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Ray Neon: "Ganhei tanto seguidor que achei que tinha vazado um nude"

Ray Neon - Arquivo Pessoal
Ray Neon Imagem: Arquivo Pessoal

Elisa Soupin

Colaboração para Universa

20/05/2019 04h00

Na tarde em que Raíssa Galvão, 23 anos, recebeu a reportagem da Universa, em uma casa espaçosa típica do subúrbio do Rio de Janeiro, ela estava com o pé muito dolorido há dias, fazendo compressa de gelo e tomando morfina. Ray Neon, como ficou conhecida no Instagram, aparentava cansaço e estava um pouco para baixo por conta da dor física.

O humor, no entanto, mudou em poucos minutos e, logo, já estava rindo e tornando difícil a missão de entrevistá-la sem cair na gargalhada: ela tem o pensamento rápido e faz comentários engraçados sobre tudo, o tempo todo. Em um encontro descontraído de horas em seu quarto, que parece ter sido tirado do Pinterest, Ray falou de tudo um muito: ser gorda, moda, autoestima, grana e mais.

Saúde mental

Famosa por seus looks extravagantes e criativos, a youtuber é bem mais que uma referência de moda plus size. Ela busca não filtrar a vida em tons sépia no Instagram e explica que tem apostado em ser honesta. "Eu choro muito, sou supersensível, tenho transtorno de ansiedade e tem dias que são realmente difíceis, isso é normal, não escondo", diz ela, que volta e meia aparece chorando nas redes.

Ray Neon - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal

"A vida tem que ser real, tem dias que você não quer postar nada e vem uma cobrança dos seguidores de 'por que você não está postando?' Eu sou honesta quando isso rola: não estou postando porque tô com dor, triste, não tô bem e exponho que tudo bem não estar bem sempre", diz.

Mudança de visão sobre a moda

Ray tem um estilo muito próprio e conta que, desde a adolescência, quando começou a ter seu primeiro blog na internet, já era assim.

"A 'gordolândia' me descobriu recentemente, mas eu já estou desde os meus 15 anos na internet falando sobre moda. Sempre adorei roupa e sempre fui gorda, então, no ensino médio, não encontrava muita coisa no meu tamanho e era a louca do bazar, ia sempre nos de rua ou de igreja, até porque eu não tinha dinheiro para gastar. Trabalhava vendendo palha italiana na escola para ganhar uma grana e financiar meu guarda-roupa. Às vezes, comprava coisa que nem era do meu tamanho e revendia ou então, fazia um Frankstein, abria a peça, costurava. Sempre adorei coisas diferentes, afinal, por que querer ser bonita se você pode ser estranha?", ri ela, que tem uma máquina de costura em casa e, ainda hoje, mantém o hábito de fazer as próprias peças.

Ray Neon - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

"Meu blog tinha algumas parcerias com marcas da China, e, quando eu entrei na faculdade de moda e comecei a conhecer o mercado, adotei um consumo mais consciente. Vi que se aquelas marcas gringas vendiam tão barato, não podiam estar pagando salários normais. Aí, desfiz as parcerias, não queria fomentar esse consumo. Parei o blog: estava fazendo dois cursos, jornalismo e moda ao mesmo tempo e também não tinha mais tanto tempo para me dedicar ao conteúdo", conta. Hoje em seu canal no YouTube ela voltou a dar dicas de moda barata, figurinos, fantasias. No IG TV de seu perfil @rayneon também há conteúdo criativo para se inspirar. Ela ensinou recentemente como usar uma calcinha como top.

'Ganhei tantos seguidores que achei que tinha vazado um nude'

Com seu estilo diferente e o cabelo colorido ("uso desde os 10 anos"), Ray já atraía admiradores desde o Orkut ("tinham vários fakes meus lá!"), as redes mudaram e, em 2017, ela tinha cerca de 6 mil seguidores no Instagram. Até o Rock in Rio. "Me montei e fiz um figurino de sereia alienígena. Postei a foto e o Instagram me notou e, sozinho, me tornou relevante, apareci na aba "Explorar", o que foi muito legal, mas muito assustador. Estava no show do Aerosmith e, do nada, ganhei mil seguidores, não entendi, comecei a entrar em desespero achando que podia ter vazado um nude meu, liguei pra minha mãe nervosa perguntando se eu tinha aparecido em algum lugar, pra não falar que estava com medo de vazamento. Meu celular não parava de tremer de notificação", ri lembrando. No dia seguinte, Ray descobriu que a própria rede social tinha sugerido ela.

Aceitação acompanhada pelos seguidores

Daí em diante, seu perfil começou a ganhar relevância e, hoje, ela tem 189 mil seguidores. "Eu adoro praia e natureza e, um pouco depois do Rock in Rio, viajei para a região dos lagos com um grupo de amigos. Todos eram magros, eu era a única gorda e ainda tinha uma questão muito forte com meu corpo nessa época. Para postar uma foto, disfarçava celulites em apps. Eu comecei a perceber que eu estava falando sobre aceitação e aprendendo a me aceitar. Lembro de duas fotos importantes: a primeira foto que não editei celulite na minha perna e outra em que postei meu peito caído como ele é. Eu ia significando aquilo e dividindo nos posts com as pessoas", conta ela que garante nunca ter comprado seguidores ("cheio de açaí no mundo pra comprar, vou comprar seguidor?")

Apesar da autoestima bem melhor hoje em dia, ela admite que ainda tem momentos em que nem sempre tem essa confiança toda. "Conheci meu namorado um dia em que eu estava com meu melhor amigo gay, o Jorge, e a minha tatuadora. Pedimos comida e ele foi entregar. Os três demos mole pra ele, mas eu não achei que ele fosse se interessar mesmo por mim, sabe?". Ela estava errada e os dois estão namorando há cerca de um mês. "Cansei de catar boy no Tinder, pedi no Ifood", brinca ela.

Grana entrando e orgulho suburbano

Ray é de uma família simples, da Zona Norte do Rio, e os clássicos mimos de blogueira que recebe têm que ser buscados por ela nos Correios, que considera seu endereço uma área de risco e não faz a entrega lá.

"Com 15 anos, eu pensava muito que tinha que trabalhar, ganhar dinheiro e me mudar daqui, porque ninguém famoso morava em Piedade. Hoje, aos 23, tenho o maior orgulho de ser suburbana, conhecer perrengues, pegar transporte público", conta ela que, depois do Lollapallooza do ano passado tomou uma decisão importante para uma alguém tão focada na carreira: pediu demissão da marca de moda plus size em que trabalhava.

"Não era um lugar legal e, depois do festival, a revista Elle me procurou para uma matéria de 'a menina mais estilosa do Lolla', não 'a gorda mais estilosa', simplesmente a pessoa mais estilosa. Isso foi muito legal pra mim, detalhe que fiz aquelas roupas todas na gambiarra, com cola quente", conta ela. No mesmo dia, ela pediu as contas com a confiança de que valeria a pena trocar a grana de R$ 600 de estágio para tentar outras oportunidades como influenciadora. E valeu.

"Não posso falar o quanto ganho por conta do sigilo dos contratos, mas, assim: é bem mais que meu ex-estágio", ri. Ela não ficou rica ainda, mas está guardando para comprar uma casa e uma van e realizar o sonho que tem de morar nela e viver dirigindo por aí.

Gordofobia

Apesar de reconhecer viver em uma bolha por conta de seus seguidores, Ray volta e meia tem que lidar com a gordofobia. "Além da dor no pé, estou com apenas 20% de visão nos dois olhos, e tentando descobrir o motivo. Fui na oftamologista e ela, bem grosseira, logo sugeriu que eu estava com diabetes. E não, não estou diabética, meus exames estão todos ótimos. Sinto que existe uma má vontade médica se você é gordo sabe, além dos planos de saúde serem mais caros se você for gordo. Ser vegana também é motivo pra risinho, porque, se eu sou vegana, como posso ser gorda?", desabafa ela, que é praticante de yoga e meditação e sempre posta seus exercícios, contrariando o estigma que vincula estar gordo a sedentarismo.

Trate a blogueira com carinho

A Ray fala apaixonadamente do que gosta, faz o papo render. Mas se tem uma coisa que a faz sentir muito mal são abordagens grosseiras. "Eu gosto de olhar no olho, falar, trocar com as pessoas. Adoro ser reconhecida, sempre quis ser famosa, é sério, desde pequena treino para a fama. Mas, às vezes, as pessoas me veem, apontam um celular para mim e começam a me filmar, é horrível. Outro dia uma menina chegou, pediu uma foto, eu disse que sim, ela tirou e saiu andando: nem falou comigo! Gente, se me vir, conversa comigo, me dá um abraço. Apontar o celular e ficar filmando é estranho", ela diz. Está registrado o pedido.