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Casal de mulher e homem trans é morto por homofobia no RJ; entenda o caso

Iasmym, de 20 anos, e Caio, de 23, estavam juntos há cinco anos - Reprodução/Facebook
Iasmym, de 20 anos, e Caio, de 23, estavam juntos há cinco anos Imagem: Reprodução/Facebook

Mariana Gonzalez

Da Universa, em São Paulo

20/03/2019 16h38

Resumo da notícia

  • O casal Iasmym Souza, de 20 anos, e Caio Dantas, de 23, foi morto a facadas por um vizinho em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro
  • Como Caio era um homem transexual que não havia feito transição de gênero, família e OAB-SC acreditam que o crime foi motivado por homofobia
  • Familiares de Iasmym que vivem em São José (SC) arrecadaram mais de R$ 11 mil na internet pra transportar o corpo da jovem até o velório

O casal Iasmym Nascimento de Souza da Silva, de 20 anos, e Caio Dantas Moura, de 23 anos, foi morto a facadas por um vizinho de 44 anos no último sábado (16), em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro.

A família acredita que o assassinato foi motivado por homofobia, já que Caio era um homem transexual e ainda se identificava como uma mulher lésbica cisgênero quando os dois se mudaram de São José, na Grande Florianópolis, para o Rio de Janeiro, há três anos.

"Com certeza, sem sombra de dúvidas [foi homofobia]. O rapaz de certo não aceitou que a minha afilhada vivia feliz com outra mulher. Ele não deve ter aceitado aquilo [a relação homoafetiva] e fez o que fez", disse Ednei Mascaro, padrinho de Iasmym, em entrevista à Universa.

De acordo com Ednei, o crime teria acontecido depois que o suspeito assediou Iasmym, "passando a mão nela". Diante da recusa, ele teria buscado uma faca em casa e esfaqueado a jovem. Caio teria sido atacado enquanto tentava defender a namorada.

Iasmym - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Imagem: Reprodução/Facebook

Caio Dantas - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Imagem: Reprodução/Facebook

Familiares de Iasmym, que vivem em Santa Catarina, tiveram que lidar com outro obstáculo além do luto pela perda da jovem: os custos do transporte do corpo por mais de mil quilômetros para o velório gira em torno de 7 mil reais.

"Ou a gente mandava a mãe dela para cremar o corpo no Rio e trazer as cinzas ou pagava esse valor para trazer ela para perto de nós. As duas coisas sairiam caras", explica Edinei.

A solução foi criar uma arrecadação on-line que, em quatro dias, superou o montante inicial e chegou aos 11,5 mil reais. Segundo o padrinho, o valor excedente será doado à família de Caio.

Homofobia

Embora Caio fosse um homem trans, o caso foi registrado como duplo feminicídio -- tipificação que desrespeitaria a identidade de gênero dele por considerá-lo uma mulher.

Nem Polícia Civil do Rio de Janeiro nem a Secretaria de Segurança Pública responderam os questionamentos de Universa a respeito deste assunto.

A reportagem também não conseguiu contato com a família do jovem, mas, nas redes sociais, identificou que Caio passou a se identificar pelo nome masculino e fazer publicações sobre transexualidade em abril de 2017.

À Universa, a presidente da Comissão de Diversidade Sexual da OAB de Santa Catarina, Margareth Menezes, explica que "por mais que o Caio se identificasse como um homem e usasse um nome social masculino, juridicamente ele é considerado uma mulher, já que não completou a transição de gênero e provavelmente não chegou a alterar o nome nos documentos".

A advogada especialista em direitos LGBT vê na morte de Caio e Iasmym um quadro tipíco de crime de ódio por lesbofobia.

"Ao ser rejeitado [por Iasmym, depois de assediá-la] e ver aquelas duas mulheres juntas, como entendia que Caio era uma mulher, partiu para a agressão. É um crime de ódio por gênero e orientação sexual", acredita.

Margareth lembra ainda que, se a homofobia e a transfobia tivessem se tornado um crime similar ao de racismo, como propôs a discussão do STF em fevereiro, o assassinato do casal poderia ser enquadrado desta forma.

A OAB de Santa Catarina deve enviar uma carta aos cuidados da Comissão de Diversidade Sexual da Ordem no Rio de Janeiro pedindo que pressione as investigações em Angra dos Reis. "Queremos evitar certa má vontade da polícia ao investigar este duplo assassinato como um crime de ódio no lugar de homicídios comuns", diz.

História

O casal estava junto há cinco anos e, antes de deixar São José para viver mais próximo à família de Caio, que é de Angra dos Reis, passou dois anos morando com a mãe de Iasmym, Lídia.

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Imagem: Reprodução/Facebook

"Ela aceitava muito bem a relação da filha, acolheu o Caio e abriu as portas da casa dela para mim, quando meu pai não me aceitou por ser gay", disse Diego Xavier de Oliveira, amigo de Iasmym há nove anos. "São pessoas maravilhosas".

Segundo Diego, a decisão de ir para o Rio partiu de Caio, que foi criado em Angra dos Reis e tinha família lá. "Eles também queriam fazer a vida, crescer, juntas dinheiro e ajudar a família", lembra.

No Rio de Janeiro, os dois vendiam doces no semáforo. À Universa, o padrinho Edinei contou que o sonho delas era transformar a ocupação em negócio.

Há um ano, Iasmym voltou a Santa Catarina para uma visita rápida à família, última vez que viu a mãe.

Na tarde de terça-feira (19), Lídia viajou para o Rio de Janeiro em uma viagem de carro que dura mais de 18 horas para reconhecer o corpo da filha e trazê-lo de volta à Santa Catarina, onde será velado na quinta-feira (21), no cemitério de Barreiros.