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Ela nasceu na Maré, abriu empresa na Europa e vende livros a 4 continentes

A empresária Vanessa, da "Livro for kids" - Lucilene Rehberg
A empresária Vanessa, da "Livro for kids" Imagem: Lucilene Rehberg

Marcos Candido

07/11/2018 04h00

A carioca Vanessa Pfeil, 39, nasceu em Nova Holanda, uma das favelas do complexo da Maré, no Rio. Nos anos 90, foi colega de classe da vereadora Marielle Franco, na primeira turma de alunos do curso pré-vestibular da região. Assim, formou-se em administração e hoje é dona da “Livros For Kids”, distribuidora na Alemanha que distribui neste ano mais de 4 mil exemplares brasileiros infantis por mês em países da Europa, Estados Unidos, Ásia e Austrália.

A empresa comercializa os livros a famílias brasileiras que moram no exterior e desejam que os filhos aprendam português. Vanessa mantém pontos de venda pelo mundo e uma rede de distribuidores -- especialmente mulheres, que recebem comissão pela venda, grana que os ajuda a se manter no exterior. Parte do faturamento da empresa ainda é destinada a ONGs no Brasil e em Senegal.

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Um pouco de sorte

Claro, chegar nesse resultado não foi fácil. “É dificílimo sair da espiral da pobreza que temos no Brasil. Para dar certo, precisamos combinar uma série de fatores e também ter sorte. Muitas vezes, mesmo querendo e indo atrás, ter sucesso é difícil. A gente da favela é ignorada pela sociedade e pelo estado. A diferença é que eu tive uma mãe que lutou por mim e pessoas que me olharam. Não acredito em meritocracia”, diz.

Vanessa vive há dez anos na Alemanha com o marido alemão. Antes de mudar para lá, a empresária manteve uma imobiliária na Maré. O primeiro empreendimento a ajudou com as contas e a sustentar a família que permaneceu no Brasil.

Ela entrou no ramo de livros quando veio visitar a família, há dois anos, e retornou para a Alemanha com 200 títulos infantis na bagagem. Mãe de gêmeos de seis anos, ofereceu as obras a mais famílias de amigos que residem no exterior. Foi um sucesso de buscas e pedidos. Assim, Vanessa vendeu quatro quitinetes que ainda mantinha na Maré e investiu R$ 120 mil para começar a empresa.

O pulo do gato

Ela adotou a estratégia de oferecer um custo menor pelas obras. Os livros vão para a Europa de navio. A Livros for Kids mantém exclusividade com as editoras. A compra fica bem mais barata para o cliente final saindo da Alemanha do que se viesse direto do Brasil. Assim, se há frete, são apenas locais. E a tabela de preço de cada obra é ajustada de acordo com a economia do país onde está sendo revendida. 

“A logística do Brasil para qualquer lugar do mundo é complicada e encarece muito. Muitas vezes, o produto chega avariado e falta excelência", diz. O galpão que abriga os livros fica na Alemanha e também entrega pedidos feitos pela internet.

A empresa distribui livros para Europa, Estados Unidos, Ásia e Oceania - Lucilene Rehberg/Divulgação - Lucilene Rehberg/Divulgação
A empresa distribui livros para Europa, Estados Unidos, Ásia e Oceania
Imagem: Lucilene Rehberg/Divulgação

A distribuidora trabalha com um acervo de clássicos infantis, como Monteiro Lobato e Maurício de Souza, e autores contemporâneos de literatura infantil. Além disso, oferece material para alfabetização em português, obras bilíngues e de cultura brasileira. O alvo são crianças e jovens de 0 a 17 anos. Para facilitar na logística e nas negociações, Vanessa mantém um contrato com 12 editoras brasileiras.

Ajuda a ONGs

A empresária não abre o faturamento -- “não prezamos somente o lucro, mas também aumentar a autoestima do brasileiro espalhando nossa cultura pelo mundo” -- mas compartilha o dinheiro com a caridade.

A “Livro for Kids” destina 10% de tudo que é vendido a três projetos sociais: o FARO Maré, projeto de alfabetização no complexo carioca de favelas; o pré-vestibular comunitário Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (CEASM) e o Instituto Dorcas, que alfabetiza mulheres adultas no Senegal, na África.

“Eu, como mulher, negra, feminista e vinda de umas favelas mais perigosas do Brasil, cresci necessitando de ajuda e contei com uma série de fatores. Vi gente brilhante que não teve o mesmo suporte. Minha missão primordial é saber que, com minha iniciativa, há pessoas ganhando para pagar as contas”, conclui.