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Mulher assedia? Os elogios que dizemos para agradar, mas incomodam

Bloco Minha Luz É de Led, no Rio: elogiar a outra pode ofender? - Luciola Villela/UOL
Bloco Minha Luz É de Led, no Rio: elogiar a outra pode ofender? Imagem: Luciola Villela/UOL

Júlia Arbex

Colaboração para Universa

03/03/2019 04h00

A intenção pode nem ser ruim, mas há comentários que mulheres fazem à outras que podem incomodar. É o relato da engenheira ambiental Rosana Laura, de 30 anos: mulheres elogiam seu cabelo crespo e pedem para tocar nele.

"Um mulher me disse, surpresa: 'Pensei que fosse duro!' Já falaram também que meu cabelo é exótico. Mas isso não é verdade... Basta andar na rua para ver quantas mulheres abandonaram o alisamento. Além disso, já ouvi que era uma lésbica bonita. 'Até parece mulher', a moça me disse", ela conta.

Rosana Laura - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Rosana Laura: o cabelo dela não é exótico
Imagem: Arquivo Pessoal

A história é velha conhecida das mulheres. Sejam tias bem-intencionadas ou mulheres desconhecidas que conhecemos em boates, comentários podem ferir. "É por conta disso que surgiu o conceito da sororidade. Ele faz com que as mulheres reconheçam suas diferenças e, com empatia e companheirismo, protejam-se umas às outras frente ao machismo estrutural e não reproduzam comportamentos que as oprimem e estereotipam", explica Adriana Bilate, socióloga e professora da UNISUAM (RJ).

Por mais que seja diferente de assédio, incomoda. Veja algumas histórias de mulheres que passaram por isso e como especialistas recomendam lidar com a situação:

Gordinha linda: até quando?

"Quando era adolescente, uma amiga da minha família sempre falava que eu era uma 'gordinha linda'. Ela também é gorda e eu sei que a intenção dela era me elogiar, mas me incomodava e eu nem sabia o porquê", conta a jornalista Naiara Araújo, de 27 anos.

Ela diz que hoje a relação com o corpo mudou e ela entendo o que a machucava. "Eu só queria que me vissem como uma pessoa bonita, sem ligar para o fato de eu ser gorda. Outra coisa que me chateava era ser chamada de 'gordinha' ou 'fofinha'."

Muita gente acha que a palavra 'gorda' é ofensiva e não consegue usar, mas não é ofensivo, não. O problema é a carga negativa que colocam na palavra

"Por isso, tenho duas dicas para quem quer me elogiar: a primeira é pensar se falaria a mesma coisa para uma mulher magra como, por exemplo, 'fulana é uma magrinha linda'. A outra é que existem muitas formas de elogiar alguém sem citar o corpo ou a beleza. E as mulheres precisam aprender isso", ela diz.

Marina, de 33 anos, preferiu não ter seu nome divulgado nessa matéria, mas também conta uma história relacionada a engordar e emagrecer: "Quando perdi bastante peso por questões de saúde, muitas mulheres que nem tinham intimidade comigo se achavam no direito de falar sobre meu corpo. A frase que mais me marcou foi 'nossa, como você está bonita. Emagreceu?'. Lembro que eu pensava: 'Então eu era feia antes?' Me sentia invadida com os comentários e só conseguia pensar que essas pessoas me julgavam antes de emagrecer."

"Dizer que alguém é 'linda de rosto' ou que é 'gordinha, mas é bonita' é esquecer que ser gorda não é sinônimo de ser feia e que ser magra não é qualidade, é característica. A gordofobia, assim como o racismo e a homofobia, abala tremendamente a autoestima de qualquer um e a forma de se referir a outra pessoa diz muito mais sobre você do que sobre o outro. Por isso, o ideal é simplesmente não dizer frases como essas", aconselha a psicanalista Andréa Ladislau.

Isso é assédio moral?

Se acontecer no ambiente de trabalho, sim, pois o termo assédio moral só existe na relação trabalhista. Vale lembrar que também é considerado assédio quando há ofensas de um colega para outro, não precisando ter necessariamente subordinação hierárquica.

Fora do ambiente de trabalho, essas frases soltas podem ser enquadradas no crime de injúria, previsto no art. 140 do Código Penal. A pena pode variar de um a seis meses de prisão e aplicação de multa.

"Caso a ofensa envolva questões referentes, por exemplo, à raça, cor, etnia ou religião, a pena será de um a três anos de reclusão e multa", esclarece Marcelle Tasoko, advogada criminalista especialista em defesa da mulher.

Pense antes de falar

"Estava em uma festa com uma amiga e ela disse que eu nem parecia lésbica porque estava bem bonita e estilosa. O que uma coisa tem a ver com a outra?", conta Cristina Almeida, de 26 anos. 

Andráa afirma que qntes de querer ser simpático, sincero e construtivo, veja se o que vai dizer é realmente necessário, especialmente se for sobre a aparência ou comportamento de alguém. "Empatia é ter sensibilidade e preocupar-se com a reação alheia diante de suas colocações é, no mínimo, ser responsável", ressalta . Para a coach e psicóloga Cristiane Alves, sempre que for dar uma opinião sobre outra pessoa, utilize uma comunicação assertiva, tendo como foco valorizar. "Todas as vezes que fizer uma observação sem que tenham pedido sua opinião, você deixa o outro exposto e desperta o sentimento de invasão e até mesmo de perseguição", diz.

Tenha orgulho de si mesma

"Minha mãe sempre consegue me deixar para baixo quando a intenção é me ajudar. Ela diz que eu deveria fazer cirurgia para reduzir as mamas porque só assim conseguiria comprar biquínis mais bonitos. Sou saudável e gosto do meu corpo como ele é. Isso não importa?", diz a estudante Gabrielle Ferreira, 19 anos. 

Cristiane aconselha que quando assumimos quem realmente somos, mostramos que não precisamos da aprovação dos outros. Além disso, a mulher que aceita suas características, sente-se mais segura de si e se fortalece.

Mulheres empoderadas, sociedade mais justa

A mulher cresce acreditando que deve tratar a outra como rival, especialmente na disputa pela atenção masculina. O empoderamento chega para desconstruir essa ideia. "É que dar visibilidade e protagonismo às mulheres, quer seja na política, na produção de conhecimento, nas relações amorosas e familiares e na autonomia e liberdade sobre seus corpos e vidas. Ou seja, é preciso que as mulheres se unam cada vez mais para conseguirem conquistar seus espaços", finaliza Adriana.