Topo

Veruska Boechat: "Dizem que eu estou bem, mas choro todos os dias"

Veruska Boechat, viúva do jornalista Ricardo Boechat, morto em um acidente em fevereiro deste ano - Reprodução/Facebook
Veruska Boechat, viúva do jornalista Ricardo Boechat, morto em um acidente em fevereiro deste ano Imagem: Reprodução/Facebook

Camila Brandalise

Da Universa

21/06/2019 04h00

Quatro meses depois da morte do marido, o jornalista Ricardo Boechat, a também jornalista Veruska Boechat ouve, com frequência, comentários sobre como ela "está bem". Com a voz embargada, ela diz: "Não estou. Perdi o amor da minha vida e choro todos os dias, principalmente, quando me reconhecem na rua e falam dele. É muito difícil acordar, levantar, me arrumar e sair para a vida".

Boechat, com quem ela foi casada por 14 anos e teve as filhas Catarina, 11, e Valentina, 13, morreu em um acidente de helicóptero em fevereiro. Desde junho, além de cuidar das filhas, Veruska tem outra recompensadora atividade: a de apresentar o quadro "Doce Veruska", no programa "Aqui na Band".

Na conversa com Universa, a jornalista, que tem 46 anos e estava longe do ofício desde que se casou, chorou e gargalhou; às vezes, ao mesmo tempo, lembrando do marido. Contou também como é lidar com as incontornáveis tarefas de uma viúva. "Ir até o cartório para conferir os dados dele no atestado de óbito foi horrível."

Além da dor lancinante, o que mais descobriu sobre ser viúva?
Ouvir "você é jovem, ainda vai casar de novo", me incomodou. É uma opção que não considero. As outras pessoas querem saber do meu próximo passo, mas eu ainda estou no anterior, lidando com a perda. Como posto fotos nas redes sociais em que estou sorridente, arrumada e trabalhando, tem gente que fala: "você está tão bem". Não estou. Choro todos os dias. Estou tentando ficar bem. Mas é muito difícil acordar, levantar, me arrumar e sair para a vida. Quem não viveu a dor do luto tem uma dificuldade grande de entendê-la.

Sentiu raiva?
Senti, quando me dizem que sou forte. Estou conseguindo ficar de pé. Mas não quero ser forte. Quero gritar, chorar, me trancar no quarto. Quem disse que vou aguentar isso? As pessoas não sabem lidar com o luto e ficam angustiadas querendo dizer alguma coisa para ajudar. Me dar um abraço e dizer que está ao meu lado é suficiente, não precisam me dizer mais nada.

No quadro "Doce Veruska", você entrevista pessoas que passam por momentos difíceis. Isso ajuda a lidar com o luto?
Além de preencher meus dias, apaziguar a dor do outro melhora a minha também. Ver pessoas que tomaram uma rasteira da vida se unindo, rodeadas por quem amam me dá força. Depois que eu perdi o amor da minha vida, fiquei com um buraco dentro de mim. Pensava: "De que forma vou seguir apesar dessa dor?". Então, a Rosana [Saad, uma das diretoras da Band, onde Boechat trabalhava], que é minha amiga, perguntou como podia me ajudar. Respondi: "Me arrume um emprego. Preciso mostrar para as minhas filhas que segui em frente". O "Aqui na Band" estava prestes a estrear. E eles criaram o quadro para mim.

Quais outras pessoas ficaram ao seu lado e foram fundamentais?
Minhas filhas. Quero que elas vejam que a mãe sofre mas retomou a vida. Assim, elas também vão conseguir se dedicar a outras coisas: ir para a escola, tirar notas boas, sair com os amigos. Outra pessoa foi minha mãe. Ela ficou em casa comigo, resolvendo coisas de mercado, as contas. Ricardo vivia dizendo que, por ser mais velho, morreria antes de mim, e que queria que eu ficasse bem quando isso acontecesse. Eu nunca continuava essas conversas e falava: "Vira essa boca para lá".

Boechat falava muito de você e do casamento. Mas tem algo da relação de vocês que pouca gente sabe?
Os almoços! Eu o obrigava o Ricardo a almoçar comigo todos os dias, e ele se irritava. "Como vou falar para uma pessoa que não posso almoçar com ela porque tenho que comer com você?" Para resolver isso, eu ia junto nos almoços de negócios dele. Temos esse hábito desde que nos mudamos para São Paulo, há 13 anos [antes, eles moravam no Rio de Janeiro].

Por que se afastou do jornalismo depois de engravidar?
Até ensaiei voltar, mas eu percebi que ia perder em outras frentes, que não ia conseguir dar atenção às minhas filhas e ao meu marido. Ricardo tinha uma rotina de trabalho muito puxada; se eu trabalhasse também, quase não íamos nos encontrar. E ele era muito bem remunerado; dava para cobrir as despesas de todo mundo. Agora não tem mais ele para cuidar, as meninas estão grandes, não preciso ir buscá-las todo dia na escola.

Como fala com suas filhas sobre a ausência dele?
No começo fiquei aflita. A tendência seria não falar nele, mudar de assunto. A saudade é uma coisa que rasga de dor. Mas não podia ficar esse buraco, não tinha como não nos lembrarmos dele. Com poucos dias da morte, entrei no quarto delas e vi que estavam assistindo ao filme "Zootopia". Na versão brasileira tem um personagem chamado Onçardo Boi Chá, um âncora de telejornal que foi dublado pelo Ricardo. É uma fala de dez segundos, mas pensei que elas abririam o berreiro quando chegasse a cena. Assisti junto e, na hora, olhei para elas. As duas fizeram um coraçãozinho com as mãos para mim. Fiquei feliz com a reação. Ele as colocava para dormir, era muito carinhoso. Minhas filhas têm o pai dentro delas.

O que mudou na rotina para tentar amenizar a dor?
Como eu almoçava todo dia com meu marido, ficou um vazio em casa nessa hora. Percebi que isso estava me fazendo mal depois de um mês. Agora eu vou para a rua nessa hora do dia. Também pedi para não usar o camarim dele na Band quando preciso me trocar. São muitas lembranças, tinha desenhos das meninas nas paredes. Me levem para qualquer um, menos para o que era dele, se não eu vou começar a chorar.

O que, no luto, parece uma ação simples, mas exige um esforço enorme?
Apesar da dor, os boletos chegam, como diz o meme. É preciso resolver coisas práticas. A gente tinha uma viagem com passagem comprada que eu precisava cancelar. Mas tinha que mandar uma certidão de óbito para a companhia aérea. E para ter o documento, eu precisava ir pessoalmente ao cartório buscá-lo. E aí eu tive que levantar, me arrumar, encarar um funcionário, verificar se os dados da morte dele estavam corretos. Você se vê fraca, confusa, não quer fazer nada. Eu estava dormindo mal porque ficava pensando em tudo que tinha que fazer. Um dia peguei um caderninho e comecei a anotar as tarefas do dia. Acordava triste, escolhia a mais fácil delas, quando fazia dava um ok e partia para outra. Isso foi me fazendo andar.

Não é muito duro continuar na casa de vocês e no trabalho dele?
A minha casa é onde fomos muito felizes, e por isso, não penso em sair de lá por enquanto. A Band também. Tem um área no estacionamento que meu marido sentava para fumar um cigarro e ler o jornal. Eu vou lá. Também não vou deixar de passar o Natal na casa da minha sogra. Estar nesses lugares é até bom. É como se sentisse a presença dele. Isso me fortalece.