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Danielle Dahoui sobre assédio: "Encosta em mim e enfio a faca no teu bucho"

Arte UOL
Imagem: Arte UOL

Talyta Vespa

Da Universa

14/09/2018 04h00

Quem vê o olhar penetrante e a cara de brava não imagina que Danielle Dahoui quer mais é se divertir. A chef de cozinha e apresentadora, de 49 anos, é a única mulher no mundo que apresentou o programa de culinária "Hell’s Kitchen", transmitido pelo SBT até 2016. A versão original do reality show, comandada por Gordon Ramsay, traz gritos, xingamentos e pressão. Com Danielle à frente, em uma versão mais light, só sobrava a pressão. “Por mais que eu não seja carrasca, vários participantes já desmaiaram de nervoso durante o programa”, conta.

Danielle comanda o bistrô Ruella, que tem três charmosas casas em três bairros de São Paulo. Além disso, estreia no dia 15 de setembro o reality show "BBQ Brasil", também no SBT, um programa todinho dedicado à feitura de churrasco.

Nesta entrevista, Danielle fala da experiência na TV e com as caçarolas. "No geral, quando nós mulheres nos impomos, ouvimos de homens que precisamos ser comidas ou que somos sapatão. E se eu fosse, qual seria o problema?", dispara Danielle, tal qual um maçarico. 

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No "BBQ Brasil", os espectadores podem esperar uma Danielle mais calminha?
Mais? Eu sou muito calma, era, inclusive, no "Hell’s Kitchen". Eu não xingava nem jogava as panelas no chão, como os outros apresentadores. Xingar é ultrapassado. Os participantes e os meus funcionários me respeitam sem que eu imponha medo. No "BBQ", vou fazer críticas construtivas e elogiar quando merecido.

Por que você é a única mulher que apresentou o "Hell’s Kitchen" no mundo?
É um programa supermachista. Como tem essa ambientação de pressão, rola o estigma de que a mulher não consegue segurar a bronca, se posicionar, criticar o cara apenas com um tom de voz sério. E, no geral, quando nos impomos, ouvimos de homens que precisamos ser comidas ou que somos sapatão. E se eu fosse, qual seria o problema? O universo da gastronomia é tão machista que preciso me masculinizar para ser respeitada. E eu dou uma dica a todas as mulheres: seja o que você quiser, só não chore. Se você chorar, eles vão te zoar.

E você, claro, não chorava, certo?
Eu esperava chegar em casa para chorar. Quando tinha 23 anos, comecei a trabalhar na cozinha. Era a única mulher. Sofri muita pressão porque, como eu era novinha, meus colegas achavam que eu desistiria pela pressão. Viram minha tatuagem de gato nas costas e me deram vários coelhos sem cabeça para eu limpar. Você já viu um coelho sem cabeça? É igual a um gato. Eu chorei de soluçar, mas limpei todos. Naquele momento, pensei: “Nunca mais vou chorar e dar esse gosto a esses filhos da puta”.

Como você bota homem machista no devido lugar?
Às vezes vou a eventos e, chegando lá, os participantes me ignoram. Eu grito: “Cheguei! Se vocês não me respeitarem, eu vou embora”. Aí ficam pianinhos. Muitos homens mostram fotos e vídeos pornográficos na minha frente e fazem piadas de baixo nível. Eu só aviso. “Mulher não é um pedaço de carne, seus babacas. Vou mostrar a foto de um pintão maravilhoso para vocês verem o que é bom”.

Quais são as duas melhores histórias de bastidores do "Hell’s Kitchen"?
Um dos participantes colocou fogo em tudo. Queimou a comida, a panela, a mesa e precisamos até chamar os bombeiros. Outra já desmaiou de tão nervosa. Eu morria de pena. 

Sua equipe tem 100 homens e 20 mulheres. Qual o motivo dessa diferença?
Escolho pela competência, não pelo gênero. Na minha equipe, tem travesti, homossexual, pessoas de diferentes religiões e deficientes físicos. Todos por competência. Se mandam mal, tão fora. Além disso, não coloco nenhuma funcionária para trabalhar à noite porque, mesmo São Paulo sendo a capital da gastronomia, tem pouco ônibus de madrugada.

Quais são suas melhores recordações do relacionamento com o Raí (ex-jogador, ex-namorado e pai da filha dela)? E as piores?
Namoramos durante seis anos. Antes dele, me casei três vezes e tinha certeza de que não queria mais homem morando na minha casa. Foi um relacionamento lindo, éramos e ainda somos muito amigos. A pior parte era a fama dele, a gente não tinha privacidade na rua. E a melhor lembrança foi o nascimento da nossa filha. Como nunca tive pai, vivi pela primeira vez um relacionamento entre pai e filha, e era lindo. Eles são muito amigos, o Raí é um pai excepcional. Até me sentia um pouco filha dele

Dos 100 melhores restaurantes do mundo, apenas cinco são comandados por chefs mulheres. O motivo é (só) machismo?
O júri é predominantemente masculino e os rankings são feitos por quatro, cinco pessoas. Além disso, nesses prêmios, rola muito lobby e troca de favor. É engraçado, porque a maioria dos restaurantes que ganha prêmio fecha no ano seguinte. Parece maldição. Em uma previsão bem otimista, as mulheres ocuparão metade desse ranking em cinco anos. Isso, claro, se nada brecar a busca pela igualdade, porque tem um louco que quer governar o Brasil e diz que mulher tem que ganhar menos porque engravida. Ele nasceu de quê? De chocadeira?

Quantas mil vezes você já foi assediada?
Nossa.... Principalmente no começo. Tentavam me encoxar dizendo que estava apertado. Eu gritava: “Encosta de novo que te dou uma facada no bucho”. Acho que não teria coragem de fazer isso, mas precisava falar, ameaçar, me impor. Funcionava.

Você cozinha coisa complicada todo dia ou faz arroz, frita um frango e tá beleza?Eu só faço comida complicada em casa se for para conquistar alguém. Gosto de comida fácil, simples e gostosa. Adoro um feijão com arroz e também como junkfood. Minha comida preferida é nhoque. Eu e Noah sempre cozinhamos juntas. É fácil e delicioso.

Você faz 50 anos na semana que vem. Quais são as coisas boas dessa idade?
É muito louco. Me imaginava com 50 anos de coque, já parando de trabalhar. Mas só melhorou. Não tenho mais a mesma ansiedade e insegurança da juventude. Sei o que quero, dificilmente perco a paciência e estou bem melhor sexualmente. Só vi coisas boas no envelhecimento, tirando o corpo, que caiu, ficou uma merda, era melhor aos 30. Mas, como não enxergo muito bem, é só não colocar os óculos para me olhar no espelho. Namoro um homem de 27 anos.  Uma maravilha. Homem novo não tem filho, não tem ex, não tem encheção de saco, não quer casar. É leve, é diversão e curtição. Eu acredito que a vida é uma grande brincadeira e vence quem se divertir mais.