo, ele dá aulas de francês, inglês e português para estrangeiros.

Além disso, aqui tem mais ONGs, temos conseguido algumas oportunidades [uma dessas é o workshop que está sendo ministrada por uma dessas organizações, a Migraflix em parceria com o Airbnb, plataforma de hospedagem. A intenção do projeto é capacitar imigrantes e refugiados para se tornarem empreendedores culturais, oferecendo experiências relativas a seus países: dança, gastronomia, artesanato, música ou outra forma de expressão artística ou cultural. Esses serviços serão contratados como forma de geração de renda para os imigrantes.]

Agora, além das bonecas de pano, vendo colares, brincos, turbantes e outros acessórios em feiras de artesanato, aos domingos. Depois do treinamento, pretendo também oferecer workshops e oficinas de confecção das bonecas de pano.

Gosto mais daqui [de São Paulo] do que de Manaus. Aqui é maior, mais fresco. O problema é que é mais longe para visitar minha família, que ainda mora na Guiana. Quando eu estava em Manaus era bem mais fácil porque eram apenas dois dias de ônibus. É do que eu mais sinto falta da Guiana.

A última vez que fui pra lá foi em 2016, para o casamento do meu único filho. No ano passado, perdi meu neto -- morreu ainda na barriga da mãe -- e não consegui ir. Foi horrível. Até hoje é muito difícil para mim, mas Deus me confortou.

Aprendi com tudo isso que passamos que você tem de ficar com sua mente aberta, mesmo para o que você não conhece. Precisa se abrir para aprender, sem ter vergonha.

Eu e Lambert continuamos juntos. Temos dificuldades, como todo casal - com o agravante de que apesar de sermos afrodescendentes, viemos de culturas diferentes. Às vezes acho que ele tem algumas ideias machistas, mas ele é bom para mim."