Topo

Mães contam como foi congelar óvulos e ter o filho depois de alguns anos

Andrea Fortuna congelou seus óvulos para adiar a maternidade - Arquivo Pessoal
Andrea Fortuna congelou seus óvulos para adiar a maternidade Imagem: Arquivo Pessoal

Luiza Souto

Da Universa

14/12/2018 00h00

A consultora Nilza*, de 49 anos, sempre quis ter uma família, e adiou a gravidez até encontrar um parceiro com quem pudesse dividir a responsabilidade de criar uma criança. Nicole*, de 39, também queria a casa cheia, mas com medo do surto do zika vírus, em 2015, atrasou o plano. Cientes de que a medicina recomenda a gestação até os 35 anos, escolheram congelar os óvulos, processo em crescente no mundo, e hoje contam à Universa o que as levou a resgatar o material. Por ser um tema considerado delicado, elas pediram para omitir seus nomes nessa reportagem.

Congelou aos 41 anos; foi mãe aos 45

Mãe de um menino de três anos, Nilza conta que, apesar de ter tido bons relacionamentos, não enxergava que seus parceiros pudessem se tornar pais. Aos 41 anos e solteira, escolheu pelo congelamento do óvulo para se dar alguns anos para ter certeza do que queria.

Foram três anos de tratamento. Após os 35, a mulher tem uma redução grande de óvulos, e os médicos foram claros quanto às dificuldades pelas quais ela passaria. Durante esse processo, conheceu seu parceiro, e aos 45 decidiu que era chegado o momento. Hoje, o filho do casal tem três anos.

"Na avaliação dos médicos, minha recuperação foi mais rápida do que a de muitas jovens. Tudo depende de como você se cuida, e do quão grande é o seu sonho de ser mãe", aponta ela.

Sonho adiado por medo

Esse sonho da maternidade era grande também na farmacêutica Nicole, em 2015, quando completou dois anos de casamento. Mas, naquela época havia um surto de microcefalia por causa do zika vírus, e o casal decidiu congelar embriões: o óvulo dela e o espermatozoide dele.

Com a epidemia da doença controlada, ela diz que estava em um bom momento profissional no trabalho, e escolheu recuperar o material em setembro do ano passado. Hoje, o menino de Nicole já está com 5 meses. 

"Acho que teria tido mais pique se o gerasse há alguns anos, e minhas responsabilidades eram menores. Entretanto, só me senti preparada para ser mãe após os 35, quando já tinha feito a maioria das coisas", avalia Nicole. 

Boom de congelamentos

O relatório do SisEmbrio (Sistema Nacional de Produção de Embriões), produzido pela Anvisa este ano informa que em 2017 foram congelados 78,2 mil embriões no país, crescimento de aproximadamente 15% em relação ao ano anterior (66,6 mil). Em 2012, data mais antiga do relatório, foram 32,2 mil embriões guardados. O órgão não informa dados totais de óvulos congelados (é um número diferente do de embriões), mas aponta que em 2017 houve um total de 340,4 mil óvulos produzidos - não necessariamente congelados.

Adiar a maternidade tem a ver com a falta de um parceiro, segundo pesquisa da Universidade de Yale divulgada este ano. O documento constatou ainda que a falta de um relacionamento estável está entre os principais motivos para as mulheres buscarem uma clínica de reprodução. A ginecologista Thaís Domingues, especialista em reprodução humana da Huntington Medicina Reprodutiva, corrobora: a maioria de suas pacientes chega no consultório solteira, com o desejo de terminar os estudos e conquistar boa posição profissional antes de arranjar uma família.

Ela alerta, no entanto, que apesar do movimento crescente, a gravidez tardia pode apresentar mais riscos para a mulher como pressão alta e diabetes. "A natureza, infelizmente, não é justa conosco", decreta ela.

Para se ter ideia da procura, pegando como exemplo a Huntington, em 2014, eles receberam 402 pacientes dispostos a congelar embriões - 1,2 mil foram guardados naquele ano. Até outubro de 2018, quatro anos depois, o número havia quase triplicado: foram 1,1 mil interessados, e 2,7 mil embriões congelados.

Quanto aos óvulos, foram 130 mulheres que procuraram a clínica, e 786 óvulos congelados. Até outubro deste ano foram contabilizadas 255 mulheres e 1,3 mil óvulos congelados.

Seguro de vida

A anestesista Andrea Fortuna, de 35 anos, ainda não decidiu recuperar seus óvulos, congelados em 2015. Preocupada com a carreira, classifica a medida como um seguro de vida. "Tive medo de me arrepender da decisão de não ter filhos", justifica ela, que descobriu ter ovário policístico durante o tratamento e ainda enfrentou um câncer na tireóide após o procedimento. "Isso me assustou. A primeira coisa que pensei quando soube foi: 'que bom que congelei'".

Etapas

Ao procurar uma clínica especializada em reprodução humana, a mulher passa por exames e avaliações em que serão verificados os riscos de uma gravidez e a melhor época para a gestação.

Depois, a própria interessada aplica doses de hormônio com injeção na barriga por até 12 dias para a indução de ovulação. Após essa estimulação, os óvulos são retirados. O recomendável é que a mulher fique de repouso por dois ou três dias. Esse material é enviado para análise e os melhores são guardados.

O procedimento para congelar embriões custa, no mínimo, R$ 13 mil, e o de óvulos, R$ 18 mil, por ciclo. A paciente ainda desembolsa mil reais anualmente para manter o material guardado.

Tanto embrião como óvulo podem ficar congelados por mais de dez anos. O material que sobrar deve ser doado ou descartado. Nunca comercializado. Mas no caso dos embriões, o CFM (Conselho Federal de Medicina) determina o período mínimo de três anos para seu descarte, seja por vontade dos pacientes ou em situação de abandono. A decisão, segundo o órgão, é para manter o texto em sintonia com a Lei de Biossegurança. Se os donos do embrião quiserem, ou tiverem abandonado o material, eles poderão ser usados para pesquisa a partir do terceiro ano de congelamento. O paciente pode sempre escolher estender o prazo.

A idade máxima para participação como doador é de 35 anos para mulheres e de 50 anos para homens. Não é recomendável a transferência do embrião para mulheres com mais de 50 anos, a não ser que ela tenha boa saúde atestada pelo médico.