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Depressão na gravidez: 7 dúvidas sobre como a doença atinge a gestante

Identificar a doença durante a gestação exige cuidados especiais - Getty Images/iStockphoto
Identificar a doença durante a gestação exige cuidados especiais Imagem: Getty Images/iStockphoto

Heloísa Noronha

Colaboração para Universa

09/03/2019 04h00

Muito se discute sobre a doença no período pós-parto, mas a depressão na gravidez também exige cuidados especiais, como não ignorar os menores indícios de mudanças no humor. Confirma as respostas sobre as dúvidas mais comuns:

Em que tipo de indícios a gestante deve ficar atenta?

É preciso observar com cuidado as mínimas mudanças na rotina, já que algumas alterações que ocorrem durante a gestação se confundem com depressão. "É comum a grávida ficar mais emotiva, ter alterações de apetite e do sono e sentir diminuição da libido, por exemplo, fatores que acabam dificultando o diagnóstico. No entanto, exigem atenção especial sintomas como sentimentos de tristeza, angústia e melancolia, perda da capacidade de ter prazer nas coisas e comprometimento da vontade e da capacidade pragmática, além de frases e opiniões que expressam culpa", diz Henrique Bottura, psiquiatra da Clínica Psiquiatria Paulista, em São Paulo (SP). São sintomas que podem estar associados a um medo exagerado de não dar conta dos cuidados com o filho e a sentimentos de insegurança.

Segundo Alexandre Pupo Nogueira, ginecologista e obstetra membro do corpo clínico do Hospital Israelita Albert Einstein, também na capital paulista, o desinteresse pela própria gestação também pode acontecer. "A gestante que está entrando em depressão costuma fugir dos exames de rotina de pré-natal, tem crises de choro ou ansiedade sem motivo aparente e quer evitar contato com outras pessoas. A vontade é de ficar em casa o tempo todo. No entanto, muitas grávidas têm dificuldade de entender que isso está acontecendo. Quem acaba levando a questão para a consulta de pré-natal é o parceiro", conta.

É comum o surgimento de depressão durante a gestação?

A depressão, de modo geral, acomete mais mulheres do que homens, na proporção de 2 para 1. A estimativa é que cerca de 10% das mulheres podem desenvolver a doença durante a gravidez, com maior incidência no primeiro e no terceiro trimestres. De acordo com Marcelo Marinho de Souza, diretor médico do Centro de Reprodução Humana Fertipraxis, no Rio de Janeiro, todas as mulheres com história prévia de depressão, em gestações anteriores ou não, até mesmo em parentes de primeiro grau, assim como gestantes sem suporte familiar adequado, com crises conjugais ou com história regressa de gestação indesejada e/ou de abortamentos podem ter risco aumentado para tais transtornos.

Se não tratada, quais os comprometimentos da doença para a mãe e para o feto?

Segundo Marcelo, quanto a tratar ou não deve-se sempre partir do pressuposto que mais da metade das mulheres que suspendem o tratamento contra depressão ao engravidar desenvolvem a doença com maior intensidade já no primeiro trimestre da gravidez. "O grande erro é negligenciar os sintomas e acreditar que, na ausência de melhora, tudo se resolverá com o passar da gravidez e puerpério", avisa. Pode haver atraso no desenvolvimento emocional, da linguagem e da cognição da criança, conforme o psiquiatra Henrique Bottura. Existe também o risco de a depressão na gestação comprometer a consolidação do vínculo materno-fetal determinante para a construção da identidade do indivíduo que nasce. "Ainda existem riscos para a mãe relacionados ao próprio quadro que podem envolver desde prejuízos no relacionamento conjugal chegando até ao suicídio", completa.

A depressão não cuidada negligencia o pré-natal e possibilita problemas coo aumento excessivo de peso, alteração nutricional, anemia e doenças específicas da gestação, como pré-eclâmpsia e diabetes gestacional. Para a psicóloga Gisele Taniguchi, ós-Graduada em Psicanálise e Saúde pelo Centro de Ensino e Pesquisa do Hospital Israelita Albert Einstein, qualquer evento que aumente o estresse da mulher durante o período gestacional pode afetar o desenvolvimento dos bebês, que tendem a nascer mais chorosos, irritadiços e com maior sensibilidade ao barulho e à luz. Em alguns casos, pode-se até mesmo encurtar o período gestacional, aumentando as chances de prematuridade.

Como é o tratamento? É possível adotar medicação sem prejuízo para o bebê?

Quando necessário, o tratamento medicamentoso é feito com antidepressivos. Alguns deles são bem conhecidos por não causarem malformações congênitas, assim como alterações de comportamento e de inteligência das crianças de mães que usaram essas medicações. O que é importante, nesse momento, é avaliar o risco-benefício da administração de uma medicação que pode afetar a saúde do bebê x bem-estar da futura mãe que poderá cuidar-se melhor durante a gravidez, o parto e a fase seguinte.

"Na minha prática como psiquiatra, quadros depressivos não tratados têm a chance de impactos negativos muito maiores do que os riscos de exposição do feto aos medicamentos. No entanto, o tratamento deve ser definido em conjunto entre os pais, o médico psiquiatra e o obstetra. "Já a psicoterapia é aconselhada e tende a ajudar muito, pois a futura mamãe pode valer-se dela para abordar medos, angústias, frustrações e quaisquer outros sentimentos direcionados às circunstâncias", fala Gisele.

Por que é importante procurar ajuda ao primeiro sinal?

De acordo com o obstetra Alexandre Pupo, a depressão tende a piorar em intensidade com o tempo. Logo, quanto mais tempo para iniciar o tratamento, maior será a dose de medicação para reverter o quadro. Outro ponto é que os antidepressivos necessitam de 10 dias para surtir efeito e deve-se sempre usar a menor dose possível durante a gestação. Por se tratar de uma doença que apresenta um grupo de sinais e sintomas cognitivos e difíceis de especificar, principalmente os iniciais, muitas vezes o diagnóstico pode ser adiado e, assim, o início do tratamento também o é. Assim, a grande importância de procurar ajuda desde os primeiros indícios reduz as possibilidades de desfechos desfavoráveis.

Como o parceiro, os amigos e/ou a família podem ajudar?

"Apoiando, sempre. É importante que a grávida se sinta acolhida, compreendida e não julgada", salienta a psicóloga Julia Bittencourt, especialista em psicologia perinatal e parentalidade. Quem convive com a gestante deve estimulá-la e até mesmo acompanhá-la em atividades de relaxamento como ioga, caminhada e massagem, entre outras. "Banalizar o quadro sugerindo que é 'coisa de grávida' ou 'tudo culpa dos hormônios' coloca a mulher em uma situação de frustração maior ainda, pois ela acredita que não consegue lidar com as suas emoções. Diálogo, empatia, companheirismo e ajuda profissional são o melhor caminho para apoiar a futura mamãe", destaca Gisele.

Como a mulher deve encarar a doença ao receber o diagnóstico?

Na opinião de Patricia Bader, psicóloga do Hospital São Luiz Itaim, em São Paulo (SP), o primeiro passo é compreender que ninguém se deprime voluntariamente —portanto, nada de culpa. Para ela, há muito romantismo em torno da maternidade que acaba atrapalhando as futuras mães. "Nenhuma mulher deve exigir de si mesma uma condição positiva ou se culpar porque está doente em pleno processo adaptativo de mudanças físicas, psíquicas, emocionais e sociais. Até mesmo a dificuldade de sentir o amor materno incondicional que a sociedade prega deve ser posta em xeque. Amor materno é um processo construído", diz a psicóloga. "Cada um sabe as belezas e desafios de sua jornada e de seu caminho. Procure entender o que você avalia como o mais adequado para o seu momento, compartilhe com quem você confia e siga o que vocês combinarem. Dar conta de todas as expectativas sociais é impossível e abalar-se por elas é injusto consigo mesma", pondera Gisele.