A fada sensata das redes

Thaynara OG conta como o desabafo feito com o celular, em seu quarto, no Maranhão, virou um negócio lucrativo

Luiza Souto e Luciana Bugni da Universa, em São Paulo Du Borsatto/UOL

Para os menos conectados, o nome da influencer Thaynara Oliveira Gomes, 27 anos, pode passar batido. Ainda. Neste ano, ela estreia dois programas no canal de TV fechada GNT, da Globosat. Acumula 3,4 milhões de seguidores no Instagram. É a garota-propaganda de ao menos 7 grandes anunciantes, que vão de marcas de cosméticos a grandes bancos. O cachê, por campanha, pode chegar a R$ 150 mil reais. Ela não confirma o valor, mas gargalha. Motivos tem mesmo para rir à toa.

Há quatro anos, a então estudante de direito da Universidade Federal do Maranhão passava os dias se preparando para um concurso público. Não tinha grana nem para bancar a depilação - dependia dos pais pra tudo. Seu único passatempo, à época, era postar vídeos no Snapchat, rede social em que compartilhava com os amigos os dramas de uma vidinha sem emoção. Aparentemente, muita gente se reconheceu ali. Ou achou graça na moça. Um seguidor espalhou pra outro, que marcou o outro... E, quando se deu conta, a maranhense havia se tornado uma musa digital.

"Ééééégua!" --ela repete o tempo todo, assim como muitas outras gírias típicas do seu estado-natal. Foi assim, com sotaque marcado e influências regionais, que Thaynara atraiu uma legião de fãs, que ultrapassam os limites do eixo Rio-São Paulo, onde ainda nasce grande parte dos movimentos digitais. Não por acaso, ela continua morando no Maranhão, refúgio entre as viagens e compromissos. "Os seguidores gostam quando eu faço vídeos do meu quarto, em São Luís, todo bagunçado", conta.

A carreira de advogada e o concurso público ficaram no passado. Hoje, ela usa sua influência para divulgar a cultura da região onde vive e ajudar instituições filantrópicas. No ano passado, conseguiu arrecadar mais de R$ 200 mil ao promover o evento São João da Thay -- o dinheiro foi doado para a Apae. Neste ano, a terceira edição da festa arrecadará fundos para a Unicef. "Eu não surgi do nada. Tomei uma decisão inteligente que mudou minha vida e me faz feliz".

Fada sensata, como se diz nas redes, essa Thaynara OG.

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De concurseira à web celebrity

Prestar concurso era uma maneira de seguir os passos do pai, o juiz Milvan Gedeon, e os do avô, o desembargador aposentado Militão Vasconcelos. Mas, para chegar lá, Thaynara se viu em situação desconfortável. Abriu mão de tudo para estudar. Não tinha dinheiro para nada. "Isso me dava muita vergonha, e foi me deixando doida, triste. Por isso fazia Snap."

Nos posts, ela transformava tristeza em bom humor. Nos relatos do seu cotidiano e de sua família, sempre havia espaço para zoeira. Como a vez em que o celular de sua irmã caiu na piscina. Ou quando sua mãe fez um barraco daqueles. E o fio do poste de rua se soltou.

Sua leveza e autenticidade a tornaram superconhecida. A ficha caiu quando os famosos, como a atriz Camila Queiroz, a Vanessa de "Verão 90", começaram a segui-la e a curtir tudo o que fazia. Logo passou a ser convidada para aparecer em programas de TV e em eventos. Chegou a receber em torno de R$ 20 mil para dar as caras numa festa.

A primeira onda de críticas nas redes veio quando carregou a Tocha Olímpica Rio 2016 por São Luís. Eram atletas, a quem não foi concedida a mesma oportunidade, que não se conformavam em ver "alguém da internet" ocupar um espaço que seria deles.

"Há um preconceito contra criadores de conteúdo. Se você é mulher, nordestina, e que ainda faz piada na internet, já te olham diferente. Eu aproveitei. Qualquer pessoa que critica faria a mesma coisa no meu lugar", defende-se.

Dicionário Básico do Maranhense, por Thaynara OG

Rica como a Bettina

"Tô rica de quê? De saúde eu tô. Tipo a Bettina?".

Diferentemente de Bettina Rudolph, que ficou famosa ao contar em vídeo ter transformado R$ 1.520 em R$ 1 milhão em três anos, a influencer digital não revela cifras. Apenas conta que o patrimônio está se acumulando em investimentos em tesouro direto, renda fixa e ações.

"Égua! Cento e cinquenta mil por campanha? Tô bem!", despista ela, ao ser perguntada sobre o cachê que recebe das marcas que representa. "Do que ganho, pago impostos, a equipe, o cartão e o resto eu invisto", ela fica séria para dizer. E afirma que estudou e segue tentando aprender o melhor jeito de lidar com dinheiro.

Mas nem só de economias é feita a vida da maranhense. A sua primeira grande aquisição foram 250 ml de silicone em cada seio. "Sempre me incomodou não ter peito, mas meu pai não queria pagar a cirurgia. Todo mundo vai comprar Ferrari, e eu fui logo para os peitos", conta.

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Tenho minha OAB, fiz minha faculdade sem pedir dinheiro para meus pais, passei no primeiro Enem, e em uma faculdade federal. E larguei tudo isso para ser feliz

Thaynara OG

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Quanto mais likes, maior a ansiedade

Alcançar milhões de seguidores traz, de certa forma, alguma responsabilidade. Para manter os seus K (em internetês, milhares de seguidores), mantém intactos os trejeitos e gírias típicos da região onde nasceu. Mas já deixou para trás bordões e piadas que já não fazem tanto sentido.

Por exemplo, ela adorava dizer: "Hoje estou muito linda. Beijo para as minhas inimigas e para meus ex". Em tempo de sororidade, Thaynara sabe que esse discurso já não tem espaço. "As mulheres têm que se unir. Nem vejo como mimimi. Brincadeira sempre machuca alguém".

Mesmo acostumada à chuva de likes, a influencer chegou até a aderir, por algum tempo, à terapia. O monitoramento constante dos coraçõezinhos em suas redes, ela confessa, gera ansiedade e tensão. "Se um vídeo postado não vai tão bem, rola uma decepção. Dependo de número, de resultado. Só trabalho porque tenho muita visualização. Não tem como fazer a blasé e falar: 'Não me importo'. Me importo, sim. Dá um medo".

Hoje a internet não perdoa. Meu medo é esse, porque assim como as pessoas te levantam, elas te derrubam da noite para o dia

Thaynara OG

Amor sertanejo (e à distância)

A casa de Thaynara ainda é a dos pais, em São Luís (MA). "Mudar para São Paulo ou para o Rio me faria perder essa identidade regional. Do ponto de vista profissional, faz sentido morar lá", justifica séria. Mas a verdade é que ela tem passado muito pouco tempo em casa.

Ao chegar ao estúdio do UOL, onde foram produzidos as fotos e o vídeo para UNIVERSA, ela mal conseguia arrastar as quatro enormes malas que trouxe consigo. Sua jornada começou no Rio de Janeiro. Depois ela passou uns dias em São Paulo. E então embarcaria para Orlando, na Flórida (EUA).

Nem mesmo o namoro de sete meses com o sertanejo Gustavo Mioto, de 22 anos, a convenceu a encarar uma mudança. O jeito é voar de lá para cá, e de cá para lá, já que o artista é de Votuporanga (SP). "A saudade dói muito. O bom é que, quando [a gente se] encontra, tudo que faço com ele é maravilhoso. É o amor itinerante. Ele tem que escrever uma música sobre isso", pensa.

Ela conta nos dedos e pede um tempo para lembrar que está no quarto namoro, que espera ser o último. Mas casar e ter filhos não estão nos planos a curto prazo.

"Não me vejo mãe. Não me sinto capaz. Acho o filho um vínculo muito sério. Tem que ser muito planejado na minha cabeça. Mas quero ter um até uns 32 anos. Casamento é a mesma coisa. Não dá para casar só para convidar blogueiro e ganhar likes."

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Pai feminista, ex abusivo

Na casa dos Oliveira Gomes são quatro mulheres. "Até a cachorra é fêmea", diz Thaynara. A mãe, Antonieta, deixou os estudos para dar conta da criação das meninas. Mas o pai orientou as três filhas que era importante ter mais opções:

"Meu pai sempre foi feminista. Falava para a gente estudar, trabalhar e ter o nosso dinheiro para não depender de homem. Por causa das filhas, minha mãe largou os estudos. Sem desmerecê-la, ele falava para conquistarmos o nosso espaço".

Ela ouviu, e soube identificar, por exemplo, quando passava por um namoro abusivo durante a faculdade.

"Ele era muito ciumento, controlador. Queria que eu mandasse foto para provar que estava na aula. Se estressava muito rápido, me desrespeitava. O relacionamento era tão abusivo que, nas nossas discussões, mesmo estando certa, eu pedia desculpa. Graças a Deus, ficou para trás".

Conselhos amorosos da Thay

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Selfie com fã até com o make borrado

Nas três horas em que permaneceu no estúdio, o que se ouviu foram os maiores sucessos da cantora estadunidense Britney Spears. E Thaynara cantou todos. Entre um "Oops, I did it again" e "Toxic", a influencer lembra que assinava seu e-mail e o antigo Orkut com o sobrenome da artista. Queria ser famosa tal qual sua diva.

"Sempre escrevia no diário que queria ser famosa, para todo mundo ser meu amigo. Era uma criança muito tímida e reservada. Às vezes, me julgavam muito, me achavam estranha. E queria ser igual à Britney para todo mundo me babar. Mas era coisa de criança", apressa-se a justificar.

Vê-se que o desejo foi alcançado. E, ao menos em frente às câmeras, ela parece feliz, rodeada de amigos. Mas a vida real é outra coisa.

"Eu choro muito. Amo chorar. Sou pisciana. Quem vê a gente assim, sempre rindo no Instagram, nem imagina que passamos pelos mesmos problemas. Mas resolvo tudo offline para trazer o melhor lado para o online".

E haja controle.

"Se passo mal, já vou preparada para o hospital. Você está tomando soro e a pessoa vem com flash na sua cara. Uma vez, fui à missa maquiada. Estava chorando e ficou tudo borrado. Mesmo assim, vinha gente pedir foto. E tirei. É sem noção, mas eu entendo".

E não tem "não me trisca": ela ainda agradece aos desconhecidos pelo carinho.

Não tenho nada a esconder. Se eu não quiser receber o carinho das pessoas que gostam de mim, nem saio de casa

Thaynara OG

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A hora da estrela - da TV

A TV aconteceu para Thaynara no início deste ano, quando "Minha Vida é KIU" saiu do Youtube do GNT para a grade na televisão. Na mesma época, ela comandou o reality culinário "Chef ao Pé do Ouvido", no mesmo canal. Diz, pausadamente e intercalando entre as duas câmeras no estúdio, que tirou de letra. Já vinha sendo preparada:

"Começaram a me paquerar no início no Snap, e o meu primeiro passo foi o Youtube do GNT. Me testavam muito. Toda live de 4h me botavam pra fazer, para saber se eu sabia improvisar, me virar em saia justa. Fui muito testada. Mas adorei todo esse caminho. Não pode ser de uma hora para outra".

Ela enumera tudo isso carregando nas gírias. Garante que não precisou perder o sotaque para ser aceita.

"Apostaram na minha identidade regional, na maranhense, na pessoa que tem olhar curioso, nas expressões e brincadeiras que uso na internet. Não me engessaram. Já sacaram que não adianta pegar uma pessoa diferente e deixar no padrão", conclui.

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