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Sexo filmado: por que algumas mulheres têm medo do celular do crush?

Fazer vídeo sem consentimento ou ameaçar disseminação é crime - Getty Images/iStockphoto
Fazer vídeo sem consentimento ou ameaçar disseminação é crime Imagem: Getty Images/iStockphoto

Natália Eiras

Da Universa

19/06/2019 04h00

Em 2008, a designer Lyvia Oliveira, 30, estava transando com o namorado quando ouviu um barulho. "Percebi que a câmera fotográfica dele estava com uma luz acesa e achei estranho", diz à Universa. "Levantei, muito nervosa, e vi que a câmera estava ligada. O barulho que eu tinha escutado era de aviso de erro. Na hora, eu fiquei tão brava que joguei ela no chão e quebrei o aparelho". A jovem acredita que o ex-companheiro havia deixado a câmera pronta para gravá-los fazendo sexo. "Ele ficou pedindo desculpas, disse que queria fazer um vídeo espontâneo. Achei tão absurdo que me senti traída demais para continuar nessa relação. Peguei minhas coisas e fui embora", narra.

A estudante de arquitetura Fernanda Leão*, 26, passou por algo parecido quando estava fazendo sexo com um amigo. "Estava fazendo oral nele e vi que ele ficou mexendo no celular. Fiquei cismada, mas achei que ele estivesse checando as notificações. Até que tive certeza que a câmera estava apontada para mim. Depois do sexo, perguntei se ele estava filmando e disse que sim. Pedi para ele apagar a gravação", narra a jovem. "Eu não soube muito bem como agir, mas fiquei extremamente desconfortável e até hoje tenho medo de que ele vaze essas imagens."

Situações como essas que as duas passaram fazem com que muitas garotas tenham receio de câmeras fotográficas, celular e computadores de pessoas com quem se relacionam casualmente. Lyvia, por exemplo, ficou "meio noiada por um tempo". "Ficava de olho no quarto antes de ir para a cama com alguém, não fazia nada com notebook ou webcams viradas para o meu lado", diz. Com o tempo, acabou superando o temor. "Hoje estou casada e nem penso muito nisso, além de não ter muitos eletrônicos no nosso quarto".

A preocupação não surge, no entanto, só após ter passado por esse tipo de situação. A jornalista Jessica da Silva, 27, faz uma inspeção geral quando vai até a casa do crush. "Confiro se tem alguma coisa ligada, algum em canto que possa estar uma câmera escondida, se o celular e o notebook do cara estão ligados", fala. A origem do temor foram as histórias de mulheres que tiveram seus nudes compartilhados. "Tenho medo de que alguém vaze vídeos e fotos íntimas minhas por revanchismo", afirma.

É fetiche?

De acordo com levantamento do site de pornografia Pornhub, a categoria vídeos amadores foi uma das 20 mais vistas pelos usuários em 2018. O tema ficou em 11º lugar, quatro colocações acima da que ficou em 2017. Ativistas feministas criticam esse tipo de material, uma vez que muitos deles foram feitos por câmeras escondidas ou compartilhados sem o consentimento de uma das pessoas que está na relação.

Alguns podem achar que gravar e/ou ver uma relação sexual sem o parceiro saber está relacionado com o fetiche do voyeurismo -- prática em que se obtém prazer a partir da observação das relações de uma outra pessoa. A sexóloga Vanessa Inhesta discorda. "É coisa de moleque mesmo. Um homem maduro sabe como isso pode expor tanto a mulher quanto ele mesmo", diz a especialista. "No voyeurismo, existe conversa e cuidado para que todos os envolvidos estejam de acordo."

Como evitar?

Não é justo que a mulher tenha sempre que ficar preocupada com a possibilidade de ter câmeras escondidas em um quarto ou ficar ligada com a forma que o parceiro usa o celular. No entanto, elas podem tomar alguns cuidados para curtir o momento mais tranquilamente. "Evito transar com notebook ou câmeras com as lentes viradas na minha direção. Se o cara está mexendo demais no celular durante a relação, falo que quero atenção e peço para ele parar", diz Jéssica.

Ainda assim, é importante que os rapazes tenham a consciência de que gravar a parceira sem consentimento está longe de ser bacana. "Comigo foi uma pessoa que eu já conhecia e confiava", fala Lyvia. "As mulheres devem ficar cientes que esse tipo de coisa pode acontecer, mas é muito triste ter mais essa responsabilidade jogada nas nossas costas."

Câmera escondida pode dar prisão

Mas, muito mais do que ser uma situação desconfortável, gravar uma pessoa sem o seu consentimento é crime. O artigo 216-B da lei 13.772 do Código Penal, de 19 de dezembro de 2018, enquadra como crime o registro não autorizado da intimidade sexual. Caso faça um vídeo, o indivíduo pode pegar de seis meses até um ano de detenção ou pode ser condenado a pagar uma multa.

A advogada Mariana Valente, diretora do InternetLab, centro de pesquisa de Direito e tecnologia, e membra da Rede Feminista de Juristas, entende que a gravação é uma forma de violência. "É uma violação da intimidade. O consentimento de registro da relação sexual é muito diferente do consentimento para acontecer o ato", fala.

Caso perceba que teve um ato sexual gravado sem consentimento, a advogada diz que é importante entender que a vítima não tem uma parcela de culpa. "Muitas vezes, por sentir que estaria fazendo algo que não deveria, as meninas se sintam intimidadas a não tomar nenhuma atitude", esclarece.

Primeiro, é preciso se certificar de que os registros foram apagados. "Peça para a pessoa deletar os vídeos e fotos na sua frente", diz a advogada. No entanto, é comum a vítima temer que algo pior aconteça. "Ela tem medo que aconteça uma outra violação", fala. Se possível, faça imagens ou vídeos mostrando que o registro foi feito sem que a mulher estivesse sabendo. "E vá até uma delegacia, preferencialmente a da mulher, para fazer um boletim de ocorrência".

Se o autor das imagens ameaçar a mulher dizendo que vai compartilhar os vídeos, ele estará cometendo mais um crime. "De acordo com o artigo 218-C da lei 13.772 do Código Penal, o ato pode dar de um a cinco anos de reclusão", afirma Mariana. O uso dessas imagens como "pornografia de revanche", para chantagear a mulher usando vídeos e fotos íntimos, também entra na Lei Maria da Penha como um dos meios de violência psicológica. Neste caso, a vítima pode pedir uma medida protetiva para se proteger.