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Miss RJ terá candidata trans que entrou em concursos para ganhar cirurgia

Náthalie de Oliveira, 24, vai representar a cidade de Bom Jardim, do interior do Rio de Janeiro, no concurso que acontece no sábado (25) - Priscilla França
Náthalie de Oliveira, 24, vai representar a cidade de Bom Jardim, do interior do Rio de Janeiro, no concurso que acontece no sábado (25) Imagem: Priscilla França

Natália Eiras

Da Universa

19/01/2019 04h00

A primeira mulher transgênero a concorrer à faixa de Miss Rio de Janeiro, a modelo e youtuber Náthalie de Oliveira, 24, entrou para o mundo dos concursos de beleza, em 2013, para realizar um sonho. Não o de ser coroada como a garota mais bonita do mundo, mas para fazer a cirurgia de redesignação de gênero. "Sou de família muito humilde, então percebi que essa poderia ser a forma mais fácil de fazer a operação que me permitiu viver de forma mais feliz, mais completa", conta à Universa. Ex-estudante de enfermagem, Náthalie é a representante da cidade de Bom Jardim, no interior do Rio de Janeiro, no concurso que acontece no sábado (25), no hotel Hilton, na Tijuca. 

Sua trajetória começou em sua primeira participação do Miss T, concurso de beleza brasileiro para mulheres transgênero. O prêmio era a cirurgia de redesignação feita na Tailândia, país que é referência neste tipo de intervenção. "Fiz rifas e minha família fez feijoada beneficente para arrecadar dinheiro para eu alugar um vestido para participar do concurso", narra. "Eu ia atrás de patrocínios, mas, na época, as pessoas tinham a cabeça muito fechada aqui na minha cidade". Com a persistência e a delicadeza dignas de uma Miss, Náthalie insistiu e conseguiu a coroa em sua terceira participação, em 2015. A operação foi feita no ano seguinte, após ela participar do Miss International Queen, no país do sudeste asiático.

A luta pela coroa de Miss T fez Náthalie pegar gosto pelo mundo dos concursos de beleza. A partir de então, ela mergulhou em grupos sobre o assunto e a pesquisar outras competições para se inscrever. "Quando vi a [candidata transgênero] Ángela Ponce no Miss Universo 2018 fiquei ligada porque, se o maior concurso de beleza do mundo havia aberto espaço para mulheres transgênero, logo aconteceria o mesmo no Brasil", comenta. Logo descobriu que as inscrições para concorrer à Miss Rio de Janeiro ainda estavam abertas. "Mandei minhas fotos, respondi o formulário e logo recebi a confirmação de participação. Estou dentro", comemora. 

Para deixar claro que era uma pessoa transgênero, usou um espaço destinado para especificar possíveis intervenções estéticas. "Escrevi as operações que fiz. Não só a para corrigir a genitália, como a de silicone e o preenchimento de lábios", fala. Nenhuma das informações foi um empecilho para que a organização do concurso a colocasse como a representante de Bom Jardim (RJ).

"É uma forma de não me omitir"

Em um momento em que a cartilha para população transgênero foi tirada do ar pelo Ministério da Saúde e o governador de Santa Catarina vetou o uso de nome social em serviços públicos, a participação de uma mulher como Náthalie em um evento tradicional como o de Miss Rio de Janeiro é, de acordo com a própria candidata, "uma forma de não me omitir". "As minorias em geral precisam mostrar que se mostrar presente, dizer que fazem parte da população e que todos merecem a mesma qualidade de vida", afirma. 

"Quando eu falo dessas coisas até me dá um nó na garganta" --Náthalie se emociona. "Porque vivo diariamente como se eu estivesse em uma corte tendo que convencer o mundo de que eu existo". 

A modelo pretende usar a sua visibilidade para mostrar a realidade de mulheres transgêneros e cisgêneros -- que se identificam com o gênero que lhe foi designado no nascimento. "Quando me inscrevi, eu estava pensando em todas as pessoas que sofrem igual a mim", diz a candidata que, apesar de ter o apoio da família, conta que sofreu bastante com o bullying e o medo da agressão durante a adolescência. "Pensei nas mulheres trans e cis que não podem deixar suas comunidades por não terem uma oportunidade, porque tiveram suas vidas roubadas por um relacionamento abusivo ou pela violência" 

Ainda assim, Náthalie espera que seu desfile pela passarela do Miss Rio de Janeiro traga uma leveza para estas pessoas. "Minha participação é um suspiro para quem está apreensivo em relação ao atual cenário social", sorri.