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Ginecologista homem ou mulher: elas contam o que acham melhor

Segundo pesquisa, 17% das pacientes preferem ser atendidas por ginecologista mulher - iStock
Segundo pesquisa, 17% das pacientes preferem ser atendidas por ginecologista mulher Imagem: iStock

Laura Reif

Colaboração para Universa

22/04/2019 04h00

Na hora de marcar uma consulta com um ginecologista, muitas mulheres preferem ser atendidas por profissionais do sexo feminino.

De acordo com estudo de 2017 da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília com 435 mulheres, apenas 2,1% disseram ter preferência por atendimento de um médico homem, enquanto 17% confiam mais em alguém do mesmo sexo. A maioria das mulheres não se importa com o sexo do médico. No entanto, a preferência por profissionais mulheres é maior entre as mais jovens (abaixo dos 34 anos), segundo o estudo.

Mas por que isso acontece?

Universa conversou com mulheres mais novas que 34 anos, para entender melhor o que elas acham sobre o assunto. Algumas disseram que, pelo fato de homens não terem o mesmo corpo que elas, acreditam que as médicas podem ter uma sensibilidade maior na hora de realizar exames e entender sintomas. Mas também há outros fatores envolvidos: o mais pesado deles é o medo de serem assediadas ou traumas de assédios anteriores.

O trauma não é do consultório, é da rua

Nenhuma das mulheres ouvidas pela reportagem disse ter sofrido traumas em consultórios médicos, mas que, por conta das numerosas notícias sobre casos de assédio e estupros, além das próprias experiências negativas, elas acabam transferindo o medo que sentem de homens para o médico ginecologista.

Um dos casos mais marcantes foi do ex-médico Roger Abdelmassih, um dos pioneiros da fertilização in vitro no Brasil, que foi condenado em 2010 pelo estupro de 37 pacientes.

"Quando era mais nova, meu primeiro ginecologista foi homem e foi horrível ter um homem olhando para o meu peito, para a minha vagina, me vendo pelada. O ginecologista tem que olhar, mas é difícil", conta a estudante de veterinária Ana Beatriz Lima, 19, de Sorocaba (SP). Ela explica que foi no obstetra que acompanhou a mãe durante os três processos de gravidez, mas não se sentiu confortável com "um cara" vendo seu corpo.

giulia ventura - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
"Acho que seria mais difícil me sentir confortável me abrindo para um cara", diz a artista plástica Giulia Ventura
Imagem: Arquivo pessoal

A artista plástica Giulia Ventura, 24, de São Bernardo do Campo, diz que até cogita passar no consultório de um homem algum dia, mas ainda não se sente pronta. "Acho que seria muito mais difícil me sentir confortável me abrindo para um cara. Até por conta daquelas notícias de estudante de medicina que estuprou alguém", comenta. "Outros médicos, no geral, não tenho receio, mas qualquer medo que tenho de ser abusada acaba indo junto na hora de pensar em um ginecologista homem", diz.

A jornalista Claudia Leone, 24, de Santo André, também prefere as médicas. "É uma situação em que ficamos vulneráveis", explica. "Se não houvesse uma presença tão forte do machismo e episódios de assédio [no dia a dia], não teríamos essas preocupações", completa.

A psicóloga especializada em comportamento e traumas Daiane Daumichen, explica que, mesmo que essas mulheres não tenham sofrido abusos de médicos, elas sofrem influência do meio em que vivem. "Por conta de notícias ou uma situação vivida na rua em que elas se sintam ameaçadas ou desrespeitadas. Estar em um local íntimo com um homem, ainda que um profissional da saúde, pode remeter a tais abusos, falta de respeito e ameaças", afirma.

nicole di luccia - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
A recepcionista Nicole di Luccia diz ter se sentido mais respeitado por ginecologistas homens
Imagem: Arquivo pessoal

Mas tem diferença? Na prática, não.

Se o profissional é qualificado para realizar o atendimento, vai da paciente encontrar alguém com o perfil que a deixe confortável. A recepcionista Nicole di Luccia, 21, de São Bernardo do Campo, disse que marca consultas com homens, se forem indicações de confiança, e que desde os 9 anos a avó a levava em ginecologistas do sexo masculino.

"Por incrível que pareça, me senti mais desrespeitada moralmente por médicas. Homens me deixaram mais confortável, mesmo existindo esse medo", explica ela e completa, "Mas talvez seja construção social isso de achar que elas [médicas] estão me julgando".

A terapeuta de relacionamentos Sabrina Costa, explica que, nos últimos anos, mais mulheres relataram casos de assédio publicamente, o que contribuiu para aumentar o sentimento de insegurança. "O que acontece é o que chamo de 'efeito do coletivo'. As mulheres, em sua grande maioria, estão em estado de alerta, evitando qualquer exposição ao risco", diz.

É o caso da publicitária Talyta Villaescusa, 24, de São Paulo, disse que não consegue deixar de lado os assédios sofridos no dia a dia na hora de escolher um ginecologista. "Mesmo que seja médico, eu não me sinto confortável em abrir as pernas para um homem desconhecido", conta.

A administradora Clara Freitas*, 21, do Recife, relata que há poucas semanas foi a uma UBS [Unidade Básica de Saúde] de sua cidade realizar o exame preventivo anual, o papanicolau, mas desistiu de ser atendida quando descobriu que o ginecologista era homem. "Fiquei assustada, nunca fui examinada por um homem, a não ser dentista. É mais por precaução", explica ela.

Clara conta que sofreu abusos sexuais do irmão mais velho e dois primos na adolescência e quem recebeu a culpa pelo ocorrido foi ela. "Tenho medo que me toquem e de ser novamente a culpada pelo o que aconteceu", conta ela.

A terapeuta Sabrina explica que essa insegurança é comum em mulheres que sofreram abusos. "Quando elas se dão conta de que foram vítimas de abuso, físico ou psicológico, onde os homens as colocavam para baixo, mesmo que sutilmente, elas tendem a se fechar para qualquer homem. Mesmo um ginecologista, pois a exposição na consulta a deixa vulnerável e gera o medo de ser julgada por outra figura masculina", diz.

A jornalista Cristiane Senna, 35, de São Paulo, lamenta essa insegurança. "Está todo mundo traumatizado, isso é triste. Nunca aconteceu nada comigo, meu ginecologista é homem e adoro ele. Nunca nenhum médico me examinou sozinho, sempre tem alguém junto", conta.

Acompanhante durante exames garantem segurança

Vale lembrar que o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo recomenda a presença de auxiliar de enfermagem ou pessoa acompanhante da paciente durante o exame ginecológico, mas cabe ao profissional médico decidir sobre a recomendação, tendo em vista que não se trata de obrigatoriedade. Se a paciente tiver algum receio, ela pode solicitar um acompanhante durante os exames.

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