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Daniela Mercury não teme retrocessos: "Não me preocupa o que o governo diz"

Daniela Mercury em cena do clipe "Proibido o Carnaval", lançado na terça-feira (5) - Divulgação
Daniela Mercury em cena do clipe "Proibido o Carnaval", lançado na terça-feira (5) Imagem: Divulgação

Mariana Gonzalez

Da Universa, em São Paulo

06/02/2019 09h27

Daniela Mercury lançou na terça-feira (5) o clipe da música "Proibido o Carnaval" ao lado de Caetano Veloso, em que ela não economiza referências à comunidade LGBT -- chega a citar a Rebelião de Stonewall de 1969 contra a violência policial decorrente de homofobia, além de falar em "sair do armário" e dançar em uma cama com as cores do arco-íris.

A cantora ainda usa a faixa para questionar os posicionamentos do novo governo, em especial a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos Damares Alves, que em sua posse, em janeiro, declarou que "menino veste azul e menina veste rosa".

Para ela, Daniela parece responder: "Minha alma não tem roupinha/[...] O corpo é meu, ninguém toca/Vatapá, caruru/Iemanjá lá no sul/Vai de rosa ou vai de azul?".

A alfinetada nos representantes no poder chega menos de duas semanas após o deputado Jean Wyllys (PSOL), um dos poucos parlamentares que já se identificou publicamente como LGBT na história do país, anunciar que não tomaria posse de seu terceiro mandato e deixaria o Brasil por causa de ameaças de morte. E Jean não é o único: outros membros da comunidade se apressaram a realizar manobras desde as eleições para garantir seus direitos por medo de ataques homofóbicos.

Apesar do cenário, aos 53 anos, Daniela garante que não tem medo: "Se tentarem me barrar, vou achar uma brecha", diz em entrevista à Universa. A seguir, a baiana ainda fala sobre a importância do Carnaval em momentos de tensão política e sugere: "E do jeito que a coisa tá complicada, o Brasil precisaria de uns 12 carnavais, um para cada mês do ano".

Universa: No clipe, você faz uma crítica direta à afirmação da Damares Alves de que "meninos vestem azul e meninas vestem rosa". Por que escolheu retratar essa fala da ministra?
Daniela Mercury: A música já estava pronta quando decidimos incluir essa brincadeira no roteiro [escrito em parceria com a esposa de Daniela, Malu Verçosa, e Jana Leite]. Achei divertidíssimo ver as pessoas se manifestando contra esse conceito de "meninas vestem rosa e meninos vestem azul" das formas mais criativas possíveis. Essa foi a forma que encontramos de nos posicionar com ironia contra essa forma inaceitável de colocar as pessoas em caixinhas, limitar o espaço e construir limites tão conservadores. Sinceramente, não me preocupa tanto o que o governo tem ou não tem a dizer sobre as nossas vidas. Nós, enquanto sociedade, temos que pensar como queremos agir, para onde queremos caminhar. É como canta Caetano: "Você tenha ou não tenha medo, nego, nega, o Carnaval chegou".

E o Carnaval é um alívio neste momento de tensão?
Com certeza. O Carnaval nunca se fez tão necessário. Quem está desde setembro angustiado com os rumos do país precisa deste momento para colocar para fora essa tristeza, para recarregar as energias. E do jeito que a coisa tá complicada, o Brasil precisaria de uns 12 carnavais, um para cada mês do ano. Quem leva tudo muito a sério, não chega a lugar nenhum. É sobre isso que "Proibido o Carnaval" fala, se permitir colocar para fora tanta angústia, tanto medo.

Dani mercury - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

Durante a campanha presidencial, foi você a primeira a usar o termo "ele não" e a incentivar outras personalidades a gravar vídeos contra as propostas de Jair Bolsonaro. Agora, Jean Wyllys e outras lideranças LGBTs estão sofrendo ameaças. Você tem medo?
Não, não tenho medo nenhum. Se tentarem me barrar, vou achar uma brecha. Estou cantando ao lado de Caetano, que foi exilado. Como eu vou ter medo trabalhando do lado de pessoas que viveram a ditadura militar? Enquanto houver democracia, temos como nos proteger. Nós temos um Congresso Nacional funcionando. Podemos fazer críticas a ele, mas o Senado e a Câmara estão ali, de portas abertas. A situação não está legal, mas já esteve muito pior. Além disso, eu não estou sozinha. Eu me sinto protegida pelos meus colegas, pelos mais de 700 artistas que se posicionaram a favor da democracia durante a campanha presidencial, pelo movimento LGBT, pelos meus blocos de Carnaval, pela democracia.

Diante deste cenário de ameaças políticas, você acredita que as pessoas estão mais intolerantes, especialmente em relação às mulheres e à população LGBT?
Não vejo desta forma. É claro que um governo que propaga o ódio e a agressividade não faz bem para ninguém, muito menos para grupos que já estão vulneráveis. E também não podemos ignorar que o Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais no mundo. É difícil não pensar que estamos em uma guerra, eu sei. Mas eu prefiro acreditar nas pesquisas que mostram que o brasileiro está cada vez mais disposto a abraçar a diversidade. O que eu vejo é que as pessoas elegeram este homem que está aí por uma série de confusões, não porque querem tirar direitos da população LGBT como a possibilidade de casar ou adotar um filho, por exemplo.

Mas você sofreu uma série de ataques nas redes sociais por ser lésbica e por se posicionar politicamente durante as eleições, certo?
É verdade. Fizeram muitas fake news sobre mim, me ofenderam muito. Naquela época tinha vontade de processar 50 pessoas por dia.

Mas acabou processando só uma [o deputado estadual Sargento Isidório, que acusou Daniela Mercury de promover o "sindicato da viadagem" -- o processo ainda está em curso]. Por quê?
Vai contra o que eu prego. Eu canto sobre o amor e quero multiplicar só coisas boas. Eu estou nessa vida para educar, dialogar com as pessoas. Não é meu espírito sair processando. Mas quando vem a violência física ou verbal, a gente precisa recorrer a instrumentos jurídicos para se proteger e deixar claro que aquilo não é aceitável em um país livre.