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Formada em letras e motorista de caminhão: "mulher trabalha no que quiser"

Camila, em treinamento: motorista de caminhão sem se importar com estereótipos - Divulgação
Camila, em treinamento: motorista de caminhão sem se importar com estereótipos Imagem: Divulgação

Roberta Figueiras

Da Universa

04/09/2018 04h00

Mesmo tendo cursado Letras, dirigir sempre foi a verdadeira paixão de Camila Fernanda Pinto, que trabalhou como motorista de carro e de van desde os 18 anos. Porém, ser mulher já foi uma barreira na hora de ser contratada.  "Fiz o processo seletivo em uma  transportadora e me disseram que não me aceitariam porque o serviço era pesado demais para uma mulher", conta.

O caso abalou Camila, mas não a impediu de continuar tentando. “Hoje piloto um caminhão fora de estrada que carrega 65 toneladas. Isso é motivo de muito orgulho para mim e para minha família. Sou um exemplo real de que lugar de mulher é onde ela quiser”,  diz, aos 35 anos.

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Esse tipo de relato não é incomum entre as 33 mulheres contratadas pela Vale para operar equipamentos de mina. “Essas carreiras são tradicionalmente masculinas, então havia uma dificuldade de atrair candidatas. As mulheres não se viam como capazes e percebemos que isso precisava mudar. O tema de igualdade de gênero pode parecer antiquado, mas ainda não foi superado. Não dá para parar de falar enquanto a gente não resolver o problema”, explica Desiê Ribeiro, gerente executiva de desenvolvimento e gestão de talentos da Vale.

Percebi que era minha chance

O próximo passo foi a criação do projeto Talento não tem gênero, que usava uma comunicação direcionada ao público feminino, com imagem de mulheres pilotando equipamentos de grande porte, para atrair mulheres para o processo seletivo. A iniciativa teve efeito. “Quando vi o anúncio percebi que seria minha chance. Aproveitei e agora quero ser um exemplo para outras pessoas”, afirma Camila.

Mesmo com políticas inclusivas, algumas empresas ainda encaram desafios na hora de abrir mais espaço para as mulheres em todas as funções. “O problema está bem antes, nos assentos das escolas técnicas. As mulheres não estão se qualificando como mecânicas, eletricistas, soldadoras etc. Então, precisamos trabalhar em uma mudança de comportamento indo em escolas e universidades para mostrar às meninas que elas são capazes de assumir qualquer função”, defende Desiê.

A divisão de profissões também está na cabeça nas mulheres

Essa divisão entre atividades masculinas e femininas ainda é muito forte no imaginário, inclusive das mulheres, que muitas vezes internalizam essas barreiras. “Fiz engenharia, então sempre fui minoria nos ambientes de trabalho, apesar de não ter consciência clara disso. Foi só quando fui convidada a liderar o Grupo de Afinidades de Mulheres na empresa que me dei conta de como eu era machista e entendi o quanto é importante conversar sobre a participação das mulheres no mundo corporativo”, relata Suellen Thome Gaeta, gerente de certificação e cumprimento de produto da Cummins.

Quando o debate se amplia para outras minorias, a desigualdade é ainda mais gritante. É o exemplo das mulheres negras, que ganham 60% a menos do que homens brancos. “A representatividade é um grande desafio. Os negros, principalmente mulheres, olham para grandes coorporações e acreditam que não há lugar para eles. As empresas precisam mostrar que têm espaço para diversidade”, diz Cida Bento, coordenadora do Centro de Estudos de Relações de Trabalho e Desigualdade. 

Benefícios da inclusão

A promoção da igualdade de gênero no local de trabalho é uma das prioridades da ONU Mulheres, que, através da criação dos Princípoios de Empoderamento das Mulheres (WEPs), conseguiu que diversar empresas se comprometessem com o tema. “A diversidade é um fato, mas incluir isso no negócio é uma escolha.  Adaptar-se às diferentes visões e experiências traz muitas vantagens, inclusive financeiras”, garante Janet Awad, gerente geral da Sodexo Latam.

Para Maria Victoria Giuliette, coordenadora regional do programa GanhaGanha pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), os estudos realizados na construção do projeto comprovam essa percepção. “Quando há um aumento da participação de mulheres na empresa, os resultados melhoram”, atesta. Segundo estimativa da OIT, se mulheres e homens tivessem o mesmo salário e oportunidades iguais no mercado de trabalho, o PIB mundial cresceria 26%. Isso significa que igualdade entre gêneros gera riqueza.

Fernando Fernandes, CEO da Unilever Brasil, diz que a inclusão também é uma questão de bons negócios. “Se as mulheres prosperam, o negócio prospera. Afinal, elas representam a maioria dos nossos consumidores. Precisamos ter mulheres dentro da companhia para entender as necessidades e desejos desse público”, justifica. A empresa, que se orgulha de valorizar todo o tipo de beleza e a autoestima feminina na comunicação de produtos, têm repensado como a questão de gênero deve estar presente também nas marcas masculinas. "No passado, divulgamos alguns de nossos produtos a partir da objetivação sexual da mulher. Paramos com isso e não foi nada fácil, mas era necessário", conta. 

Respeitar as mulheres nos materiais de marketing e comunicação da empresa é uma questão abordada pelos princípios estabelecidos pela ONU Mulheres e pelo Pacto Global. Entre eles ainda estão, a responsabilidade de pessoas em cargos de liderança por promover a igualdade de gênero; o tratamento justo a mulheres e homens no trabalho, respeitando os direitos humanos e sem discriminação; a garantia de saúde, segurança e bem-estar de todos; a promoção de educação, capacitação e desenvolvimento profissional das mulheres; e outras medidas para apoiar o empoderamento feminino.