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Violência doméstica: estas mulheres sobreviveram, mas com graves sequelas

"O primeiro ano que eu passei com ele foi ótimo. Mas, no segundo, ele começou a ser agressivo" - Getty Images
"O primeiro ano que eu passei com ele foi ótimo. Mas, no segundo, ele começou a ser agressivo" Imagem: Getty Images

Simone Cunha

Colaboração para Universa

16/01/2019 04h00

Espancamentos, queimaduras e outros tipos de violência, quando não matam, podem deixar marcas e impor limitações às vítimas, exigindo tratamentos caros e contínuos. Por isso, muitas mulheres têm recorrido a campanhas de financiamento coletivo. "Notamos um aumento na quantidade desse tipo de vaquinha. Porém, como boa parte dessas mulheres quer manter o anonimato, isso dificulta a arrecadação, pois o doador não consegue saber se a campanha é real", diz Cristiano Meditsch, diretor de marketing do site Vakinha. A seguir, algumas dessas vítimas contam suas histórias. Elas ainda buscam ajuda para se recuperar do imenso trauma causado pelos próprios companheiros.

"Ele arrancou minha orelha e parte do meu nariz"

Antes e depois de Talita Oliveira, 28, que perdeu orelha e parte do nariz - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Antes e depois de Talita Oliveira, 28, que perdeu orelha e parte do nariz
Imagem: Arquivo Pessoal

"O primeiro ano que eu passei com ele foi ótimo. Mas, no segundo, ele começou a ser agressivo. Quando quis terminar, ele aceitou. Três dias depois, voltou querendo ficar, mas eu não aceitei. Passaram-se mais uns dias e, na madrugada do dia 16 de novembro de 2017, ele reapareceu transtornado. Afirmava que havia outro homem na minha casa, entrou e vasculhou tudo. Peguei minhas crianças e corri para a casa da minha mãe, que fica na mesma rua. Lá pelas 6 horas da manhã ele voltou, eu saí correndo, mas ele me pegou. Me socou muito e tentou quebrar meu pescoço. De repente, enfiou minha orelha na boca e a arrancou com os dentes. Depois, conseguiu tirar parte do meu nariz. E fugiu. Eu peguei as partes e coloquei no gelo; pus uma toalha no rosto e saí em busca de ajuda. No hospital, soube que a orelha e a parte do nariz já estavam necrosadas. A orelha perdi, vou colocar uma prótese. No nariz, terei que fazer 15 cirurgias para que volte a ser como era. Já fiz quatro. É muito dolorido e traumático. Já passei noites chorando e fiquei muito abalada quando minha filha de oito anos não quis me abraçar, demonstrando medo por causa da minha aparência. Continuo com o tratamento, que ainda não tem data para acabar." Talita Oliveira, 28 anos          

"Perdi a mão direita e parte da mão esquerda"

Claudimara Daniela Gasparin, 38, sofreu um ataque com facão e perdeu mão - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Claudimara Daniela Gasparin, 38, sofreu um ataque com facão e perdeu mão
Imagem: Arquivo Pessoal

"Após um ano de relacionamento, decidi terminar, porque ele estava usando drogas e se tornando cada vez mais agressivo. Então, ele passou a me perseguir, pois não aceitava a separação. No dia 30 de agosto do ano passado, me viu no ônibus e, quando o motorista parou para uma menina descer, entrou com um facão. Ele queria me matar, mas enfiei minha cabeça debaixo do banco e tentei me proteger com as mãos. Mesmo assim, os golpes me acertaram: perdi a mão direita, três dedos e parte da mão esquerda e tive 11 cortes na cabeça. Perdi muito sangue e quase morri. No começo, sofri muito por causa da minha situação, fui afastada do trabalho e recebo pensão do INSS. Minha mãe veio morar comigo porque preciso de ajuda para comer, tomar banho e me vestir. Decidi fazer a campanha para conseguir adquirir uma prótese, o que me ajudaria a me virar sozinha e a ter mais qualidade de vida". Claudimara Daniela Gasparin, 38 anos

"Meus olhos foram afetados"

"Estávamos juntos há sete anos e, no começo, ele parecia ser bom. Mas, devido às dificuldades em São Paulo, vim morar no sertão de Pernambuco com o meu marido, pois a família dele é daqui. Ele já havia apresentado alguns episódios agressivos, mas quando chegamos aqui tudo piorou. Um dia, ele me deu um murro que lesionou meu maxilar. Já me bateu tanto que meus olhos ficaram afetados e me sinto acuada, até desenvolvi uma fobia social. Ele já foi embora de casa, mas vive na cidade e tenho muito medo dele. Não tenho ajuda de ninguém. Aqui, me dizem apenas que 'homem é assim mesmo'. Comecei a vender todas as minhas coisas para conseguir dinheiro e sustentar meus filhos, de 3 e 5 anos. Mas têm dias que não temos nada para comer. Ele não ajuda em nada e também já agrediu minha filha mais velha, de 20 anos. Tudo o que eu mais quero é sair desse inferno em que minha vida se transformou". Bernadete Silva*, 40 anos

"Ele colocou fogo em mim"

O ex-parceiro de Bárbara Penna, 24, colocou fogo nela - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
O ex-parceiro de Bárbara Penna, 24, colocou fogo nela
Imagem: Arquivo Pessoal

"Já fiz 224 cirurgias, mas ainda preciso de mais sete intervenções reparadoras, na cabeça, no olho, nas pálpebras, no pescoço, no braço, na axila, além de colocar uma outra prótese na perna. Tenho 40% do corpo repuxado devido às queimaduras. Também sinto dores fortes, porque meu ex me quebrou vários ossos. Mas nada me dói mais que a saudade dos meus filhos. Já estava separada quando ele pediu para ver os filhos, que tinham três meses e dois anos, na época. Mas chegou alterado. Discutimos, ele me espancou, jogou álcool em mim e colocou fogo. Sentindo uma terrível dor por causa das chamas, corri para a janela para pedir socorro. Então, ele me empurrou do terceiro andar. Apaguei. Fiquei em coma induzido e, após quatro meses, soube que meus filhos tinham morrido asfixiados pela fumaça. Nessa hora, me apeguei na luta por justiça. Fui me renovando, na medida do possível, e faço tudo para vê-lo condenado. Após cinco anos, ele ainda não foi julgado e já me ameaçou do presídio, dizendo que, quando sair, terminará o que começou". Bárbara Penna, 24 anos

"Minha filha não pode contar por si mesma"

"Minha filha foi espancada com socos e chutes na cabeça pelo ex-namorado, na porta de casa. Teve traumatismo craniano, o que paralisou todo o lado direito dela. A agressão aconteceu em agosto do ano passado e, desde então, a Paloma, que tem 22 anos, exige cuidados especiais. Usa fralda, precisa da minha ajuda para tudo, por isso, tive que sair do meu emprego. Infelizmente, ela não tem condições de falar por si mesma. Mas esse episódio transformou completamente as nossas vidas". Lenira Maria da Silva Nascimento, 56 anos, mãe da vítima

*Nome trocado a pedido da entrevistada