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OAB considera "retrocesso" o veto ao nome social de pessoas trans em SC

Decisão prejudica especialmente transgêneros que não podem alterar o nome no registro civil, como crianças e adolescentes - Marcello Camargo/Arquivo/Agência Brasil/Agência Brasil
Decisão prejudica especialmente transgêneros que não podem alterar o nome no registro civil, como crianças e adolescentes Imagem: Marcello Camargo/Arquivo/Agência Brasil/Agência Brasil

Mariana Gonzalez

Da Universa, em São Paulo

19/01/2019 04h00

Menos de um ano após o STF (Supremo Tribunal Federal) ter decidido que transgêneros têm o direito de alterar o nome no registro civil em cartório, sem a necessidade de realizar cirurgia de redesignação sexual ou apresentar laudo médico, o governador de Santa Catarina, Carlos Moisés (PSL), vetou o Projeto de Lei 48/2017, que exige o reconhecimento do nome social e da identidade de gênero de pessoas trans em órgãos da administração pública do Estado -- entre eles, hospitais e escolas. 

A decisão, publicada na última segunda-feira (14) no Diário Oficial, pegou a comunidade LGBT de surpresa e foi considerada um retrocesso pela OAB de Santa Catarina. "O país está avançando e o Estado seguindo no caminho contrário", diz a advogada Margareth Hernandes, representante do órgão e especialista em direito homoafetivo e questões de gênero. Em seu entendimento, a decisão do governador tem base jurídica, mas está completamente equivocada. 

Procurado por Universa, o governador Carlos Moisés disse, por meio da assessoria de imprensa, que o veto se baseou em um parecer da Procuradoria-Geral do Estado, que considerou o PL inconstitucional porque, segundo o órgão, é competência da União legislar sobre direitos civis. 

Carlos Moisés - Theo Marques/Folhapress - Theo Marques/Folhapress
Carlos Moisés, governador de Santa Catarina eleito em 2018 pelo PSL
Imagem: Theo Marques/Folhapress

Consequências

Para a advogada, o argumento cai por terra uma vez que o STF já autorizou a mudança no registro civil no país e que a proposta do PL é garantir que pessoas trans que ainda não fizeram a alteração oficial possam ser chamadas da forma como se identificam.  

"Alguns homens e mulheres trans ainda têm dificuldades de alterar o nome no registro civil ou por questões burocráticas ou financeiras", lembra.

Alexandre Bogas, membro do Conselho Estadual de Direitos Humanos e diretor executivo da ONG Grupo Acontece - Arte e Política LGBTI+, atenta, ainda, para o fato de que se a pessoa for casada, divorciada ou tiver bens em seu nome o processo é bem mais longo, pois são mais documentos a sofrer alterações. "Temos casos de pessoas que estão há meses tentando fazer a mudança, que deveria ser simples", conta. 

Outro grupo especialmente prejudicado pelo veto de Carlos Moisés é o de crianças e adolescentes transgêneros.

Como, segundo a decisão do STF, apenas pessoas maiores de 18 anos podem solicitar a alteração do registro civil, a PL do nome social garantiria que pessoas trans menores de idade fossem chamados pelo gênero com o qual se identificam na escola, por exemplo. 

"Embora haja uma portaria do MEC (Ministério da Educação) que recomende a adoção do nome social por professores e funcionários da escola, as crianças e adolescentes trans ainda relatam que é raro ouvir o nome social na hora da chamada, por exemplo", conta Bogas. 

Próximos passos

Agora, o veto de Carlos Moisés segue para análise da Assembleia Legislativa, ainda sem data a para votação, que deve escolher entre manter a decisão do governador ou derrubá-la. 

Se o veto for derrubado, o PL torna-se lei e entra em vigor.

Como os deputados eleitos em 2018 tomarão posse apenas em 1º de fevereiro, Bogas acredita que o movimento LGBT terá dificuldades de se articular junto aos novos parlamentares. 

"Estamos conversando com deputados aliados à população LGBT e identificando os indecisos para convencê-los a votar pela derrubada do veto. Mas com certeza não será uma tarefa fácil, já que boa parte do corpo legislativo eleito vem de partidos conservadores", explica. 

Ele lembra ainda que Santa Catarina foi o estado do país com maior índice de votos ao presidente Jair Bolsonaro (do PSL, mesmo partido do governador) -- 76% da população -- e que, desde o primeiro turno das eleições, Florianópolis sofre com uma série de ataques à população LGBT, com dez pessoas agredidas só na primeira semana de 2019.

"Nós, da OAB, tememos que esse veto completamente inadequado, se for aprovado, faça crescer ainda mais o discurso de ódio vigente", lamenta Margareth Hernandes.