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Adiar uma separação por causa dos filhos: isso realmente faz bem a eles?

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Imagem: amriphoto/IStock

Heloísa Noronha

Colaboração com Universa

06/10/2018 04h00

É uma situação bem comum, sobretudo entre pais de crianças pequenas ou pré-adolescentes, ver casais que já não se entendem há postergar ao máximo o divórcio justificando a preocupação com a reação dos filhos. Alguns alegam esperar a passagem de datas significativas para eles --Natal, aniversário, recuperação escolar, formatura-- para tomarem a iniciativa. Só que, em muitas famílias, os anos passam e a separação nunca acontece --não porque o par se reconciliou, mas porque ainda não tomou coragem de dar uma guinada na vida. Para a maioria, a intenção de poupar os filhos é mesmo genuína. Mas, segundo especialistas, as consequências não são tão positivas como imaginam.

Um processo de separação não acontece de uma hora para outra, obviamente, tampouco as crianças, mesmo as menorzinhas, são incapazes de perceber quando algo estranho acontece em casa. "Elas têm sensibilidade e percebem muito bem o clima à sua volta. Estão atentas aos olhares, às conversas e até mesmo às palavras não ditas. Ou seja, mesmo com os pais morando sob o mesmo teto, as crianças notam que são dois estranhos convivendo juntos", afirma Deborah Moss, neuropsicóloga especialista em comportamento infantil e mestre em Psicologia do Desenvolvimento pela Universidade de São Paulo (USP). 

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Por isso, de acordo com Deborah, o momento da notícia sobre término do relacionamento é, para os filhos, a validação em palavras de algo que já estava acontecendo no dia a dia. "Apesar da tristeza e da frustração diante do comunicado, eles podem até sentir alívio. Afinal de contas, adiar algo dessa magnitude pode ter um custo emocional muito alto para todos os envolvidos", afirma.

Além da tendência à instauração de um clima cada vez pior na família, com direito a brigas e discussões que acabam com qualquer tentativa de manter o ambiente minimamente saudável, podem haver cobranças futuras dos pais para com os filhos, alegando que se sacrificaram ao manter uma relação infeliz para criá-los no modelo de família tradicional. Em contrapartida, os próprios filhos podem sentir o peso de terem sido os responsáveis pela infelicidade do pai ou mãe, já que ambos se mantiveram casados por eles. Esse peso não deve ser colocado na conta de ninguém.

É importante mencionar que o modelo familiar ensinado aos filhos numa situação assim está bem distante de algo sadio: o que há de positivo em ver duas pessoas que não queriam mais estar juntas e que se obrigaram ficar "unidas" para criar os filhos? "Um ambiente com brigas, ofensas e hostilidade não precisa ser mantido apenas para que a presença física seja constante", pondera a psicóloga Cinthia Santiago, do Rio de Janeiro (RJ), que atua como terapeuta de casal e família.

Poupar a criança não é privá-la de suporte emocional

Pais brigando na frente da filha, pais discutindo na frente da criança, pais brigando, criança ouvindo briga, menina ouvindo discussão - Getty Images - Getty Images
Imagem: Getty Images

Cinthia ressalta que adiar decisões importantes e que mexem na estrutura da família nem sempre é a decisão mais saudável, principalmente após datas marcantes como Natal ou aniversários. "Há o risco de a criança associar negativamente a época dessas comemorações ao fato", comenta. Para a psicóloga e coach Raquel Mello, especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental, lidar com os filhos num momento tão delicado como o divórcio é um desafio, mas precisa ser encarado.

"O primeiro ponto a ser pensado pelo casal é: 'quanto de prejuízo esse relacionamento tem trazido ao meu filho?'. Muitos casais pensam em como a criança ficará após a separação, porém é importante refletir primeiro como a criança está hoje. Sendo assim, esperar para se divorciar por causa do filho não faz sentido", avalia.

A sugestão do psicólogo Aurélio Melo, mestre e doutor em Desenvolvimento Humano pela USP, é sempre conversar francamente com os filhos sobre a separação sem deixar de levar em conta a ida deles. "O mais importante é deixar claro que as coisas vão mudar. Haverá perdas, sempre, mais isso não significa abandono nem desamparo", pontua. Afinal, o casal deixa de ser marido e mulher, mas nunca pai e mãe da criança --e isso deve ficar muito claro para ela. Ela não está perdendo ninguém e precisa estar ciente de que todos precisam ser felizes nas relações afetivas.

Os especialistas são unânimes em afirmar que a forma menos dolorosa de uma família passar por um divórcio é passá-lo juntos. "Ou seja, é preciso apoiar a criança nesse momento, escutá-la e validar suas emoções. Ela pode sentir raiva, tristeza, medo, e os pais deverão ouvir e acolher. Um erro muito comum é fingir que está tudo normal, como se nada fosse mudar, e que o filho deve ficar alegre e feliz. A percepção infantil vai além das palavras, portanto, mesmo que os pais não falem, muitas vezes ela percebe e pode ter reações negativas ao ficar sem espaço para falar e validar suas emoções", observa Raquel. 

Essas reações, é claro, dependem também do modo como os pais vão trabalhar sua relação e a relação com o filho antes, durante e após o divórcio. Aumento na agressividade, medos excessivos de separação, isolamento emocional ou carência exagerada são sintomas que podem surgir. Segundo Raquel, eles são naturais e representam a forma que a criança encontra para expressar suas emoções. "Só falamos em um eventual prejuízo emocional se a frequência e intensidade aumentarem, daí a importância do acompanhamento dos pais", conta.