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Ex que persegue: quando ele representa perigo e como se proteger?

Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Heloísa Noronha

Colaboração com Universa

11/09/2018 04h00

Querer reatar um relacionamento rompido é um direito básico de qualquer pessoa. Afinal de contas, todo mundo pode errar, fazer uma escolha equivocada ou experimentar sentimentos contraditórios, colocar um ponto final numa relação e se arrepender.

Ou, numa conversa amigável e sincera, tentar convencer aquele que deu o fora de que ainda vale a pena continuar o romance. No entanto, o direito da outra parte também deve ser respeitado, principalmente se ela não quiser voltar às boas. Quando a insistência passa a incomodar ou, pior, a amedrontar, é hora de tomar cuidado.

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Segundo especialistas ouvidos pela Universa, o fato de a gente ainda viver numa sociedade machista e patriarcal --em processo de mudança, felizmente-- acaba contribuindo para que muitos homens passem a infernizar a vida das ex ao serem rejeitados.

"A maioria não sabe perder", declara a psicóloga clínica Joselene L. Alvim, de Presidente Prudente (SP). Em outras palavras, o orgulho e a honra falam mais alto do que os sentimentos. Ela afirma que o término é sempre um processo difícil e cada pessoa lida com isso de uma maneira diferente. Há quem busque outros relacionamentos, outros canalizam sua energia para o trabalho ou em alguma outra atividade. "E existem os que desejam reatar, não porque exista amor, mas porque a pessoa não se conforma em perder a outra. É comum também o ciúme e o sentimento de posse emergirem nesse momento. Daí, o comportamento será invasivo e insistente, não respeitando o desejo alheio", completa.

Muitos dos sujeitos que atormentam a ex já eram abusivos durante a relação. "E não querem abrir mão da 'liberdade' que o relacionamento permitia de colocar para fora sua agressividade", conta a psicóloga Lidiane Silva, do Rio de Janeiro (RJ). Muitos agressores afirmam ter sentimentos como paixão ou amor pela vítima, mesmo que sua visão ou seus conceitos estejam deturpados. "Dependendo da personalidade, e até mesmo do nível intelectual, pode haver uma manipulação das emoções da mulher para que ela o aceite de volta. Um comportamento típico é fazer com que a mesma acredite que ela foi a responsável pela separação, exemplo clássico que ainda acontece no dia a dia", salienta Lidiane.

São vários os exemplos de atitudes insistentes e invasivas: ligar para o celular ou para a casa da ex de madrugada, aparecer de supetão no trabalho dela, enviar presentes e flores exageradamente, perseguir ou vigiar em qualquer momento ou ambiente, pedir ajuda para parentes e amigos mediarem uma possível volta, mensagens de texto via redes sociais ou por telefone etc. Variações de humor, principalmente nas mensagens, são um sinal de alerta: em uma hora, o cara envia um áudio agressivo com ameaças; pouco tempo depois, muda o discurso e faz declarações de amor como se nada tivesse acontecido.

"A necessidade de controle de quem quer voltar é tamanha que a pessoa faz coisas para prejudicar a vida do outro, como difamar e até ameaçar fisicamente, dizendo que vai matar", fala Joselene.

Se você já disse "não", essas ações exigem atenção --principalmente se algum tempo tiver se passado. "O homem já está demonstrando que não respeita os limites e as regras, que de certa maneira, você impôs", diz a psicóloga Claudia Melo, do Rio de Janeiro (RJ). É bom lembrar: a insistência descontrolada pode oferecer risco à integridade da mulher, trazendo consequências negativas para todos que estão envolvidos na situação do rompimento, principalmente filhos.

"Toda pessoa que pratica a violência psicológica tem mais probabilidade de reagir às suas frustrações com outros tipos de violência, como a física. Na maioria dos casos, há uma ameaça verbal do que pode ser praticado caso a pessoa não ceda às suas vontades ou não permita uma nova chance. A partir da ameaça, a atenção deve ser redobrada", declara Lidiane.

Saiba como se proteger

  • O primeiro passo, segundo Claudia, é deixar claro para o ex que você está percebendo a violência --sim, toda perseguição configura violência psicológica. "E é interessante deixar tudo isso documentado por escrito ou em áudio, pois são documentos e provas", diz Claudia.
  • Procure apoio de alguém da sua família que o ex respeite. Não desperdice a chance de ele ouvir e acatar o pedido dessa pessoa.
  • Peça ao porteiro do seu prédio ou do seu trabalho para impedir a entrada da pessoa no local.
  • Não fique muito tempo sozinha em ambientes desprotegidos.
  • Troque a rota do trabalho ou da faculdade, eventualmente, além de deixar cientes as pessoas de confiança para onde vai, onde ficará e até mesmo quanto tempo se ausentará.
  • É importante não ceder a chantagens. Muitas vezes, o antigo companheiro sabe coisas íntimas sobre você ou fotos, por exemplo, que podem constrangê-la e usa isso como forma de ameaça. 
  • A partir do momento em que a mulher se sente acuada, ameaçada e até mesmo constrangida com a postura do ex procurá-la em lugares indevidos, pode pedir orientação de um advogado para analisar a situação", sugere Lidiane.

O que dizem os advogados

"É importante procurar a polícia e registrar um Boletim de Ocorrência, de preferência numa Delegacia da Mulher. É possível requerer medidas protetivas, como a proibição do ex se aproximar a certa distância ou se comunicar com a mulher, entre outras. Esses pedidos serão analisados com urgência por um juiz de direito", explica Cátia Ribeiro Vita, advogada e sócia-proprietária do escritório CRV Advogados Associados, no Rio de Janeiro (RJ).

Depois disso, segundo ela, deve-se procurar a Defensoria Pública ou contratar um advogado particular para cuidar do caso, que sempre contará com a participação do Ministério Público. "Não é necessário apresentar prova para denunciar ou requerer medida protetiva, mas é claro que elas são essenciais para a condenação do agressor no processo criminal. Por isso, ao primeiro sinal de que seu ex pode se tornar um caso de polícia, seja precavida"

Como a Justiça opera nessas circunstâncias?

Primeiro, instaura-se um inquérito. Desde o início do processo --que será julgado, podendo o agressor ser preso-- ou mesmo após o seu término, a Justiça pode e deve determinar medidas que protejam a integridade física e psíquica da mulher, explica Cátia.  "O agressor pode ser proibido de se aproximar da ex-parceira, ou mesmo de se comunicar com ela, seja por qual meio for. Também pode ser impedido de ver os filhos ou de frequentar lugares que normalmente a mulher frequenta."

Perseguição

De acordo com Fabrício Posocco, advogado, professor universitário e sócio-proprietário do escritório Posocco & Associados Advogados e Consultores, antigamente, a prática de stalking era entendida como uma contravenção penal, prevista no artigo 65 do Decreto-lei 3.688/41, sobre perturbação à tranquilidade. Atualmente admite-se não somente a questão como delito de “ameaça”, como a possibilidade de aplicação das medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha.

"Se a perseguição ocorre pela internet, 'printe' as conversas. A justiça vem reconhecendo, atualmente, o direito das mulheres de não serem stalkeadas, concedendo medidas protetivas de afastamento do agente stalkeador e até mesmo admitindo processos de ordem civil, buscando indenização por danos morais pela perseguição. Também são possíveis processos criminais buscando a punição penal."