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Lesbianismo político: desejo sexual ou só uma teoria feminista radical?

Conceito de "lesbianismo político" surgiu nos anos 1970 por feministas radicais - Getty Images/iStockphoto
Conceito de "lesbianismo político" surgiu nos anos 1970 por feministas radicais Imagem: Getty Images/iStockphoto

Jacqueline Elise

Da Universa

15/03/2019 04h00

Mais do que só um movimento social centrado na ideia de que as mulheres deveriam ter os mesmos direitos que os homens, o feminismo também é fundado em teorias que construíram seu ideal principal. Mas, assim como acontece em todos os movimentos sociais, algumas dessas ideias podem soar polêmicas. Uma delas, nascida em 1981 no Reino Unido, é a do lesbianismo político.

O termo surgiu pela primeira vez na coletânea "Love Your Enemy? The Debate Between Heterosexual Feminism and Political Lesbianism" ("Amar seu inimigo? O debate entre o feminismo heterossexual e o lesbianismo político", em português) e foi criado pelo Grupo Feminista Revolucionário de Leeds, Inglaterra. Quem ajudou a organizar o conteúdo do panfleto foi a teórica feminista Sheila Jeffreys. A coletânea diz que "todas as feministas podem e devem ser lésbicas. Nossa definição de uma lésbica política é uma mulher que não transa com homens. Não significa que ela será forçada a atividades sexuais com outras mulheres".

A publicação foi considerada muito radical e recebida com ressalvas por feministas, tanto heterossexuais quanto lésbicas. Muitas argumentaram que o lesbianismo político reforçava a ideia de que a orientação sexual das pessoas é uma escolha, e que isso poderia, inclusive, marginalizar ainda mais as mulheres homossexuais.

Como interpretar?

O uso da palavra "lesbianismo", com o sufixo "ismo", vem da ideia de que se trata de uma teoria feminista radical que discute a questão das orientações sexuais das mulheres.

A cientista social, pesquisadora e mestre em teoria política pela Unifesp Jéssica Melo explica que o conceito pode ter algumas interpretações: "Podemos pensar através de duas perspectivas: primeiro, do ponto de vista do feminismo radical, pensando na heterossexualidade como algo compulsório. Tem a ver com a ideia de que ser hétero é uma construção social, na qual há a designação de papéis de gênero a partir de uma divisão sexual do trabalho, e que homens e mulheres têm seus papéis definidos", diz.

"Uma das grandes questões seria essa premissa do feminismo radical entender a orientação sexual lésbica como uma possibilidade para todas as mulheres, entendendo que todas têm o potencial de sentir desejo por outra, mesmo aquelas que se consideram heterossexuais".

Outra interpretação seria possível considerando o contexto político de onde surgiu o lesbianismo político. Joanna Burigo, mestre em gênero, mídia e cultura e criadora da Casa da Mãe Joanna, projeto de comunicação e educação sobre gênero, explica que o conceito surgiu em uma época específica do movimento feminista: entre os anos 1970 e 1980, o Hemisfério Norte enfrentava grande polarização política, o que impulsionou a discussão de ideias mais radicais.

Assim surgiu uma vertente do feminismo que questionava fortemente as regras da sociedade e o papel da mulher nela. "Com o levante do movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos, do movimento estudantil na França, da Guerra do Vietnã e da Guerra Fria, o mundo estava em conflito. É aí que o feminismo radical surge com estes conceitos, com esse perfil de manifesto. É por causa dessa dissidência entre feministas que a gente estuda gênero hoje", afirma.

As especialistas acreditam que o lesbianismo político pode ser lido como um manifesto feminista, não uma imposição à orientação sexual das pessoas, pedindo para que a sociedade olhe mais para as questões das mulheres e, principalmente, das lésbicas, que muitas vezes são invisibilizadas até mesmo dentro do movimento LGBT.

"Tanto na academia quanto nos movimentos sociais, a gente fala de 'supremacia masculina' porque, por exemplo, o movimento gay tem uma visibilidade maior que o movimento lésbico. Ao trabalhar essa questão do lesbianismo político, a discussão vai além do desejo: é uma bandeira política levantada pelas mulheres lésbicas que são muito silenciadas", diz Melo.

Depois do lesbianismo político, vem o continuum lésbico

Em 1986, com o livro "Sangue, Pão e Poesia", a professora e poeta americana Adrienne Rich publicou um ensaio chamado "Heterossexualidade Compulsória e Existência Lésbica", no qual destrinchava a ideia do lesbianismo político e falava sobre o 'continuum lésbico': um convite para que mulheres se aliem a outras mulheres para combater o machismo na sociedade.

"O continuum lésbico é como um chamamento para que todas as feministas, sobretudo as heterossexuais, passem a entender o mundo pelo olhar das lésbicas, que são muito marginalizadas na sociedade e na academia, para que vejam o mundo livre do olhar dos homens. A convocação dela não tem a ver com obrigar as mulheres a ter o desejo por outras, nunca foi essa intenção. O objetivo é uni-las como forma de aliança política. Isso é o que, aqui no Brasil, chamamos de sororidade", explica Burigo.

Ela argumenta que, como as mulheres heterossexuais são menos "invisíveis" que as homossexuais na sociedade, elas precisam se unir às lésbicas para que possam entender suas questões e conflitos para que, juntas, possam achar formas mais efetivas de garantir direitos femininos e igualdade de gênero.

"Identificar-se como lésbica política, ou seguir esse continuum lésbico, é priorizar a agenda das mulheres, da conquista dos nossos direitos", afirma.

FONTES: "Love Your Enemy? The Debate Between Heterosexual Feminism and Political Lesbianism", organizado pelo Grupo Feminista Revolucionário de Leeds; e "Heterossexualidade Compulsória e Existência Lésbica", de Adrienne Rich.