O amor - todo amor - é lindo

Casal LGBT passa em geral por mais perrengue que hétero. Mas quando o amor acontece, a felicidade é igualzinha

Natália Eiras Da Universa Naira Mattia/UOL

No cinema e na TV, a historinha é sempre a mesma: garota conhece garoto, eles ficam juntos, passam por um momento de conflito, se separam, mas fazem as pazes. A mocinha e o galã se beijam apaixonadamente. Fim. Sobe o crédito.

As histórias de amor LGBT, por outro lado, até muito pouco tempo atrás, pareciam confinadas a filmes de sofrência. A tragédia era algo comum, mesmo em obras aclamadas como "Meninos Não Choram" (1999) e "O Segredo de Brokeback Mountain" (2005). A impressão era de que, para os produtores de Hollywood, não existia possibilidade de final feliz para um casal de minas ou de caras.

Os roteiros talvez sejam um reflexo do olhar que muitos de nós temos sobre os relacionamentos gay. Infelizmente, casais LGBTs sofrem com ideias preconceituosas, do tipo: "lésbicas estão sempre brigando", "meninos gay só querem sexo e não relacionamento" e "gays maduros têm casamentos muito mais duradouros que casais héteros". Reducionismo da pior espécie. Porém, sopros de mudança têm trazido um novo perfume a esse ambiente.

Filmes como "Hoje Eu Quero Voltar Sozinho" (2014) e "Com Amor, Simon" (2018) são delicadas amostras da leveza, delicadeza e final feliz que casais homoafetivos, como qualquer outro, têm o prazer de viver. Mil séries também mostram isso, pares apaixonados, hoje se beijam pelas praças, adotam nenéns, transam muito, trabalham pra caramba e no fim do dia, cozinham juntos.

Neste Dia dos Namorados, a Universa não vai falar de medo e violência contra os gays --um problema hediondo na nossa sociedade --, mas lembrar que Bernardo e Caio; Cris e Mariane; Caco e Eduardo; Flavia e Carol e Rafael e Alê são casais que vivem suas histórias de amor e sexo como qualquer um. A orientação sexual é apenas o pano de fundo de seus encontros afetivos.

Naira Mattia/UOL
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"Não tive medo porque parecia o certo"

A advogada Flavia Aguilhar, 43, tinha um filho de nove anos quando assumiu que gostava de mulheres. "Eu havia casado com um homem porque achava que esse era o curso natural das coisas, e não porque gostava dele", diz. O divórcio, esse sim, o caminho natural, aconteceu por essa época, mas relações amorosas deixaram um gosto amargo para Flavia. "O casamento me deu a sensação de ficar presa numa situação em que eu era muito infeliz."

Flavia começou a sair com gente nova e se liberar para viver histórias com mulheres. Nessa pegada, conheceu a educadora esportiva Carolina Salvini, 40. "Eu e ela sempre acabávamos dominando as conversas quando estávamos com os amigos", diz Carol. As duas ficaram próximas, tiveram relacionamentos com outras mulheres, mas o estalo de que "combinavam" surgiu apenas dois anos depois, quando ambas estavam solteiras. "Foi algo leve, quase natural. Não fiquei com medo, porque parecia certo", diz Flavia.

Carolina ensina atividades esportivas no Sesc Pinheiros. Vive de calça jeans, tênis de corrida e camiseta. Flavia, advogada, está sempre no salto. Há um ano elas bateram o martelo final de que essas diferenças não as distanciavam mas, sim, as encantavam, e se casaram em uma mesa rodeadas de amigos. No começo deste ano, o filho de Flavia mudou-se para Natal (RN) e as duas dizem que estão em lua de mel tardia.

O programa favorito do casal é cozinhar juntas. "A Carol abre um vinho e eu piloto o fogão", diz Flavia. "Vou ao mercado, vejo quais são os legumes mais bonitos e deixo as cores e os cheiros me inspirarem". Nessa rotina caseira, diz que até ver a mulher mexendo na máquina de lavar é bonito. "Não estava acostumada a ter alguém cuidando da casa comigo". A resposta de Carol? Beijos, apertos e amassos na mulher. "Sou carinhosa, não consigo ficar longe dela".

"Eu posso contar com a Carol pra tudo. Quando meu filho ia viajar, por exemplo, eu chegava em casa e ela já tinha feito a mala dele", conta Flavia. Este tipo de parceria fazia falta em seu casamento heterossexual. "Nós duas juntas resolvemos qualquer problema. Descobri o que é um casamento feliz", fala.

O olhar da Carol me acalma e a paz dela me dá segurança

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"A gente constrói nosso amor todo dia"

Caio Revela, 30, e Bernardo Fala, 30, têm muitas coisas em comum: além da idade, ambos são publicitários, inventaram um sobrenome artístico, que têm a gracinha de se complementar, são gordos, usam barba, curtem o mesmo tipo de roupa --coloridas e divertidas --e dão juntos, todo mês, uma festa só pra gente gorda, a Toda Grandona, em São Paulo (SP).

Caio foi quem notou Bernardo. Um dia, fuçando nas redes sociais de um amigo, descobriu o perfil do carioca. Ficou interessado e o adicionou no Facebook. Nunca teve resposta. Mas Caio não desistiu e tentou uma abordagem pelos stories, do Instagram. "Tudo o que ele publicava, eu respondia: 'Maravilhoso', 'arrasou'", conta.

Apesar de, aparentemente, "não dar bola", Bê sabia quem era Caio. "Ele mandava mensagem e eu me perguntava o que ele queria comigo. Achava que ele era muita areia para o meu caminhãozinho", diz o publicitário.

Além de ser criador de conteúdo, Bernardo também toca em festas de música pop. Em uma delas, Caio apareceu. E beijou todo mundo que estava na balada --só o Bernardo que não. "Ele foi muito seco, mal olhou na minha cara. E eu estava todo querendo seduzi-lo. No fim, o nosso encontro foi um grande desencontro", diz Caio. Porém, semanas depois, eles decidiram marcar mais um date. "Fomos em outra festa. Ficamos conversando a noite inteira, mas não rolava nada. Na hora que ele estava indo embora, roubei um beijo. A gente estava cada um de um lado da grade. Demos esse beijo, ele entrou no táxi e.... estamos juntos desde então", se diverte Bernardo. "Há dois anos, a gente aprendeu a se amar".

"Eu me emociono quando falo do início do nosso namoro", diz Caio, com os olhos brilhando e a voz embargada. Eles divergiam na maneira de lidar com o afeto. Caio já havia tido outros relacionamentos, mas Bernardo era arredio. "Achava que este setor da vida não era para mim. Cresci achando que ninguém ia me querer porque eu era gordo", diz ele.

A questão do peso, tão chata na juventude, depois que Caio e Bê ficaram juntos, assumiu um lugar muito mais afetuoso na vida dos dois. Eles se tornaram influenciadores de autoestima e moda para pessoas gordas nas redes sociais. "Quando tentei parar de ser magro, comecei a gostar de fazer carão", brinca Caio.

Em meio a beijinhos e abraços, num dia frio de São Paulo, eles se aconchegam quentinhos. "A gente constrói o nosso amor todos os dias", diz Bernardo.

Descobri com o Bê como é amar e ser amado

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"Eu tenho o amor de Cristo"

"Levei um tapa por causa dela", conta, entre risadas, a vendedora Mariane Monteiro, 25, sobre o dia em que conheceu a percussionista Cristina Linhares, 22, há quatro anos. A impressão que a musicista deixou em Mariane, então namorada de outra mina, foi tão marcante, que rendeu uma briga horrenda entre o casal. "Fiquei fascinada pelo black power roxo dela, porque sou meio caipira", diz Mariane. Sua então namorada ficou bem puta e, em uma discussão em casa, deu um tapa nela. "Conto isso rindo para não chorar; porque sei que foi uma coisa bem problemática", diz Mariane.

Cristina, além de tocar, é famosinha na internet por causa de vídeos que posta no YouTube sobre cabelos afro. Mariane trabalha como vendedora em uma tabacaria. Elas se reencontraram depois de anos e estão juntas há nove meses e moram em uma república, com mais três amigos, em São Caetano do Sul (SP). "A nossa história acontece em um quarto", diz Cris. E, apesar de se amar, o casal, como outro qualquer, enfrenta altos perrengues.

Filha de pastores evangélicos, Mariane saiu da casa da família aos 18 anos porque queria a independência, inclusive para viver a própria sexualidade sem problemas. "Eu choro muito, porque a homofobia dos religiosos me afasta deles e eu os amo muito", ela se lamenta. "Mas eu tenho o amor de Cristo, que vence qualquer 'defeito'. Muito diferente do amor preconceituoso de algumas pessoas evangélicas", fala Mariane, que continua fiel à crença.

"Sempre falo com a minha pastora sobre os problemas que enfrento e peço para ela orar por mim", afirma. Uma vez, ligou para se aconselhar sobre uma proposta de emprego e ouviu da pastora que ela tinha tido uma "visão" do casal brigando. "Algumas semanas depois, a gente quase rompeu", diz.

Cristina, por sua vez, não é apegada a religiões, e enfrentou uma barra menos pesada em casa no que diz respeito à sua sexualidade. "Falei para a minha mãe que gostava de mulheres sem nem nunca ter beijado uma. Eu simplesmente sabia que gostava", diz ela. A mãe não foi muito legal, mas longe de ser agressiva, e as duas resolvem o assunto não falando sobre ele.

Para que a relação se fortaleça, Cris e Mariane acreditam que precisam chegar mais perto da família super religiosa de Mariane. "A tia dela falou que sou uma benção. Ouvir isso de uma pastora é coisa muito séria", diz a percussionista. Oremos.

A Cris é uma bênção na minha vida

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"Amá-lo me fez aprender sobre mim"

27 de julho de 2015. Detalhista, inclusive com com datas, Caio Baptista, 28, informa sem gaguejar o dia em que ele e Eduardo Hyu Colino Baptista, 29, começaram a se falar, em um grupo de Face. Eles engataram uma conversa que começou às nove da noite e só foi parar às quatro da madrugada.

A conexão foi tão intensa, que decidiram se encontrar no dia seguinte. Eduardo chegou primeiro, na catraca da estação de metrô onde marcaram. Caio, que estava de butuca, aproveitou para observá-lo de longe. "É muito bom prestar atenção na pessoa sem que ela saiba. É desse jeito que ela mostra algumas coisas que está sentindo", diz Caio. E ele viu e sentiu o que queria: quando Eduardo o achou, abriu um sorrisão.

Burlando o constrangimento de quase todo primeiro encontro, eles já se deram um selinho e saíram de mãos dadas. "Pensei: 'bom, não tem muito mais o que eu possa fazer, porque já estou gostando desse cara'", conta Caio. O programa do casal foi ficar horas sentados em um escadão, olhando para a Lua. Eles começaram o relacionamento no segundo encontro, 72 horas depois do papo pela internet. "Eu estava amarrando o tênis e aproveitei que já estava ajoelhado para perguntar: 'Quer namorar comigo?'", conta Eduardo.

No relacionamento que já tem mais de três anos, os dois descobriram um pouco mais sobre a própria identidade de homens negros e gays. "Sempre fui afeminado e as expectativas que as pessoas tinham sobre mim era de que eu deveria ser mais másculo", diz Eduardo, o mais serião da dupla. "De uma maneira preconceituosa, esperavam de mim, porque sou negro, que falasse mais grosso", analisa.

Caio, que quando era mais jovem se identificava como bissexual, tentava a todo custo, não "dar pinta". "Eu fugia do lado mais feminino. Achava que precisava ser hominho", diz o criador de conteúdo. "O Eduardo me ajudou a desencanar disso. Agora uso unha pintada e visto saia de vez em quando". "Estar em uma relação com uma pessoa que entende as coisas pelas quais você passa é muito bom. Aprendi mais sobre mim, amando e estando com o Caio", diz Eduardo.

O escadão onde eles ficaram olhando a Lua é, até hoje, um portal. "Sempre que queremos conversar sério e decidir coisas importantes para nós, é pra lá que a gente vai", conta Caio.

O sorriso do Eduardo é o mais puro que já vi

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Amor não só de Carnaval

O publicitário Alexandre Savio, 25, e o relações públicas Rafael David, 27, ficaram juntos pela primeira vez em um bloco de Carnaval. O que podia ser um mau começo --ninguém é de ninguém no bloco, não é mesmo?-- foi, na real, uma fotografia da vida gostosa que os dois construiriam juntos.

Há dois anos, eles dividem um apartamento, a guarda da cachorra Miley e a sensação de terem encontrado o amor da vida. Rafael conta que quando era mais jovem, não tinha referências de relações amorosas bem-sucedidas. "Tenho uma família desestruturada, então achei que nunca poderia ter algo diferente disso", diz. "Agora, vejo casais LGBTs construindo famílias e envelhecendo juntos".

Ele conta, que antes de conhecer o namorado, quando se deitava, sonhava em ter alguém paciente, carinhoso e responsável. "E o Alê surgiu assim, sem nenhum defeito", suspira. "Tivemos duas brigas e foram por motivos bobos". Ele diz que "trabalha todos os dias para ser uma pessoa melhor para Alexandre".

Os dois enfrentaram as tristes e clássicas situações constrangedoras em família, quando decidiram se assumir. Rafael conta que foi bem criticado por um irmão e que teve muito medo de contar para o pai que era gay. "Tomei coragem e fui sincero com ele. Demorou um tempo, mas ele teve vontade de conhecer o Alê", fala o RP.

Os dois são tratados hoje pela maioria da família como homens casados. "Meus parentes distantes ainda não sabem lidar direito, mas eles têm o cuidado de pedir que eu os avise caso façam algum comentário ofensivo para nós", diz Alexandre. E ele não é o único LGBT da família: sua irmã mais nova também contou que é gay.

Aos pouquinhos, as famílias dos dois foram se aproximando e, hoje, andam fazendo planos de sair e viajar juntos. "As coisas melhoram com o tempo", avalia Rafael.

Quero envelhecer com o Alê

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