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Baiana acusa faculdade de transfobia: "Medo de sofrer rejeição no banheiro"

A escritora baiana Van Amorim, aluna de Literatura Brasileira na Unifacs - Arquivo pessoal
A escritora baiana Van Amorim, aluna de Literatura Brasileira na Unifacs Imagem: Arquivo pessoal

Mariana Gonzalez

Da Universa, em São Paulo

29/05/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Van Amorim, que é escritora, foi contemplada com uma bolsa do ProUni para estudar em uma instituição particular em Salvador
  • Na hora de fazer a matrícula, no entanto, teria ouvido que o sistema da faculdade não estava preparado para registrar seu nome social
  • A partir daí, ela conta que enfrentou uma série de constrangimentos, como ser tratada no masculino
  • Apesar de a Justiça ter condenado a faculdade a fazer as alterações e indenizá-la por danos morais, Van diz ainda não conseguir retornar às aulas

A escritora baiana Van Amorim, de 26 anos, já tinha publicado dois livros sobre cultura quando conseguiu uma bolsa do ProUni (Programa Universidade Para Todos) para estudar Literatura Brasileira na Unifacs, em Salvador (BA).

Ao fazer a matrícula, em agosto de 2018, no entanto, ela, que é uma mulher transexual, ouviu que a instituição não estava preparada para fazer sua inscrição com o nome social. De lá para cá, ela teria sido constrangida por funcionários, enfrentou um processo por danos morais e, apesar de ter a sentença definitiva a seu favor, não consegue voltar a frequentar as aulas.

"Era meu sonho estudar literatura, mas eu não imaginava que passaria por tudo isso", disse, à Universa. "Mas agora todos sabem que eu sou uma menina trans e tenho medo de que me apontem nos corredores".

Ela alega que foi coagida a assinar papéis como o contrato com o nome que está em seus documentos, o mesmo que foi registrado quando nasceu, já que era o último dia de inscrições, mas que logo entrou em contato com a faculdade pedindo a alteração para seu nome social.

Antes de ir para o primeiro dia de aula, Van conta ter recebido a ligação de um representante da instituição, dizendo que estaria a sua espera e que iria com ela até a sala para conversar com o professor e garantir, pelo menos, que seria chamada pelo nome correto na chamada.

Ela conta que, quando chegou à Unifacs, perguntou pelo representante com quem conversou e foi informada por outros funcionários de que ele já tinha ido embora. "Fiquei a ver navios. Passei uns 40 minutos em frente à porta da sala, travada, sem saber o que fazer", disse.

A escritora alega ter sofrido uma série de constrangimentos -- na hora de entrar na instituição e apresentaro documento de identidade para passar na catraca; durante as aulas, quando os professores se referiam a ela pelo nome de registro civil, que era o que constava na lista de chamada; e quando recebia ligações da secretaria da faculdade, que a tratavam no masculino.

"Chorava muito por causa disso", conta. "Era muito constrangimento, tinha que provar o tempo todo que aquele nome não era meu".

Danos morais

Van reuniu provas como e-mails, trocas de mensagens e capturas de tela do portal do aluno, e processou a Unifacs.

Na Bahia, o direito ao nome social é garantido pela lei estadual desde 2017, mas apenas em órgãos públicos ligados ao governo do Estado, como escolas e hospitais públicos.

Em outubro de 2018, no entanto, a Justiça concedeu uma liminar obrigando a faculdade a fazer a alteração dos registros de Van para seu nome social. Em fevereiro deste ano, a instituição foi condenada a pagar indenização à estudante por danos morais.

Apesar da vitória no tribunal, Van não conseguiu voltar a frequentar as aulas -- ela está afastada da Unifacs desde o início de maio, quando, segundo ela, "a história estourou" em veículos locais.

O motivo? "Na minha sala ninguém sabia que sou transexual, só meus professores [por conta da chamada]. Agora, todas as pessoas estão comentando, tenho medo de sofrer transfobia novamente, como algum tipo de rejeição no banheiro."

Van conta que, nas primeiras semanas de aula, vivia um dia a dia normal e tem medo de não retomar essa rotina quando voltar às aulas, o que ela pretende fazer nesta quinta-feira (30), antes que as provas semestrais sejam aplicadas, o que deve ocorrer em junho.

"Eu tenho muito medo de passar novamente por todos aqueles constrangimentos, dos colegas me olharem diferente, me apontarem nos corredores. Mas eu já perdi muito tempo de aula e preciso me formar [a conclusão do curso está prevista para 2021]", diz a estudante.

O outro lado

Em nota enviada por e-mail à Universa, a Unifacs disse que adota o procedimento de uso de nome social no ato da matrícula "quando demandada pelo estudante, bem como a mudança do nome civil, desde que apresentada documentação comprobatória".

Leia a nota na íntegra:

"Há muito anos, a UNIFACS desenvolve o fomento à cultura da diversidade envolvendo a área acadêmica e colaboradores, por meio do Comitê da Diversidade, Direitos Humanos e Cultura da Paz, que conta com membros da universidade e representantes da sociedade civil. O Comitê foi reconhecido pelo trabalho que desenvolve, tendo recebido o Prêmio de Honra ao Mérito Cultural LGBTTQIA, concedido pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), e o Selo da Diversidade, concedido pela Secretaria de Reparação da Prefeitura Municipal de Salvador em 2017.

Dentre as ações desenvolvidas, a UNIFACS esclarece que já adota o procedimento de uso do nome social no ato da matrícula, quando demandada pelo estudante, bem como a mudança do nome civil, desde que apresentada documentação comprobatória. Sendo assim, o nome da aluna já foi alterado no sistema interno da instituição, de acordo com determinação judicial, em outubro de 2018.

Reforçamos que a UNIFACS não tolera quaisquer tipos de discriminação contra gêneros, orientação sexual, etnias, credos religiosos múltiplos, gerações diversas ou quaisquer outras características pessoais distintivas por qualquer membro da nossa comunidade acadêmica."