Topo

Maya Gabeira "venceu medo" após recorde na mesma praia em que quase morreu

Reprodução/Facebook
Imagem: Reprodução/Facebook

Daniela Pessoa

Colaboração para Universa

04/10/2018 04h00

Há cinco anos, as ondas violentas da Praia do Norte, em Nazaré, Portugal, quase mataram a surfista Maya Gabeira, de 31 anos, filha do jornalista Fernando Gabeira, ex-deputado federal pelo Rio de Janeiro. A carioca foi retirada inconsciente do mar, por um jet-ski, após despencar de cabeça de uma altura de 24 metros. Quebrou um tornozelo e passou por duas cirurgias na coluna.

Em janeiro de 2018, após dolorida recuperação longe d'água, a atleta domou a fera num regresso triunfante. Na mesma praia que quase tirou sua vida, Maya bateu o recorde mundial na categoria feminina do esporte ao surfar um turbilhão de 20,72 metros de altura. Na segunda-feira (1º), o feito foi enfim registrado no Guinness Book.

Veja também

Trata-se da primeira vez que uma surfista, mulher, figura no famoso Livro dos Recordes. A big rider (como são conhecidos os atletas que surfam oscilações gigantescas, do tamanho de prédios) falou à Universa sobre o sonho realizado.

A onda gigante de Maya Gabeira em Nazaré - Bruno Aleixo/Divulgação - Bruno Aleixo/Divulgação
A onda gigante de Maya Gabeira em Nazaré
Imagem: Bruno Aleixo/Divulgação

Por que o reconhecimento demorou tanto?

O recorde demorou a sair porque a categoria feminina era nova no Guinness, precisava ser inaugurada. Quando percebi que a coisa não estava andando, eu criei uma petição e reuni quase 20.000 assinaturas que me ajudaram muito. Acho que a categoria estava nos planos da Liga Mundial de Surfe, mas eles não tinham urgência. Então, eu comecei a batalhar para acelerar o processo.

O que passou na sua cabeça naquele dia, quando você percebeu que surfou a maior onda do mundo?

Foi um dia especial aquele 18 de janeiro de 2018, esperei muito por ele. Sabia que seria um dia de ondas perfeitas. A manhã estava supergelada, fui para a água às 7h20 com o céu ainda clareando. Demorei três horas e meia para achar a onda. Quando eu a vi, sabia que ia ser importante e me concentrei para completá-la. Não queria cair, porque sabia que seria monstruosa. Foi emocionante finalizá-la.

Após o acidente, pensou em desistir do esporte?

Na verdade, não. Mas eu sabia que teria vários desafios para voltar a surfar uma onda gigante. Eu não tinha certeza se isso seria possível, pelas questões físicas e pelo trauma psicológico, mas o meu sonho de entrar para o Livro dos Recordes fez com que as dificuldades fossem superadas e eu continuasse trabalhando em direção ao objetivo, mesmo sem saber se conseguiria um dia alcançá-lo. Venci o meu medo.

Sua família tentou manter você longe do oceano para te proteger?

Não, a minha família incrivelmente me apoiou e nunca me questionou. Acho que eles até tiveram vontade de pedir para eu mudar de rumo, e sofreram com toda a situação, mas seguraram a onda e continuaram do meu lado sabendo que era o que eu queria fazer.

Teve pesadelo na noite antes de bater o recorde exatamente na mesma praia do acidente?

Eu tenho vários pesadelos, há noites em que meu sono é mais turbulento. Mas, antes do recorde, não tive nenhum sonho. Quando eu tenho uma boa performance, normalmente é porque eu consegui dormir bem.

Quantas horas treinou, por dia, para realizar esse feito?

Além do próprio surfe, faço um treino de seis dias por semana em que me exercito entre uma hora e meia e três horas por dia.

Como é ser mulher nesse esporte?

É um desafio, porque na maioria das vezes você acaba surfando no crowd, ou seja, um ambiente com muitas pessoas. Quanto tem onda, tem surfista e, às vezes, 100% são homens. Então, a disputa diária de onda é com eles, e é difícil competir por esse espaço. Já ouvi algumas coisas maldosas, muitas críticas em relação à minha performance, à minha técnica e aos meus motivos de estar ali [Maya trocou as sapatilhas de balé pela prancha aos 13 anos de idade]. Mas o surfe feminino profissional está crescendo muito. Cada vez mais as mulheres têm apoio para seguir em frente e evoluir.

E como é ser mulher no Brasil em comparação a outros países, já que você roda o mundo em busca das melhores ondulações?

Ser mulher na Europa é mais fácil, porque lá se leva uma vida mais tranquila, com mais qualidade. No Brasil, é difícil ser mulher, homem, qualquer coisa. Não estamos passando por uma boa fase.

Você é #EleNão, campanha das mulheres contra Jair Bolsonaro?

Não participei da campanha, mas não votaria nele. Então, eu devo ser #EleNão.

Você venceu seis vezes a categoria feminina de Melhor Surfista do XXL Awards, espécie de Oscar do surfe, e foi ainda a primeira atleta a desbravar o mar do Alasca. Qual o seu próximo sonho a ser conquistado?

Ainda não parei para estabelecer os próximos objetivos, mas continuo treinando e surfando.

Que recado você deixa para as mulheres?

Continuem lutando pelos seus sonhos, porque são eles que nos impulsionam para frente, e isso é o mais importante.