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Clarice Falcão: Depressão e humor vem de família

Clarice Falcão lança o disco "Tem Conserto", com letras baseadas em seu histórico de depressão - Pedro Pinho/Divulgação
Clarice Falcão lança o disco "Tem Conserto", com letras baseadas em seu histórico de depressão Imagem: Pedro Pinho/Divulgação

Camila Brandalise

Da Universa

01/07/2019 04h02

A humorista e cantora Clarice Falcão, 28, é conhecida pelas ótimas tiradas. O lado B dessa história: ela enfrenta, desde os 16, uma depressão que a derruba de vez em quando. O histórico é o mesmo da mãe, a roteirista da TV Globo Adriana Falcão, que começou a lidar com a doença depois que seu pai e sua mãe morreram por causa da ingestão, em grandes quantidades, de remédios.

Em seu mais novo disco (e o terceiro dela), "Tem Conserto", Clarice fala da doença em muitas das músicas. "Queria tanto parar de morrer tanto, cansa tanto", diz a letra de "Morrer Tanto". Uma clara alusão às suas crises, de uma tristeza tamanha que a deixam paralisada, na cama, chorando.

Prestes a estrear a turnê do novo álbum, sacou que ia ser engolida de novo. "Eu ia despirocar por causa do estresse. Sinto que começo a perder o controle. Fiquei com medo e fui ao psiquiatra", conta, em entrevista a Universa.

Fala, também, de gatilhos externos, como a política brasileira. "Bolsonaro me deixam mais deprimida." E do escape que encontrou na comédia: "Minha mãe teve uma vida complicada e faz piada de si o tempo todo. Sou igual. Na minha casa tem humor desde sempre."

Leia a entrevista abaixo:

Sua primeira crise depressiva foi aos 16 anos. Como identificou?

Quem identificou foi minha mãe, que já tinha passado pela experiência. Eu fui tomada por uma tristeza, uma apatia e não queria sair da cama. E foi sem motivo nenhum, porque estava tudo correndo bem na minha vida. Passei algumas semanas sem sair de casa. Um dia, fui para a faculdade e voltei no meio da aula, aos prantos. Foi quando minha mãe falou: "Você está deprimida. Precisamos tratar". Entrei na terapia e comecei um tratamento psiquiátrico. Desde então lido com depressão, síndrome do pânico e ansiedade.

Além de sua mãe, quem mais sofre desses males na sua família?

Os pais dela também tiveram. O pai, meu avô, se matou quando ela tinha 18 anos tomando comprimido para dormir. E minha avó morreu de uma overdose de calmantes quando eu tinha dois anos. Minha mãe conseguiu se tratar. Ela é a pessoa mais engraçada que eu conheço. Faz piadas geniais o tempo todo, inclusive sobre as próprias tragédias. Como eu. Na minha casa tem humor desde sempre.

Acha que há um lado depressivo em todo humorista?

Humor e depressão podem andar de mãos dadas. Arte, no geral, exige muita sensibilidade em relação aos outros e a nós mesmos. Posso falar por mim: meus sentimentos são muito intensos, aí entro na maluquice. Até com coisas simples. Por exemplo, ia fazer um show e comecei a pensar que não apareceria ninguém. Mas aí fiz uma brincadeira. Escrevi no Twitter: "Socorro, não vem ninguém no meu show!". Consigo rir e deixar a situação mais leve. Brincar com coisa séria é meu escape.

Fazer piada autodepreciativa a alivia?

Sim. É quase catártico. Para mim faz muito bem. Eu faço a piada para rir de onde estou e para falar o que estou pensando, do meu problema. A outra pessoa não está rindo de mim, mas de uma piada que eu fiz de mim mesma.


A música "Minha Cabeça", do seu novo álbum, diz que sua mente "não para de falar" e "fala alto quando está no travesseiro". O que sua cabeça grita à noite?

Ela me lembra do governo do Wilson Witzel [governador do Rio de Janeiro]. Me incomoda ter um governador que manda um helicóptero atirar nas pessoas. Mas minha mente é egocêntrica, fala mais de mim. O que mais escuto é que não sou boa o suficiente e que não estou fazendo as escolhas certas. É assim com tudo que faço, rola muita insegurança.

Já que você falou de política: o governo do presidente Jair Bolsonaro melhora ou piora sua depressão?

Com certeza, piora. Está piorando a depressão de todo mundo. Até quem votou nele está deprimido. Para mim, é um governo contra a alegria, que ataca a cultura e os artistas. Ele atacou o Carnaval e mostrou que não quer música, não quer festa, não quer diversão. Isso me deixa triste demais.

Há características que são comuns a quem tem a doença, mas há particularidades em cada caso. Quais são as suas?

A insônia. Passo dias acordada. A minha depressão é muito silenciosa. Não tenho vontade de me jogar da janela. De repente, me toco que eu parei a minha vida, perdi a vontade de fazer coisas que me deixam feliz, como trabalhar, sair, ver gente. Tive episódios de ficar na cama, chorando, por dias. Hoje tenho noção da minha doença. Quando percebo que não saio de casa, não vejo ninguém e não trabalho, é porque uma crise está se colocando.

Remédios ajudam, certo?

Muito. Nesses 12 anos, já tomei, parei de tomar, depois voltei. Tive vários momentos de olhar e falar: "Caramba, estou precisando de remédio". É uma ferramenta importante para mim. Agora, por exemplo, que estou lançando disco e preparando show, sabia que ia ser difícil segurar a ansiedade. Já senti vindo, percebi que poderia despirocar por causa do estresse. Fiquei com medo e fui ao psiquiatra.

Depressão "tem conserto"?

Tem. Mas não, cura definitiva. O conserto é descobrir a forma de lidar com a doença e com as angústias que ela traz. Tentar fazer isso de um jeito pacífico. Eu, por exemplo, tento não entrar em um embate com o que sinto e aprendi que, se estou mal, peço ajuda, seja para sair de casa ou para ir ao médico.

Em outra música do disco, "Dia D", a letra fala de uma mulher ansiosa porque vai transar com um cara de quem está muito a fim. Você está nessa?

Não. Eu já namoro há um tempo, então, é mais tranquilo [ela namora o apresentador Guilherme Guedes desde 2016]. Na música, eu falo em estar "com a calcinha boa". Isso é até um luxo para mim. Se estiver lavada e limpa, já está ótimo. Eu já transei com cara que estava usando cueca furada. Não me preocupo mais com isso, não. Quando era mais nova, deixava de transar porque não estava depilada. Hoje, se a pessoa não gostar de algo em mim, sinto muito.