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Professora trans que tentou Senado engravida a mulher: "o nome será neutro"

Duda Salabert recebeu mais de 350 mil votos para o Senado de Minas Gerais nas eleições 2018 - Arquivo Pessoal
Duda Salabert recebeu mais de 350 mil votos para o Senado de Minas Gerais nas eleições 2018 Imagem: Arquivo Pessoal

Talyta Vespa

Da Universa

15/01/2019 04h00

Depois de se candidatar a uma cadeira no Senado -- ela foi a primeira transexual a tentar o posto na América Latina -- a mineira Duda Salabert começa o ano com outra notícia importante: vai ser mãe: sua mulher, a educadora Raísa Novaes, está grávida de três meses de Sol. Apesar de já saber o sexo do bebê, Duda, que não conseguiu se eleger, apesar do número alto de votos, e é professora de literatura em Belo Horizonte, prefere não revelá-lo: "Queremos evitar essa imposição de gênero violenta que reduz o ser humano a azul ou rosa", diz ela. A escolha do nome, de gênero neutro, foi outra preocupação do casal. 

Duda e Raísa são casadas há sete anos. Nos dois primeiros, Duda ainda se identificava como homem. O bebê do casal, que é biológico, foi feito durante a agitação da campanha eleitoral e, Duda conta que em sua certidão de nascimento constará o nome das duas mães. Para que Raísa pudesse engravidar, Duda interrompeu o tratamento hormonal que faz parte da transição de gênero. 

Eleições

A professora mineira de 37 anos foi a pessoa mais votada da história do PSOL de Minas Gerais, partido pelo qual se candidatou. Foram 351.874 votos no Estado, mais até que o candidato à presidência Guilherme Boulos, pelo mesmo partido, que foi escolhido por 50.587 mineiros, e que o deputado federal Aécio Neves (PSDB), eleito com 106.702 dos votos.

"Tive que fazer milagre. O partido disponibilizou apenas R$ 16 mil para a minha campanha. Precisei focar tudo em campanha pela internet", diz a professora. "Também tivemos sucesso porque demos preferência pela discussão de pautas estruturais, e não restritas ao movimento LGBT". A campanha, segundo Duda, foi baseada em educação, meio ambiente e diversidade. 

A transição de gênero e a recepção dos alunos 

Duda é professora de literatura há 18 anos em um dos principais colégios privados de Belo Horizonte. No primeiro dia que apareceu vestida de mulher na escola, há cerca de cinco anos, ela visitou classe por classe falando para os alunos sobre as mudanças pelas quais estava passando. E conta que foi aplaudida por eles. "Me receberam com afeto, respeito e carinho e foram a maior prova de que meu gênero não altera o processo pedagógico. Estou entre os professores mais bem avaliados do colégio". 

"Eles apenas ficaram curiosos. Alguns pais reclamaram porque há um estigma grande em torno da transexualidade. Eles não me conheciam, não eram meus alunos. Se tivessem tido aula comigo, não seriam preconceituosos. Se o Bolsonaro tivesse sido meu aluno, não teria o preconceito que tem", diz Duda, que foi alvo de xingamentos após publicar uma foto em seu Instagram vestindo uma camiseta que dizia: "professora, travesti, vegana e lésbica". 

"A imagem viralizou ao ser divulgada por grupos no Facebook da escola e fui alvo de críticas e ataques. Eles começaram a fazer avaliações ruins da escola por causa da minha permanência ali, e essa visibilidade negativa assustou alguns pais, que procuraram a direção para reclamar. No entanto, tive o apoio de centenas de outras pessoas e da própria escola. Quem se incomodou foi minoria", explica. 

"Falar de gênero nas escolas amenizaria a dor dos jovens trans"

O projeto Escola Sem Partido e as discussões que querem proibir o tema sexualidade nas escolas preocupam a professora. É a falta de espaço para falar de gênero, segundo Duda, que estimula a angústia dos jovens transexuais. "Não falar disso faz com que eles se sintam estranhos e sozinhos. Isso causa sequelas graves na vida dessas pessoas, traumas que elas levam para sempre. No meu caso, a falta de discussão fez com que eu vivesse 30 anos fingindo ser alguém que eu não era. A transexualidade está no código nacional de doenças, mas minha mudança de gênero não foi uma doença e, sim, minha cura".

O apoio da esposa, com quem está casada há sete anos, foi essencial para que o processo de transição fosse menos doloroso. "A gente sabe que o amor não tem gênero, que o amor é pela pessoa. Ela me amou e me apoiou". Quando se casaram, Duda ainda se identificava como homem. 

ONG que oferece educação gratuita para pessoas trans

Após a transição de gênero, Duda percebeu que precisava ajudar pessoas trans. Há quatro anos, ela criou a ONG Transvest, que oferece educação popular e gratuita para transexuais em Belo Horizonte. Lá, os alunos podem fazer cursinhos pré-vestibular, cursos de idiomas e aulas de defesa pessoal. Além disso, a ONG acolhe travestis em situação de rua. 

"Em Belo Horizonte, 6% dos transexuais foram expulsos de casa antes dos 11 anos de idade; 91% não concluíram o segundo grau e, no Brasil, 90% dos transexuais trabalham com prostituição. Queremos dar oportunidade a essas pessoas, que, muitas vezes, fogem de ambientes sociais por não serem respeitadas". 

Outro projeto de Duda é a Ala Rosa, espaço prisional para onde são enviados detentos LGBT no presídio de Joaquim de Bicas, em Minas. "Pela Transvest, ofereço apoio psicológico, jurídico, atividades artísticas e até serviços simples como comunicação com a família. Vou até lá pelo menos uma vez por mês com advogados, médicos e assistentes sociais". 

"Não sabemos o que é viver sem medo"

Duda diz que sente medo todos os dias. "A gente conquistou pouca coisa até agora e eu temo que percamos esses poucos direitos com o novo governo. Nossa principal pauta ainda é o nome e a identidade e, assim, há muito o que evoluir. Tenho medo de que haja um retrocesso, como o fim do uso do nome social, por exemplo", conta. 

A garantia do uso de nome social é um decreto do governo Dilma Rousseff. "São conta-gotas de humanidade que conquistamos."