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Não é mimimi! Por que pode ser assédio "elogiar" uma mulher no LinkedIn?

Elogiar é bem diferente de assediar - iStock
Elogiar é bem diferente de assediar Imagem: iStock

Júlia Arbex

Colaboração para Universa

03/06/2019 04h00

Recentemente, o texto da bioquímica Cássia Santos, de 23 anos no LinkedIn viralizou. Ela dizia que homens a adicionaram e enviaram mensagens para dizer que ela é linda.

"Já tiveram a audácia de pegar meu número de WhatsApp, que está lá para contato profissional, e me perguntar se sou casada", escreveu. E apesar de ter recebido apoio de muitas pessoas, outros a criticaram e não entenderam o motivo do texto. Uns até disseram que ela deveria ficar feliz, pois estava recebendo um elogio.

Segundo Haraly Rodrigues, sócia do escritório Roncato Advogados, o LinkedIn, apesar de ser uma rede social, agrega pessoas que têm interesses profissionais e que estão em busca de oportunidades. Não se trata de uma rede social de paquera ou de interação social.

"Esse tipo de ambiente, portanto, é voltado para o mercado de trabalho e o mesmo rigor e profissionalismo que se espera em uma empresa é o mesmo nesse meio virtual. Assim, elogios a respeito do currículo da moça ou sobre algum conteúdo que por ventura ela possa ter produzido costumam ser bem-vindos. Comentários sobre outros aspectos íntimos, sem que tenha havido qualquer tipo de abertura por parte da mulher, já é uma situação de assédio sexual", explica Marina Rizzi, advogada especializada em direitos da mulher.

Então, como o elogio deve ser feito?

A principal diferença entre assédio e elogio é o constrangimento que o comentário provoca. Em um contexto de flerte, em que ambas as pessoas estão interagindo, é possível fazer um elogio sobre a beleza da pessoa, por exemplo. Já em um ambiente profissional, como o LinkedIn, esse tipo de comentário não é admissível. "O indivíduo pode elogiar ou fazer um comentário positivo sobre uma conquista que a trabalhadora possa ter alcançado, por exemplo", diz Rizzi.

"O assédio trata-se de uma forma de demonstração de poder, na qual o assediador impõe sobre a vítima a sua forma de enxergá-la, ficando ofendido quando o comentário não é recebido da forma como ele gostaria. Dessa forma, no ambiente de trabalho as mulheres não costumam querer receber elogios de homens a respeito de seus corpos. Elas querem ser ouvidas e reconhecidas por suas ideias."

Nós mulheres e o mercado de trabalho

"A profissional que coloca uma foto em seu perfil não está à procura de elogios sobre sua forma física. Quando o homem faz isso, ele a objetifica e esquece completamente as suas outras competências, que são a razão pela qual ela está se inserindo naquela comunidade".

Rizzi propõe que pensemos em uma situação inversa: e se o diretor de uma empresa comentasse em sua foto do LinkedIn chamando-o de "lindo"? Não seria estranho e não profissional? A mesma lógica se aplica às mulheres. "Mas a nossa cultura machista ainda insiste em dar um desconto para os homens que não conseguem conter seus 'elogios'."

A importância de expor casos como esse

O assédio é um problema social que acomete a maior parte das mulheres. Para Rizzi, as redes sociais têm um poder significativo de provocar discussões necessárias e expor questões que estavam escondidas debaixo do tapete.

"Sem que houvesse movimentos, como o Chega de Fiu-Fiu, #MeuPrimeiroAssédio, #MeToo, incontáveis mulheres seguiriam sem saber que amigas próximas, familiares e outras tantas desconhecidas já vivenciaram aquilo que elas passam diariamente. E com essa consciência, nos damos conta de que o problema não está em nós e sim nesse comportamento. Além disso, damos a chance para que os colegas repensem seus comportamentos", conclui ela.