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Bolsonaro erra: violência e desemprego provam racismo, dizem especialistas

Bolsonaro foi entrevistado por Luciana Gimenez no último dia 7 - Divulgação/RedeTV!
Bolsonaro foi entrevistado por Luciana Gimenez no último dia 7 Imagem: Divulgação/RedeTV!

Aline Ramos

Colaboração para Universa

09/05/2019 04h00

Na noite da última terça-feira (7), o presidente Jair Bolsonaro disse, em entrevista à apresentadora Luciana Gimenez, no programa "Luciana By Night", da Rede TV!, que o racismo é uma coisa rara no Brasil.

Essa não é a primeira vez que Bolsonaro faz declarações do tipo. Ele já foi acusado de racismo pela Procuradoria-Geral da República pelo uso de expressões discriminatórias sobre os quilombolas em 2017. "Eu fui em um quilombola [sic] em Eldorado Paulista. Olha, o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada! Eu acho que nem para procriador eles servem mais. Mais de um bilhão de reais por ano gastado [sic] com eles", declarou. Porém, o Supremo Tribunal Federal rejeitou a denúncia pelo crime de racismo contra o então deputado e candidato à presidência.

Na entrevista à Luciana Gimenez, Bolsonaro também disse que "o tempo todo tentam jogar o negro contra o branco". No passado, ele já havia falado que seus filhos não correm o risco de namorar uma mulher negra porque "foram muito bem educados". Bolsonaro, porém, diz que não é racista e tenta provar essa posição afirmando que já salvou um colega negro de se afogar quando estava no exército.

"O racismo no Brasil não é raro. E ele não pode ser definido pelo ato de escolher salvar ou não um negro de um afogamento. Em vez disso, sua definição se dá pela análise de como vivem os negros de um país", explica a historiadora pela USP Suzane Jardim, que pesquisa estereótipos raciais na mídia.

Segundo ela, o discurso com a intenção de tirar a importância da questão racial existe pelo medo de que o negro brasileiro tenha consciência e se politize, exigindo mudança, inclusão, políticas públicas e educacionais reais para tratar a questão. "Dizer que o racismo é raro não é atitude de quem desconhece ou quer evitar a discussão política, mas de quem entende a gravidade da questão, mas não está disposto a realizar uma mudança ou ganha algo mantendo as coisas do jeito que sempre foram."

Números mostram como os negros são afetados pelo racismo

No próximo dia 13 de maio, a assinatura da Lei Áurea completa 131 anos. O Brasil foi o último país independente do continente americano a abolir a escravatura. E não foram implementadas medidas para inserir os negros na sociedade. Após mais de um século, dados mostram que a população negra ainda sofre os reflexos do período em que negros foram escravizados.

Segundo levantamento feito pelo IBGE em 2012, do total de 16 milhões de brasileiros na extrema pobreza, cerca de 65% são negros, sendo eles pretos e pardos. Em 2017, no Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial, o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) alertou que, atualmente, a população negra ainda é a mais afetada por desigualdades e violência no país.

Para Suzane Jardim, há um senso comum que entende racismo apenas como as manifestações de ódio caricatas, como por exemplo, gritar na rua que negros devem morrer, evitar tocar em negros ou pendurar uma placa avisando que negros não são bem-vindos em estabelecimentos.

"Esses modos mais diretos de racismo podem ser compreendidos como raros, mas isso não significa que o racismo em si é raro porque o entendimento internacional sobre o problema racial parte da premissa de que ele está nas estruturas e instituições de um modo muitas vezes sutil, mas que tem imenso impacto no cotidiano das pessoas negras", diz.

O racismo estrutural no Brasil se mostra em dados. O número de negros no ensino superior equivale a menos da metade dos jovens brancos com a mesma oportunidade; a taxa de analfabetismo é de 22,3% entre negros e 5% entre brancos, e negros e pardos correspondem a três de cada quatro pessoas assassinadas no país em 2016, enquanto vítimas brancas foram 25% dos casos.

"Quando negros e brancos entendem a existência do racismo, é possível que atuem juntos para termos um futuro em que o racismo seja raro. Sem o apontamento da questão, o que fazemos é jogar o problema para baixo do tapete, correndo o risco de que ele se multiplique, dificultando a resolução dos problemas gerados pela questão", finaliza Suzane.

Racismo e desemprego

O Brasil tem atualmente 13,4 milhões de desempregados. De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de desemprego do país ficou em 12,7% no primeiro trimestre de 2019. E a crise no mercado de trabalho é maior para a população negra, os autodeclarados pretos e pardos. Juntos, pretos e pardos representavam 64,6% dos desempregados no quarto trimestre de 2018.

Liliane Rocha, fundadora da Gestão Kairós, consultoria em diversidade, há 14 anos faz um trabalho com empresas em prol da valorização e inclusão da diversidade. Para a especialista, negar o racismo é uma forma de atrapalhar o desenvolvimento econômico e a geração de emprego, que são questões essenciais para o Brasil no momento e alguns dos principais desafios do governo de Jair Bolsonaro.

"Não se cria um país economicamente próspero deixando metade da população brasileira para trás. Para ser um país competitivo, com empresas robustas, é essencial dar oportunidades iguais de trabalho para todos. Isso não acontecerá com 54% da população tendo seu acesso às melhores oportunidades de estudos e empregos vetadas", afirma Liliane.