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Heloisa Buarque de Hollanda: "Meninas de 12 falam de feminismo o dia todo"

Heloisa Buarque de Hollanda, que lança o livro "Explosão Feminista" - Chico Cerchiaro/Divulgação
Heloisa Buarque de Hollanda, que lança o livro "Explosão Feminista" Imagem: Chico Cerchiaro/Divulgação

Camila Brandalise

Da Universa

04/12/2018 04h00

Heloisa Buarque de Hollanda, um dos nomes mais reverenciados do feminismo brasileiro, tomou um susto quando viu mulheres indo às ruas protestar contra um projeto de lei que dificultava o acesso ao aborto legal, em 2015. Outro susto, ao ver tantas hashtags surgindo em campanhas na internet contrárias ao assédio e à violência contra a mulher. “Não esperava ver outra geração de feministas empenhada em falar sobre esses temas. A minha falava sozinha.”

Com 79 anos, a professora de Teoria Crítica da Cultura da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e doutora em Letras -- que diz não ter parentesco com o cantor Chico Buarque --, dedica o livro recém-lançado “Explosão Feminista” (Companhia das Letras) à neta de 12. “Ela e as amigas só falam sobre feminismo, o dia todo.” Na obra, compila textos de artistas, escritoras, poetas e pesquisadoras, entre outros feministas, sobre as divisões do movimento atualmente, representadas por negras, indígenas, lésbicas, trans, protestantes, e suas respectivas reivindicações. 

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Em entrevista à Universa, Heloisa fala sobre a demonização das feministas, faz uma avaliação sobre a eleição do presidente eleito Jair Bolsonaro e explica por que feminismo não é coisa de esquerda.

Em seu novo livro, a senhora fala da “quarta onda feminista” e do “feminismo jovem”. Como as jovens mudaram o movimento no Brasil?
Elas já assumiram que existe violência contra a mulher e não permitem que isso seja relativizado. E conseguiram amplificar essa postura. Hoje, falou feminicídio, violência doméstica, essas garotas não deixam espaço para discussão. Um exemplo: a questão emblemática da minha geração foi o caso da Ângela Diniz, que foi assassinada pelo namorado, Doca Street. Na época, foi questionado pela opinião pública se ele não estava defendendo sua honra (a defesa argumentou que ele caiu “nas garras de uma mulher fatal”, afirmando que era um crime passional, cometido porque ela o fez agir contra sua natureza). Esse questionamento não teria espaço atualmente.

De garotas de que idade a senhora fala?
De 18, 20 anos. Que estão nas universidades, nos coletivos feministas. Mas as mais novas também são atuantes. As de 12, 13, já repercutem o feminismo na família. Questionam os pais, os irmãos pelos pensamentos que têm e que elas consideram machistas. Minha neta tem 12 anos, e é para quem dedico o livro. Vejo que ela e as amigas falam sobre feminismo o dia todo, entre elas e na internet. E aí também entra o papel fundamental das redes sociais, que coletiviza experiências. Se uma diz que foi estuprada pelo tio, aparecem outras milhares dizendo que também foram. Me surpreende, não esperava que viesse outra geração empenhada em falar sobre feminismo.

Por que não esperava?
Porque minha geração de feministas não fazia eco. Éramos parte do que ficou conhecido como “terceira onda”, da década de 1990. Tivemos avanços, mas nossas reivindicações eram institucionais: queríamos delegacias e secretarias de mulheres. Mas não havia seguidores, falávamos sozinhas. Quando vi essas mulheres se organizando, e muito jovens, tomei um susto. Principalmente a partir das manifestações de 2015, quando elas protestaram nas ruas contra o projeto de lei do então deputado Eduardo Cunha que restringe acesso ao aborto em caso de estupro (o PL 5069 está parado na Câmara dos Deputados desde outubro de 2015, época das manifestações). De repente, surgiram meninas de toda parte falando sobre feminismo. 

Como a participação dos meninos faz diferença?
Eles não falam essas bobajadas que homens falam, elogios que constrangem as mulheres. Muitos jovens já estão com outra cabeça, é bonito vê-los se envolvendo e falando sobre feminismo.

Neste ano, foram eleitos candidatos que se dizem conservadores e que atacam o feminismo. Como fazer para o movimento deixar de ser demonizado?
Precisamos usar mais a palavra 'direitos'. Não há uma ideologia de gênero, como dizem os conservadores. O que temos como bandeira são direitos reconhecidos na Constituição. Mas o feminismo sempre foi demonizado. É natural. Se estão criticando, é porque estamos atingindo os pontos certos, estamos incomodando. Chamam feminista de lésbica, mal-amada, dizem que é coisa de esquerda. Isso me chateou quando eu tinha 18 anos, hoje, não mais.

O feminismo é um movimento de esquerda?
Não. Fazem essa associação porque a esquerda hoje sinaliza um perigo. Atribuir perigo ao feminismo, como disse, não é de hoje. No passado, eram as bruxas. Tem muita feminista de esquerda, sim, mas também tem de direita. Na verdade, em vez de direita e esquerda, prefiro dividir entre conservador ou progressista, aí posso dizer que o movimento feminista é progressista. No livro, há um capítulo sobre feminismo protestante, com mulheres que não se consideram de esquerda, mas são progressistas.

Em uma entrevista concedida em abril ao jornal “Zero Hora”, a senhora disse ter a impressão que Jair Bolsonaro “não emplacaria”. Qual sua opinião sobre ele agora, depois de eleito?
Ele emplacou porque soube escutar as redes sociais. Foi exemplar. Ouviu o que era dito desde as manifestações de junho de 2013: não queriam os partidos de sempre, ele rejeitou todos; pediam moral e defesa da família, ele colocou isso em seus discursos. Eu não tive a capacidade de escuta que ele teve.

Acredita que direitos já garantidos às mulheres podem ser retirados com o novo governo?
Sim. Não sei dizer exatamente quais mas, se acontecer, é do jogo. A energia coletiva que as feministas têm hoje e a possibilidade de se manifestar contra essas situações não vão acabar.

O último capítulo do livro traz textos de feministas veteranas, e a senhora se refere a esses artigos como “um sinal de alerta”. Alerta para quê?
Para que as feministas atuais, mais jovens, saibam que outras mulheres vieram antes delas. Conversando com as moças, percebi que elas sabem que houve um feminismo pujante no passado, mas que não foi amplificado. E elas precisam saber o que dizem as antecessoras para ter uma perspectiva histórica. Pretendo dar um curso de extensão para discutir clássicos do feminismo. Essas mulheres têm muita energia, e, ao dar repertório, dou também instrumentos políticos poderosos. Aí é uma explosão.