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Odiar crianças: como a aversão de estranhos ao convívio afeta mães e filhos

Nathalia Gastaldo e Abel - Reprodução/Instagram
Nathalia Gastaldo e Abel Imagem: Reprodução/Instagram

Laura Reif

Colaboração para a Universa

24/03/2019 04h00

Você já escutou alguém dizer que odeia crianças? Que ninguém é obrigado a conviver com com o barulho e bagunça que eles fazem? Se você nunca ouviu esse tipo de comentário, considere-se com sorte, porque as mães de crianças sofrem com isso direto. Desde posts nas redes sociais a comentários de estranhos na rua, elas precisam cuidar dos próprios filhos e dos julgamentos de quem diz odiá-los.

A publicitária Beatriz Trabachini, 28, de São Bernardo do Campo, tem uma filha de um ano e 11 meses. Ela conta que Pérola é uma criança ativa, o que incomoda muita gente quando está com ela fora de casa. "As pessoas não têm paciência porque criança não tem filtro, criança corre, grita. Os adultos estão sempre concentrados, mexendo no celular em silêncio. Aí vem a criança e berra no restaurante. Várias vezes já me olharam torto por isso", relata.

Bia Trabachini - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Bia Trabachini
Imagem: Reprodução/Instagram

A psicopedagoga Mônica Pessanha explica (como se fosse necessário) que é normal crianças chorarem e gritarem, especialmente até os cinco anos de idade. "A frustração é um sentimento difícil de viver e algumas crianças são mais impacientes e impulsivas do que outras. Mas a frustração é necessária, pois ensina e fortalece as crianças pequenas", explica.

Isso não significa que é certo deixar o filho chorando por horas no meio do shopping sem fazer nada. Mas que é comum a criança brincar fazendo barulho, chorar e até fazer birra. É parte do desenvolvimento humano e não deve ser motivo de ódio, apesar de ser incômodo.

"A gente fica se sentindo muito mal e se sentindo uma péssima mãe. É horrível", declara Beatriz. Ela comenta sobre a indignação com estabelecimentos, como restaurantes, que são pet-friendly [que permitem a permanência de animais de estimação], mas não autorizam a entrada de crianças.

Renata Almeida é psicóloga do Programa Saúde e Alegria do Hospital Dom Alvarenga, em São Paulo, e explica que chorar é normal, até para quem já é adulto. "A diferença é que expressamos essa insatisfação de forma diferente. Além disso, estamos vivendo um momento que só a alegria é valorizada e permitida de ser expressada, então qualquer expressão de fragilidade é banida", diz.

A estudante de humanidades da Universidade Federal do ABC Nathalia Gastaldo, 26, tem um filho de três anos e meio e é mãe solo. Ela acaba levando o pequeno para quase todos os lugares, incluindo a faculdade. Apesar de muita gente ter empatia, ela conta que a maioria tem aversão e até se afasta quando ela chega com o filho.

Nathalia Gastaldo - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Nathalia Gastaldo
Imagem: Reprodução/Instagram

Nathalia relata que um estudante postou em um grupo da faculdade que ela levava o filho às aulas para usá-lo para vender doces entre as aulas. "Ele falava que meu filho deveria ter sido abortado e eu não merecia respeito nenhum a não ser que fosse fruto de um estupro", conta ela.

A profissional de Business Intelligence J. T., 28, que prefere não se identificar, revela que é uma das pessoas que evita ficar perto de crianças. Ela conta que faz isso por medo que elas interajam com ela, coisa que a desagrada. Hoje em dia ela se afasta em silêncio, mas nem sempre foi assim.

"Já fiz várias asneiras. Hoje aprendi que isso é um absurdo", conta. Ela já chegou a deixar de frequentar a casa de amigos porque tinham filhos. "Acho que vem do fato de que minha mãe não queria ter sido mãe", reflete.

"Hoje aprendi que isso não se faz, mas já reclamei com desconhecida que estava lendo as legendas de um filme no cinema para o filho. Era Kung Fu Panda e quando ela comprou os ingressos não viu que era legendado", conta. Ela diz que se ofereceu pagar novos ingressos para que a mãe e o filho fossem a outra sessão mais tarde, mas a mulher disse que após o filme deveria levar a criança para o pai e não podia continuar no cinema.

"Ainda culpei a mãe. Ela estava claramente ocupada e não viu que o filme não era dublado. Eu tinha 18 anos e não fazia nada da vida. Também, em um avião, já levantei e puxei o cabelo de uma criança que estava puxando o meu", revela.

A psicóloga Renata afirma que críticas constantes podem causar inseguranças na criança. "Em longo prazo pode trazer dificuldades de aprendizado e de relacionamentos", explica. Esse julgamento não é só ruim para os filhos, mas para os pais, e pode criar estados depressivos. Ela sugere que, se for o caso, busquem ajuda de um profissional que possa orientar, acolher e ajudar. "Se for possível pagar por uma psicoterapia, ótimo. Mas se não for, busquem acolhimento e orientação nas UBS ou em qualquer serviço público", completa.