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Candidatas desafiam política misógina do primeiro-ministro Orbán na Hungria

O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban - Getty Images
O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban Imagem: Getty Images

Da RFI em Budapeste

24/05/2019 11h42

Duas mulheres desafiam na Hungria a atmosfera misógina criada pelo partido nacionalista Fidesz, do primeiro-ministro Viktor Orbán, nas eleições de 26 de maio para o Parlamento Europeu.

Klára Dobrev, 47 anos, encabeça a chapa de centro-esquerda Coalizão Democrática (DK), enquanto Katalin Cseh, 30 anos, uma novata na política, concorre pela lista Momentum (MM), um partido centrista de tendência liberal, fundado há apenas dois anos, que muitos húngaros comparam ao movimento A República em Marcha (LREM) do presidente francês, Emmanuel Macron.

Num país governado por um primeiro-ministro que afirma que lugar de mulher é em casa, fazendo o maior número possível de filhos para dispensar mão de obra imigrante, Klára e Katalin rejeitam esse arcaísmo e brigam por mandatos europeus.

Klára, graduada em Economia e professora universitária, é casada com o ex-primeiro-ministro socialista Ferenc Gyurcsány. Em 2011, após um racha no Partido Socialista húngaro (MSZP), Gyurcsány fundou a Coalizão Democrática para defender uma agenda social-liberal, menos marcada à esquerda. Nessas eleições, é Klára quem busca uma vaga em Estrasburgo.

A chapa encabeçada por ela tem 8% das intenções de voto e deve enviar dois deputados ao Parlamento Europeu, uma representação nanica perto dos 14 parlamentares que devem ser eleitos pelo Fidesz. Mas é preciso levar em conta que a campanha na Hungria ocorre num contexto de controle completo da mídia pelo partido no governo. A oposição não tem qualquer visibilidade nos meios de comunicação.

"Nosso programa para a Europa é um bloco mais forte, transparente e eficaz", explica Klára. "Depois de termos realizado os objetivos de construir a paz e uma união monetária forte, entendo que chegou a hora de passarmos à terceira etapa, de construção de uma Europa mais social, com menos desigualdades", argumenta, acreditando ser "o único caminho para o bloco se mostrar mais ativo e eficiente".

Ela defende a taxação de multinacionais para obrigá-las a pagar os impostos devidos nos países onde atuam. Considera o programa anti-imigração do premiê Orbán "totalmente irracional, uma política de ódio que não resolve os problemas de saúde, educação e a pobreza, que atinge 30% da população húngara". Na avaliação da candidata de centro-esquerda, "a recente eleição dos socialistas no governo da Espanha mostra que é possível fortalecer o poder dos que defendem um projeto mais social para o bloco".

Enquanto a Coalizão Democrática aposta num projeto mais equilibrado do ponto de vista social para reconquistar a confiança dos europeus, a candidata do Momentum, a jovem Katalin, faz campanha mostrando que um bloco dividido, polarizado pelo discurso de ódio dos partidos anti-imigração, não oferece perspectivas de futuro.

Médica, especializada em ginecologia e obstetrícia, Katalin faz enorme sucesso entre estudantes, húngaros que moraram no exterior e a geração de 25 a 35 anos, sufocada pela opressão às liberdades individuais. Muitos irão votar pela primeira vez. É uma geração que cresceu inspirada pelos valores da União Europeia e se vê agora ante um governo ultraconservador e notoriamente corrupto.

Slogans contra a Rússia e a corrupção

"Esse governo roubou os nossos sonhos, assim como muitas outras coisas: o Estado de Direito, a imprensa livre, a Constituição, nossa liberdade, e nosso futuro europeu", costuma repetir Katalin em seus comícios. "No lugar de construir escolas e hospitais, a família de Orbán enriquece com o dinheiro que a Europa nos deu para construirmos um país", enfatiza. Ela também aponta nominalmente os líderes que considera mais antieuropeus: o russo Valdimir Putin, o italiano Matteo Salvini, o polonês Jaroslaw Kaczynski e Orbán.

A campanha do Momentum tem sido feita quase exclusivamente pelas redes sociais. No interior do país, isolado pela ausência da imprensa independente e a propaganda anti-imigração agressiva do Fidesz, a estratégia dos militantes é o porta a porta, com um discurso centrado no alto grau de corrupção do governo. Por enquanto, a líder da chapa tem boas chances de ser eleita, segundo pesquisas.

Katalin diz que vai lutar para que a União Europeia tenha os meios jurídicos para processar os governos que desviam dinheiro do bloco. Todos sabem na Europa que Orbán aplica uma política de clientelismo descomplexada, favorecendo uma pequena oligarquia de empresários que ele formou para sustentar seu poder.

No ano passado, o Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF), órgão que investiga irregularidades envolvendo o orçamento da UE, e os fundos distribuídos pela Comissão Europeia para cada país do bloco, apontou sérias suspeitas de desvio de dinheiro público e conflito de interesse em contratos assinados pelo Ministério do Meio Ambiente húngaro com a empresa Elios, dirigida pelo genro de Orbán, Istvan Tiborcz. O organismo constatou que a Elios instalou entre 2011 e 2015 postes de eletricidade em cerca de 30 municípios do país, liderados pelo Fidesz, por meio de editais de licitação direcionados. A ONG Transparência Internacional também revelou um número impressionante de práticas financeiras e irregularidades duvidosas nas licitações abertas na Hungria.

Apesar desse contexto que poderia parecer favorável à formação de uma frente de oposição de centro-esquerda contra o Fidesz, o cientista político Róbert Lázló, do think tank Political Capital, de Budapeste, explica que nunca houve coligação de partidos de oposição na Hungria. "O Fidesz construiu uma narrativa para o país inteiro, uma história para o passado, o presente e o futuro", lamenta.