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"Recuos sobre aborto são retorno de sociedade patriarcal e branca nos EUA"

Reprodução/Instagram
Imagem: Reprodução/Instagram

Da RFI

31/05/2019 15h12

O direito ao aborto está ameaçado nos Estados Unidos? A pergunta ganha força nos últimos dias depois que vários estados americanos aprovaram leis contestando esse direito, garantido desde 1973 por uma decisão da Suprema Corte. A pesquisadora francesa Marie-Cécile Naves vê nesse retrocesso um desejo de se voltar a uma sociedade patriarcal, de maioria branca, sob a influência religiosa que ganhou força na era Trump.

As decisões tomadas recentemente por vários estados americanos limitando drasticamente o direito ao aborto preocupam os defensores dos direitos das mulheres nos Estados Unidos. Desde o governo Reagan, os conservadores tentam questionar esse direito, mas nunca a influência da direita religiosa foi tão vitoriosa no país como no governo de Donald Trump.

Em entrevista à RFI, Marie-Cécile Naves, chefe do Observatório de Gênero e Geopolítica do Instituto de Relações Internacionais e Estratégia (IRIS), analisa que o objetivo dessa onda conservadora é duplo: "confortar uma sociedade patriarcal onde os homens controlariam o corpo das mulheres. Mas a vontade patriarcal, muito presente na cultura evangelista, não está presente somente na religião. Ela também é resultado do medo de uma mudança demográfica em marcha nos Estados Unidos".

Nos próximos 25 anos, de acordo com a pesquisadora, a população americana não será mais majoritariamente branca de origem europeia. Marie-Cécile Naves, que também é autora do livro "Trump: a revanche do homem branco", afirma que militantes conservadores "tentam evitar esta realidade com essas leis restritivas sobre o aborto para preservar uma América branca, como se isso pudesse impedir a mestiçagem ou a imigração."

Dificultar o acesso ao aborto

Alabama, Geórgia, Mississippi, Missouri e Louisiana adotaram leis restritivas, que ainda não entraram em vigor. Elas provavelmente serão contestadas na Justiça por irem contra o direito de interrupção da gravidez até a 24ª semana, assegurado pela Suprema Corte do país.

Além disso, a última clínica que pratica o aborto no Missouri corre o risco de fechar nesta sexta-feira (31). Os médicos se negam a responder a um questionário administrativo sobre sua prática e as autoridades estaduais ameaçam não renovar a licença de funcionamento. Se a ameaça for efetivada, o estado passará a ser o primeiro dos Estados Unidos onde as mulheres não terão onde recorrer a essa prática desde 1973, ano da legalização do aborto no país.

A correspondente da RFI nos Estados Unidos ouviu a presidente da associação de planejamento familiar do Missouri, Leana Wen, administradora dessa clínica. Para ela, essa posição do governo do estado, comandado pelo republicano Mike Parson, é mais do que um alerta. "Isso representa uma verdadeira crise de saúde pública. Vai colocar em risco a saúde e a vida de 1,1 milhão de mulheres em idade reprodutiva do Missouri", advertiu Leana Wen.

Interesse eleitoreiro

O objetivo do lobby conservador é forçar os juízes da Suprema Corte a reabrirem o debate sobre o aborto no país. Marie-Cécile Naves acredita que o presidente Trump "alimenta essa dinâmica, estimulando os estados a multiplicarem essas leis".

O objetivo do republicano é "eleitoreiro". A pesquisadora francesa diz que o presidente já está de olho nas eleições de 2020. "A estratégia de Trump é visar um público ultraconservador no ano que vem. Ele não pensa em alargar sua base eleitoral e precisa do eleitorado evangélico que já votou em 80% nele."

O risco dessa estratégia é uma maior mobilização da militância feminina, que ganhou muito espaço desde o movimento #metoo, e um acirramento da disputa pelo direito ao aborto que pode se impor como o grande tema das presidenciais americanas de 2020.