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"Sou muçulmana e bissexual. O Islã é para todo mundo, inclusive para mim"

Evelyn Martins, 19, converteu-se ao Islamismo aos 16 anos, quando entrou em contato com a religião em um trabalho de escola - Arquivo Pessoal
Evelyn Martins, 19, converteu-se ao Islamismo aos 16 anos, quando entrou em contato com a religião em um trabalho de escola Imagem: Arquivo Pessoal

Natália Eiras

Da Universa

05/02/2019 04h00

A atendente Evelyn Martins, 19, de São Paulo (SP), descobriu muito cedo que era bissexual. Segura de sua orientação sexual, ela converteu-se ao Islamismo aos 16 anos. A jovem veste orgulhosamente o véu e é uma ativista pela causa LGBT dentro do Islã. Mesmo tendo sofrido ataques homofóbicos na internet de pessoas da comunidade, ela diz que sua sexualidade e religião são partes completamente diferentes de sua vida e, por isso, não vê nenhuma contradição em ser bissexual e muçulmana. Leia o relato Evelyn: 

"Eu sei que sou bissexual desde criança. Comecei a perceber que eu olhava para as meninas do mesmo jeito que eu olhava para os meninos. Os meus pais sempre tiveram a cabeça bastante aberta, então nunca me senti reprimida dentro de casa. Para mim, o esquisito era gostar apenas de homem ou apenas de mulher. 

Assumi a minha bissexualidade quando eu tinha uns 12 anos. Minha mãe lidou superbem, levou na brincadeira na época. Quando eu tinha uns 16, 17 anos, pouco antes de eu me converter ao Islã, eu reforcei isso e ela entendeu. Às vezes, ela faz umas piadas bestas, mas, para mim, o importante é ela me respeitar e me reconhecer. O meu pai não sabe até hoje. 

Mais ou menos na mesma época em que me assumi, comecei a pesquisar sobre a cultura do Oriente Médio e do Sudeste Asiático, porque eu era apaixonada pelas mulheres dessas regiões. Na época, conhecia o Islã por cima, mas já simpatizava. Até que fui estudar mais a fundo para um trabalho de escola e me apaixonei. Li o Alcorão e percebi que estava me sentindo bastante iluminada. Decidi, então, seguir o Livro

Quando coloquei o véu pela primeira vez, senti que as pessoas finalmente estavam me vendo do jeito que eu realmente sou. É uma autoafirmação. Esse ano, eu prometi a Deus que vou usar sempre o véu. Porém, a minha mãe é agnóstica, então ela não lida muito bem com isso. Eu entendo o lado dela. Ela tem medo que eu apanhe na rua por usá-lo. As pessoas me olham feio, ficam comentando. 

Além do preconceito das pessoas que acham que sou uma terrorista ou sentem pena de mim por eu andar coberta, há muita gente que não entende como posso seguir o Islã sendo bissexual. Mas eu não fico com meninas por questão religiosa ou ritualística, eu fico com mulher porque eu gosto de mulher. Não misturo a minha sexualidade com a minha religião. Eu sei separar bastante os dois lados. 

Tem uma coisa que eu falo para todo mundo: se for para seguir religiões abraâmicas [religiões monoteístas cuja origem comum é em Abraão] achando que as pessoas vão realmente te acolher, não siga. Tenha uma religião para encontrar uma luz e por amor a Deus. Por você mesmo. Por que cristão é homofóbico, o judeu é homofóbico e muçulmano também é. Eu sigo o Islã por causa de Deus. O ser humano pode ser ruim, mas eu não vou me afastar de Deus por causa de gente. 

As pessoas da minha mesquita não sabem da minha orientação sexual, mas porque eu mal frequento o lugar. Eu rezo em casa mesmo. Se eu quiser ver o sermão de sexta-feira, eu assisto online. Conheço duas meninas muçulmanas que não são LGBT que sabem que sou bissexual. Mas não ligo se mais alguém ficar sabendo. 

Por falar abertamente da minha orientação sexual, já recebi ataques homofóbicos de pessoas do Islã no meu Facebook. Foi aquele clichê de falar que Deus não gosta de quem sou, que é proibido, que é pecado. 

Mas eu não sou a única. Tenho contato com outros homens e mulheres mulheres islâmicos e LGBT pela internet. Eles são principalmente do Paquistão e dos Estados Unidos. A gente se conheceu por causa das hashtags nas redes sociais (#queermuslim #lgbtmuslim #queerislam #lgbtislam). Foi importante falar com outros iguais a mim porque, antes de me converter, eu nunca tinha me sentido estranha por causa da minha orientação. Porém, quando eu vi que a comunidade muçulmana era muito heterossexual, não sentia que pertencia a aquele lugar.

Eu me sentia muito diferente. Ao encontrar esse ativismo LGBT muçulmano, percebi que o islamismo poderia ser para mim também. Afinal, o Islã é para todo mundo, uma vez que a palavra de Deus não é apenas para um determinado povo. 

Acredito que Deus me fez, então ele gosta de mim. Deus ama até o pior dos pecadores. Então por que não vai me amar sendo que eu gostar de meninos e de meninas é uma coisa tão natural? A gente aprende que Deus é compreensivo."