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Emily Lima, ex-técnica da Seleção: "Mulheres têm que brigar juntas"

Emily Lima acompanha aula inaugural do curso da CBF para ober a licença PRO para treinadores de futebol - Lucas Figueiredo/CBF
Emily Lima acompanha aula inaugural do curso da CBF para ober a licença PRO para treinadores de futebol Imagem: Lucas Figueiredo/CBF

Débora Miranda

Colaboração para Universa

12/06/2019 04h00

Primeira e única mulher a dirigir a seleção feminina de futebol, entre 2016 e 2017, Emily Lima sempre foi bastante crítica com relação ao cenário da modalidade no Brasil, à falta de investimento e interesse e, especialmente, à forma em como a CBF comanda a equipe.

Atual treinadora do Santos, ela fala sobre a falta de estrutura que ainda existe nos clubes brasileiros e diz que seu sonho é comandar uma equipe de outro país e também uma seleção estrangeira. "É o meu sonho e algo que venho buscando para já."

Quanto a uma possibilidade de retorno à equipe nacional, ela é categórica: "Se surgir uma oportunidade dentro das minhas condições, sim. Se não, eu vivo tranquilamente sem o status de ser treinadora da seleção brasileira novamente".

Leia, abaixo, trechos da entrevista exclusiva a Universa.

Tem se falado muito de espaço, igualdade e incentivo no futebol feminino. Você sente que tudo isso tem crescido?

Acredito que estamos engatinhando ainda. Estamos sempre correndo na beirada da saia do futebol profissional masculino e temos que ouvir que somos mantidas por ele. Isso eu ouvia na CBF, isso eu ouço no Santos. E eu vejo que ninguém quer mudar isso, porque com ações de marketing, ainda mais neste momento de Copa do Mundo e de reconhecimento do futebol feminino no país, não é possível que a gente não consiga alguma coisa. Diretores, gestores e conselheiros de clubes têm que entender que o futebol feminino existe e não tem mais como acabar com isso. Então, vamos fazer o melhor. Essa é uma visão que eu tenho muito clara do Brasil e que é totalmente oposta ao que eu vejo na Europa, onde olham a modalidade como um investimento, não como um gasto. Mas culturalmente a gente é um país de terceiro mundo, é um país machista, onde foi decretada uma lei de proibição do futebol feminino por 40 anos. Enfim, podemos incluir um monte de coisas nisso aí.

No Brasil existe essa visão de que antes precisa ganhar para depois conseguir investimento. O que você acha que deveria vir primeiro?

Eu discordo totalmente disso. Nenhuma das outras seleções que foram campeãs olímpicas e do Mundial começou a investir depois de uma vitória. Para chegar à vitória você precisa ter o investimento antes. Nós já fizemos muito em ganhar uma medalha de prata olímpica e uma medalha de prata em um Mundial. Já não mostramos que temos qualidade para chegar à medalha de ouro? O processo tem que começar de baixo para cima e não o contrário.

A retomada do futebol feminino se deu nos anos 1980. Estamos em 2019 e você foi a primeira e única mulher a dirigir a seleção feminina. Por que acha que os postos de comando ainda são tão limitados para as mulheres?

Acho que podemos falar a mesma coisa do vôlei, do handebol e do basquete, porque não tem mulheres treinando esses times femininos. Não tem no futebol feminino como não tem em outros esportes, como não tem em outros postos de comando no Brasil. Quantas presidentes mulheres será que vamos ter de novo no Brasil? Então volto àquela questão lá no começo da nossa conversa: isso é cultural. Mas eu acho que, tanto no futebol quanto em qualquer área, a gente precisa ter pessoas competentes trabalhando. Mulheres ou homens. Se temos homens competentes para trabalhar no futebol feminino e fazer com que ele avance, eu acho válido.

Qual é o caminho para incentivar que mais mulheres se envolvam com o esporte?

Aí precisamos falar um pouco do nosso governo. Estão querendo tirar a educação física das escolas. Você entende que é um assunto muito complexo? Você tira o esporte da escola, onde as crianças vão praticar? A gente sempre tenta, de alguma forma, incentivar essas meninas novas. Com vídeos, indo nas escolas de futebol, indo a projetos sociais, a gente tenta ocupar esses espaços para incentivar as crianças. Temos hoje na seleção, por exemplo, a Ludmila, uma menina que vivia na periferia e sempre teve muita complicação na família. O futebol mudou a vida dela. Olha a importância que o esporte pode ter para essas crianças.

A Formiga falou em uma entrevista recente que falta renovação na seleção. Você concorda? Qual é o caminho para isso?

Falta não é a palavra certa. A renovação poderia ter existido, mas a própria CBF não deixou acontecer. Eu vou citar algo que vivi. Cheguei na seleção em 2016 com a ideia de renovação. Viajamos para alguns torneios com meninas muito novas e tudo isso foi explicado para o nosso coordenador e para o presidente. Aí eu não tenho resultado e sou demitida. Então, não é que falta. Poderia ter, mas eles não deixam isso acontecer.

Como você analisa o futebol que a seleção vem mostrando?

Isso não vou comentar. Não cabe a mim falar do trabalho de outro profissional. Eu só posso te dizer que estou torcendo. Para mim, devido à evolução do futebol feminino no mundo --menos no nosso país--, as seleções estão muito bem preparadas para este Mundial. Então, o que me resta é torcer para que tudo dê certo, porque a gente depende também do resultado da seleção brasileira.

Quais você acha que são as seleções mais fortes?

Para mim a campeã é a França. Mas tem muitas seleções que podem surpreender.

A seleção dos EUA luta muito pela igualdade e recentemente entrou com uma ação contra a federação por discriminação de gênero. Você acha que falta engajamento ao futebol brasileiro?

Falta muito! O que falta aqui é isso: união das atletas para mudança. Muitas vezes isso só acontece com revolução, conversa não adianta. Em 1999, a seleção americana foi campeã mundial. Antes de as jogadoras entrarem em campo, elas pediram algumas coisas que consideravam importantes e exigiram que aquilo fosse atendido imediatamente. Se não, não jogariam. Quando eu estava na seleção, eu falava para as meninas: "Vocês são fortes juntas. Se uma pular fora, esquece. Vocês têm que brigar pelos direitos de vocês juntas". Mas aqui, infelizmente, isso não acontece. E não digo só no futebol feminino, a gente, de forma geral, pensa muito no individual.

Como tem sido a evolução do seu trabalho no Santos e como acha pode colaborar para que a situação do futebol feminino mude?

Quando cheguei, no ano passado, fiz algumas mudanças referentes a comportamento. Encontrei o clube de uma forma, e o objetivo é, quando sair, deixar de outra forma, mais organizado --no sentido de jogo e também de estrutura. Conquistamos algumas coisas, com muita dificuldade e muita conversa. No meu ponto de vista, isso mostra a visão de não ter o futebol feminino como algo importante para o clube. Tivemos uma reformulação bastante significativa neste ano, mas eu sempre acho que poderia ser melhor. Eu trabalho pela excelência.

E como vê os clubes de forma geral? Com essa obrigatoriedade de ter times femininos, acha que o investimento vai crescer?

Eu ainda vejo como obrigação, mas torço muito para que eles consigam entender o desenvolvimento do futebol feminino. O São Paulo e o Corinthians vêm fazendo um trabalho diferente, muito parecido com o que o Santos faz, profissional, dando condições de trabalho para as meninas. O Palmeiras montou uma parceria, o que para mim demonstra ainda uma obrigação. Mas com certeza o estado de São Paulo é o que vai ter esse crescimento muito mais rápido do que os outros.

O que você planeja para a sua carreira? Sonha em voltar para a seleção?

Eu vivo a cada dia intensamente, sem pensar no que vai acontecer lá na frente. Mas o meu sonho é estar em um clube fora do país, algo que já venho buscando para já, e treinar uma outra seleção. Isso é o que eu busco hoje, como plano de carreira.

Você não quer mais treinar a seleção brasileira?

Se surgir uma oportunidade dentro das minhas condições, sim. Eu vivo tranquilamente sem o status de ser treinadora da seleção brasileira novamente. Meu objetivo hoje é sair do país para treinar um clube e, claro, se surgir uma proposta para treinar uma outra seleção também. Essas são as minhas prioridades para os próximos anos.

Quais seriam as suas condições?

Preciso ter pessoas de confiança ao meu lado, que vão trabalhar brigando comigo lá dentro [da CBF]. Eu não posso ter alguém como coordenador atuando contra o meu trabalho. Se for dessa forma, ok. Ou abro mão. Pode me oferecer o dinheiro que for, mas eu abro mão.

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