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Lésbica não pega doença? Elas contam por que deixam de ir ao ginecologista

Beatriz só entendeu a importância de ir ao ginecologista quando foi infectada por HPV - Arquivo Pessoal
Beatriz só entendeu a importância de ir ao ginecologista quando foi infectada por HPV Imagem: Arquivo Pessoal

Talyta Vespa

Da Universa

30/01/2019 04h00

A primeira ida da estudante de medicina Marcela, de 23 anos, à ginecologista foi uma experiência que ela gostaria de esquecer. Desde então, a jovem não voltou em nenhum especialista, apesar de saber da importância da consulta para qualquer mulher, mesmo sendo lésbica. "Eu já sabia que era homossexual quando fui a essa consulta, mas nunca tinha transado. A ginecologista perguntou se eu era virgem e disse: 'Não ache que sua primeira relação sexual vai ser tipo filme pornô, que você vai ficar gritando de tanto prazer'". 

Eu disse que era lésbica e ela respondeu: 'Ah, mas entre mulheres nem sexo é'

Eu me senti desrespeitada e nunca mais voltei. Eu sou sexualmente ativa e não me cuido. Tenho medo, mas sempre desisto quando lembro que os profissionais de saúde não são preparados para lidar com a saúde da mulher lésbica. Isso despertou em mim a vontade de ser uma profissional diferente", conta. Veja outros relatos:

"Ouvi que é impossível duas mulheres transmitirem doenças"

nicole - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal

"Apesar de ser difícil encontrar um profissional que me entenda, não deixo de ir ao ginecologista. Desde os meus 13 anos, quando perdi a virgindade com um homem, passo por consultas uma vez por ano. Fiquei cinco anos com a mesma ginecologista, que acompanhou quando parei de me relacionar com homens para ficar apenas com mulheres", conta a mestranda em estudos de gênero Nicole Latorre, de 25 anos. 

"A diferença foi clara: quando me assumi lésbica, ela deixou de falar comigo sobre prevenção de ISTs (infecções sexualmente transmissíveis) e, quando a questionei, ouvi que 'é impossível duas mulheres transmitirem doenças'. Sempre que eu pedia exames de sangue complexos que pudessem identificar doenças, ela relutava em me dar. Depois dela, passei por mais cinco profissionais que, do mesmo jeito, ignoravam minha sexualidade", explica.

"O tio vai apertar seu peitinho agora"

"Faz dois anos que, finalmente, consegui encontrar um profissional que fizesse questão de me atender. Quando fui ao ginecologista pela primeira vez, aos 14 anos, acompanhada da minha mãe, foi um dos dias mais constrangedores da minha vida. Na hora do ultrassom das mamas, ouvi do médico que 'o tio vai apertar seu peitinho agora'. Fiquei traumatizada e só criei coragem de procurar um novo profissional aos 17, quando pedi para um amigo me acompanhar na consulta", relata a maquiadora Isabela, de 26 anos. 

"Dessa vez, seria uma mulher, o que me aliviou um pouco. Mas, na hora, o desespero foi o mesmo. Ela perguntou se eu e meu amigo éramos um casal e eu neguei, disse que sou lésbica. Ela respondeu: 'Tem certeza? Como você sabe se ainda é virgem?'. Não pediu exames nem cuidou das minhas cólicas. Ela não se importou. Aos 18, procurei outra e ouvi piadas na hora do Papanicolau. 'Vou pegar um espéculo menor porque esqueci que você não está acostumada'. Hoje, aos 26 anos, encontrei um médico que fosse respeitoso. Só não desisti porque sei que é importante", continua.

"Só voltei ao ginecologista porque contraí HPV"

beatriz - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal

A enfermeira Beatriz Furlanetto, de 21 anos, conta que o ginecologista que a acompanhava desde a infância nunca a deixou à vontade. "Ele sabia que eu me relacionava com mulheres, mas nunca se atentou a esse fato. Quando comecei a entender que ele não se importava, parei de ir às consultas. Como sou lésbica, achei que não precisava mais. Fiquei mais de dois anos sem me consultar e, em 2017, tive uma relação casual e contraí HPV".

"Fui a seis médicas e fiz quatro Papanicolaus em um intervalo de seis meses. Todos perguntavam se eu tinha transado com homens, já que, para eles, mulheres não transmitem ISTs. Ninguém se preocupou em saber minha rotina sexual. Um deles enfiou o espéculo em mim sem cuidado algum. Ele me machucou. A postura agressiva começou quando ele descobriu minha orientação sexual. Depois de muitas tentativas, encontrei um coletivo feminista que me atende muito bem", afirma.

"Tive que fazer cirurgia de emergência por falta de exames"

tainá - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal

A estudante de letras Tainá Oliveira, de 21 anos, conta que ouviu de especialistas que ficar com garotas é errado. "Passo por ginecologistas desde os 16 anos e nunca me relacionei com homens. Eu dizia isso aos profissionais com quem me consultava. Além de ouvir que ficar com garotas era errado, ninguém me pedia exames preventivos, mesmo eu dizendo que sempre tive ciclos desregulados, cólicas fortes e dores intensas nos seios antes de menstruar", diz.

"Sem nem me examinarem, tentavam me empurrar um anticoncepcional. Em três anos, troquei de médica nove vezes. Em 2018, conheci a ginecologista com quem me consulto hoje. Precisei de nove tentativas até achar alguém que se preocupasse comigo. No primeiro exame que fiz na vida, só porque ela pediu, descobrimos um nódulo na mama que precisou ser retirado com urgência. Foi uma cirurgia de emergência que poderia ter sido evitada se eu tivesse sido examinada anteriormente".

Riscos e prevenções

A ginecologista e coordenadora estadual de políticas para mulheres de São Paulo Albertina Duarte afirma que, por ano, são diagnosticados 58 mil casos de câncer de mama no Brasil, além de quatro mil casos de HPV. "Ainda, 60% dos casos de câncer de boca, laringe e esôfago são causados por HPV. Por isso, a prevenção é essencial. Em mulheres lésbicas, acontece duas vezes mais o diagnóstico tardio de câncer de colo de útero", explica.

"É um absurdo que médicos ainda não estejam preparados para atender mulheres homossexuais. Ginecologia não tem a ver com sexualidade, mas com o corpo feminino. Ele precisa ser cuidado", diz. Segundo Albertina, as mulheres também correm risco de transmitirem ISTs. "A penetração em casais homoafetivos acontece, normalmente, com o dedo. Se a mulher tiver um machucado na cutícula é o suficiente para transmitir bactérias para a vagina da parceira".

Por isso, elas precisam estar com os exames preventivos em dia e tomar alguns cuidados básicos. "Usar camisinha ou preservativo feminino na hora de usar vibrador é uma opção. O acompanhamento ginecológico pode evitar problemas mais graves", diz Albertina.