Topo

Ela foi deportada dos EUA e separada da filha: "Meu marido votou no Trump"

Alejandra Juarez com a família: separada da filha mais velha - Arquivo Pessoal
Alejandra Juarez com a família: separada da filha mais velha Imagem: Arquivo Pessoal

Fernanda Ezabella

Colaboração para Universa, de Los Angeles

07/07/2019 04h00

A dona de casa Alejandra Juarez, 39, é mãe de duas garotas e casada com um veterano de guerra dos EUA. Faz quase um ano, a família vive separada: ela no México com a filha de 9 anos, e ele nos EUA com a filha de 17 anos.

Não foi divórcio. Foi a política de tolerância zero do presidente Donald Trump, que teve o voto de seu marido nas eleições de 2016. O governo americano vem deportando qualquer tipo de imigrante ilegal no país, mesmo aqueles sem ficha criminal, como Juarez. E por causa de uma mentira, ela está banida de entrar no país para sempre.

A seguir, seu depoimento:

"Meu marido votou em Donald Trump como muitos de seus colegas veteranos do Exército dos EUA. Ele não gostava de Hillary Clinton, queria mudanças para o país e acreditava que apenas os "bad hombres e estupradores" seriam deportados, e não donas de casa como eu.

Foi como um tapa na cara. Meu marido arriscou sua vida pelo país três vezes. E olha o que fizeram com sua mulher, mãe de suas duas filhas.

Meu marido nasceu no México e ganhou cidadania americana em 2001, num processo acelerado pelo próprio governo para ele poder servir na Guerra do Iraque. Havíamos nos casado naquele mesmo ano, e ele passou quase dois anos longe de casa.

Fiquei brava quando ele votou no Trump porque estava claro que Trump não gostava dos hispânicos. Disse para não ir votar, ficar em casa. Mas ele é republicano do coração. Foi como uma lavagem cerebral. Nas próximas eleições, ele prometeu votar no candidato que queira consertar o sistema de migração. Ele quer sua mulher e sua filha de volta, claro.

Com as filhas, ainda nos EUA - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Com as filhas, ainda nos EUA
Imagem: Arquivo Pessoal

Aqui em Mérida, no México, me sinto como um peixe fora d'água. Passei mais tempo da minha vida nos EUA do que no México. Quando cheguei aqui, ficamos num hotel até achar um apartamento. Recomecei nossa vida do zero.

Uma amiga cujo marido foi deportado alguns anos atrás me recomendou Mérida por ser muito seguro e parecida com a Flórida, onde eu morava. Aqui tem uma comunidade grande de deportados, conheço uns 12, e todos são casados com americanos e com crianças.

A maioria não fala sobre o assunto porque existe um estigma grande. As pessoas acham que se você foi deportado, você fez algo terrível. Era assim na época do Obama. Só quem tinha ficha criminal era de fato deportado.

Queria que os americanos pudessem ver de perto o sofrimento dessas crianças, de como é ter que começar a vida num país que não é o delas. É muito deprimente. Disse para minha filha encarar a experiência como uma aventura, um programa de intercâmbio.

Sempre conversamos em inglês, mas disse que agora precisamos começar a falar em espanhol. Ela está frequentando uma escola bilíngue e por enquanto fala "spanglish" com os amigos [espanhol com inglês]. Ela é forte, mais do que eu. Às vezes chora porque sente saudade da irmã. Falamos com ela e meu marido três vezes por dia.

Perdi quase 20 quilos quando cheguei porque não conseguia comer. Chorava muito. Tenho procurado trabalho, mas é difícil porque não tenho com quem deixar minha filha. Quando a deixo na escola, vou correr. Corro 6km por dia, é como lido com minha raiva e tristeza. Minha filha mais velha também corre e fomos juntas quando ela me visitou nas férias.

Nasci na Cidade do México. Meu pai morreu quando eu tinha seis anos e meu irmão, duas semanas. Minha mãe tinha que trabalhar sete dias por semana para cuidar dele. Abandonei a escola e comecei a trabalhar muito cedo numa padaria. Um dia teve um assalto e reconheci o ladrão. Fui ameaçada com arma na cabeça e mudei de cidade. Tentei entrar legalmente nos EUA, mas meu visto era sempre negado. Até que um membro da família sugeriu cruzar ilegalmente. Estava sozinha, não tinha ninguém, não tinha segurança.

Cruzei a fronteira pela primeira vez em 1998 e fui pega pela imigração. O coiote [homens que são pagos para ajudar no cruzamento] havia me avisado para dizer que eu tinha nascido nos EUA. Não sabia que uma mentira dessas poderia me banir para sempre de voltar ao país. Meu advogado diz que mentir ser americano é pior que ser terrorista.

Fui mandada de volta para o México, mas tentei de novo e consegui. Recomecei minha vida, conheci meu marido, tive minhas filhas, comprei minha casa e construí meu sonho americano. Até ser parada no trânsito pelo ICE [agência de imigração do governo] em 2013, que viu meu caso de 1998 e abriu o processo para minha deportação.

No entanto, na época, a administração do Obama não priorizava membros de família de veteranos de guerra e eu fui ficando. Todo ano falava com a imigração e ganhava permissão de trabalho. Até que Trump começou sua tolerância zero. E me avisaram em 2018 que eu teria que sair do país. Meu marido surtou.

O ICE chama de deportação voluntária porque eu mesma comprei a passagem. Caso contrário, eles te algemam, te escoltam até o aeroporto e fazem um circo. Eu não queria nada disso.

Onze meses aqui e ainda estou em choque. No final do dia, deito e penso: aqui não é minha casa, não é a Flórida e minha filha mais velha está crescendo longe de mim. Se não me deixarem voltar, vou perder sua formatura, seu casamento, sua vida.

Faço um esforço para pensar que ainda estou nos EUA. Sei que é louco, mas é um jeito de proteger minha saúde mental e não ficar deprimida. Penso que é algo temporário e que um dia vou receber uma ligação dizendo que posso voltar, que mudaram o sistema. E isso tudo vai ficar para trás como um pesadelo."