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Expulsão de Vanderson levanta a dúvida: o que impede a mulher de denunciar?

Denúncias contra Vanderson são casos supostamente ocorridos anos atrás - Reprodução/GloboPlay
Denúncias contra Vanderson são casos supostamente ocorridos anos atrás Imagem: Reprodução/GloboPlay

Ana Bardella

Colaboração para Universa

24/01/2019 12h41

A saída de Vanderson do BBB nessa quarta (23) levantou novamente a dúvida nas redes sociais: por que as mulheres podem levar anos para denunciar um relacionamento violento? A questão surgiu denúncias feitas por ex-namoradas do professor em delegacias ou redes sociais de importunação sexual, estupro e violência doméstica. Um dos relacionamentos aconteceu há 10 anos. 

Vanderson não foi julgado, está apenas prestando depoimentos. Ele inclusive se pronunciou nas redes sociais dizendo que as acusações são mentirosas. Parte do público ficou do lado das mulheres que o acusaram -- o que vinha inclusive aumentando sua rejeição dentro da casa --, mas outra parte desconfiou de denúncias tardias, o que é, aliás, uma constante em casos de violência doméstica.

No Brasil, a maior parte dos crimes de estupro e violência doméstica não chega a ser denunciada. A estimativa do Instituto Datafolha é de que 12 mil mulheres sejam vítimas de agressão por dia no Brasil. O número difere das queixas de violência doméstica registradas diariamente no país que, de acordo com a Segurança Pública, gira em torno de apenas 600. Com isso, a maior porcentagem dos casos fica oculta. O mesmo vale para o crime de estupro: a estimativa do Instituto Ipea é de que apenas 10% das vítimas cheguem a registrá-lo para as autoridades.

Agressores próximos

Ao contrário de situações como os assaltos, nos quais não existem vínculos com os responsáveis, grande parte das agressões e abusos são cometidos por pessoas próximas às vítimas. No caso da violência doméstica, acontecem em diferentes áreas da vida. "Geralmente se iniciam no nível das palavras. Depois, evoluem para a dependência emocional e podem assumir a forma econômica, física e sexual", explica Paula Negrão, psicóloga organizacional. A profissional também enfatiza que os crimes acontecem porque o homem acredita ter controle sobre a mulher.

Isolamento, medo e dependência

Paula afirma ainda que na maioria dos casos a vítima é isolada pelo agressor, que pode levá-la ao afastamento de parentes e amigos. "Além disso, podem existir dificuldades financeiras, preocupação com a imagem e medo das consequências da denúncia para seus filhos e entes queridos", completa.

Nos casos de abuso sexual doméstico, dois sentimentos causam grande impacto no psicológico da vítima: vergonha e culpa. "Se a violência partir de uma figura de autoridade, como pai, tio ou padrasto, torna-se mais difícil fazer a denúncia, uma vez que a mulher sente medo de ser desacreditada ou de perder seu lugar na família. Por isso muitas delas preferem não registrar o crime ou demoram a fazer isso, acreditando que a situação irá se normalizar", aponta Fernanda Caielli, psicopedagoga e sócia-fundadora da Connecta.

Consciência para romper o ciclo

De acordo com Paula, para fazer a denúncia e sair da situação de abuso é necessário romper com a ideia da soberania masculina. "A vítima precisa enxergar o cenário na qual está inserida e ter ciência de que não está sozinha na situação. Feito isso, o mais indicado é fazer a denúncia e procurar ajuda de um profissional da área psicológica. Dessa forma, poderá fortalecer a autoconfiança a fim de que estabelecer relações saudáveis no futuro".

Até quando a denúncia pode ser feita?

Vanessa Paiva, advogada, psicanalista e diretora-executiva do Instituto Paiva, explica que, pelo Código Penal, a denúncia de uma violação da lei pode ser feita até que ela atinja sua prescrição. O cálculo do tempo é baseado no máximo da pena para o crime. Como exemplo, cita as agressões consideradas leves (que não deixam sequelas corporais). "Elas rendem pena de até 3 anos. Logo, após esse período não é mais possível fazer a acusação", ressalta.

Demora atrapalha as investigações

Apesar das dificuldades, Vanessa relembra a importância de denunciar esses crimes: "Sem a perícia médica e o exame de corpo de delito, são necessários outros recursos, como vídeos, áudios ou testemunhas que possam falar sobre o ocorrido".

Se não for possível reunir evidências, o que passa a ser avaliado é a própria personalidade feminina. "Um ou mais profissionais da área de saúde mental analisam seu comportamento, buscando descobrir traços agressivos ou impulsivos", diz. Nessa fase, vizinhos e parentes também podem ser chamados como testemunhas, para ajudar na descrição da conduta. A especialista relembra: "Costuma ser desgastante passar por esses trâmites, por isso a importância da denúncia quando ainda existem evidências corporais".

Denúncias não-formais são um risco

Vanessa ressalta que quando uma mulher sofre agressão e decide expor o ocorrido nas redes sociais, identificando o agressor, a intenção pode ser proteger a si mesma ou alertar outras vítimas em potencial. No entanto, o ato pode ter consequências negativas, principalmente se não existirem provas da acusação. "Mesmo o relato sendo verdadeiro, o acusado pode entrar com um processo por calúnia, caso as afirmações não possam ser comprovadas", finaliza. Por isso, segundo a advogada, essa exposição não é recomendada.