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"Me escondi por anos por ter vitiligo. Hoje, minhas manchas me dão orgulho"

Após superar vergonha das manchas, Maika Celi, 41, se tornou influenciadora - Felipe Moura
Após superar vergonha das manchas, Maika Celi, 41, se tornou influenciadora Imagem: Felipe Moura

Manuela Aquino

Da Universa

25/06/2019 04h00

Vinte de cinco de junho é o Dia Mundial do Vitiligo. A doença, caracterizada pela perda de pigmentação da pele, também afeta autoestima. As causas ainda não foram descobertas, mas sabe-se que fatores emocionais podem desencadear e agravar a doença, que atinge cerca de 0,5% da população mundial. Entre elas está a analista de recursos humanos Maika Celi, 41, que mora em Piracicaba (SP). Depois de anos tentando esconder suas manchas, ela se tornou ativista. Primeiro, nas redes sociais, onde passou a contar suas histórias e a ouvir pessoas. Agora, ela comemora ter instituído em sua cidade o Dia Municipal de Conscientização sobre o Vitiligo. Maika divide sua história com Universa. Ela conta como foi o caminho entre ser a mulher que não ia à praia até chegar a ser aquela que compartilha fotos de biquíni e lingerie.

"Sofri um pequeno acidente de moto quando eu tinha 22 anos. Nada grave, foi mais o susto, e fiquei com a pele do pulso ralada. Depois que os machucados cicatrizaram, percebi que a pele não voltou a ter a mesma cor, estava clara. Logo depois, reparei que havia uma manchinha nos meus lábios. Desconfiei que era vitiligo, pois meu bisavô tinha. Não queria acreditar e fugi do médico. Meses depois, outros sinais surgiram: nos dedos, perto da cutícula. Aí, sim, marquei uma consulta na dermatologista aqui Piracicada, onde moro desde dos seis anos.

O diagnóstico foi traumatizante, pois a médica falou: 'Ai, que dó, é vitiligo'. E eu, a partir daquele momento, comecei me achar uma coitada, mesmo. Pensei que meu mundo havia acabado, que eu seria excluída da sociedade e que me tornaria uma pessoa triste. Confirmei a doença com outros médicos e ia pulando de tratamento em tratamento.

Aos 24 anos, as manchas já estava bem maiores e atingiam as extremidades do corpo: mãos, pés, rosto, axilas e também o colo. O tratamento era frustrante: eu ficava ansiosa e me decepcionava. Como a doença tem fundo emocional, só piorava a situação. Acredito que a única coisa que ajudou a não aumentar mais foi um tratamento homeopático que fiz, quando trabalha como secretária de um médico especialista. Passei também a fazer sessões de terapia, que continuo até hoje.

Com a doença, minha autoestima foi ao chão. Passei a esconder minhas manchas com maquiagem e evitava roupas curtas. Muita gente perguntava o que era a 'coisinha branca na pele' e 'se pegava'. Nesta fase, o vitiligo foi, sim, um empecilho para minha vida amorosa. Eu namorei, só que sempre foi complicado. No fundo, pensava que a pessoa estava comigo por pena. A vida social também era prejudicada. Se os amigos chamavam para um churrasco, eu ia de manga comprida e deixava de curtir a piscina, por exemplo.

Em 2011, comecei a trabalhar em empresa de recursos humanos, o que foi uma realização para mim. Antes disso, passei por alguns empregos que não duraram nada. Não posso afirmar, mas acho que fui demitida por conta da doença. Acontecia o seguinte: eu entrava na empresa, era vítima de olhares e comentários, e logo em seguida o departamento de recursos humanos me chamava para dizer frases como 'você é muito capacitada para a vaga'. Na nova fase, ao contrário dessas péssimas experiências, fui feliz no trabalho. Lentamente e com ajuda psicológica, comecei um processo de aceitação e minha vida foi mudando, sempre bem devagar.

Primeira vez na praia

Conhecer meu marido foi episódio importante na minha vida. Quando começamos a namorar, eu já senti diferença com relação aos relacionamentos anteriores, nos quais havia um sentimento de inferioridade. Confesso que no começo dormia de maquiagem para acordar com o rosto sem as machas. Ele me dizia 'você precisa se enxergar como eu te enxergo' e passou a me incentivar a fazer o que geralmente não fazia, como usar roupas de verão.

Minha primeira vez na praia após o diagnóstico foi com ele, aos 38 anos. Fomos para Porto Seguro, na Bahia. Consegui encarar a praia e de biquíni! Fiquei apreensiva no começo e olhava para os lados procurando alguém que estivesse reparando nas minhas manchas. Ninguém estava nem aí, as pessoas vão à praia para curtir, não para ficar julgando os outros. Eu me soltei e voltei renovada da viagem.

Nova versão: ativista

Passei a fazer ativismo no Facebook e a contar minha história com a página 'Vitiligo, meu lugar ao sol'. A decisão de falar sobre o assunto não veio de algo legal e, sim, de um episódio bem chato no trabalho. Uma colega fez um post dando uma indireta sobre minhas manchas na página dela, fiz um boletim de ocorrência por injúria e o jurídico da empresa a convenceu a pedir desculpas para que não houvesse um processo. O que mais me chocou foi ela me dizer: 'admiro sua coragem de sair de casa com suas manchas, se fosse eu, me mataria'. Com isso na cabeça, resolvi a ajudar quem passa por isso e que poderia ter esse tipo de pensamento.

Decidi não ser mais a vítima e vi que precisava me posicionar. Pessoas com vitiligo passaram a me procurar, mandavam fotos e depoimentos. O simples fato de ter um canal de comunicação me trouxe muita felicidade, amizades novas, percebi que não estava sozinha nessa. Poderia, com minha dor, ajudar outras pessoas a se libertarem. Também precisava me expor mais. Também criei uma conta no Instagram e pedi para uma amiga fotógrafa fazer lindos registros meus. Mostrei todas minhas manchas, tirei foto de biquíni e até fui chamada por uma marca para fazer fotos de lingerie. Participei de palestras e de apresentações com marcas de maquiagem. A repercussão foi maravilhosa e me fortaleceu.

Maika deixou de fazer coisas como ir à praia por causa do vitiligo - Felipe Moura - Felipe Moura
Maika deixou de fazer coisas como ir à praia por causa do vitiligo
Imagem: Felipe Moura

Caminhada a passos largos

No ano passado, procurei um vereador cadeirante chamado André Bandeira, que luta pela inclusão em Piracicaba. Mostrei para ele o que eu estava fazendo e minha causa foi abraçada. Conseguimos instituir na cidade o Dia Municipal de Conscientização sobre o Vitiligo. Além da data específica, durante todo o mês, fizemos muitas rodas de conversa com a população e médicos especialistas. Também chamei algumas pessoas que têm a doença para participarem de um lindo ensaio fotográfico, que virou exposição e já passou por diversos pontos. Não imaginei que fosse capaz de me expor e me tornar uma ativista. Quero lutar, conquistar nosso espaço, e fazer com que todos tenham dignidade. Meu próximo passo é batalhar para que haja tratamento eficiente no Sistema Único de Saúde. Sinto que preciso fazer muito mais."