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Dançarinas do funk contam como é a rotina, quanto ganham e negam machismo

Bastidores de um clipe do Mc Ruzika, que ainda não foi lançado, com participação da dançarina Laís Leal - Acervo pessoal
Bastidores de um clipe do Mc Ruzika, que ainda não foi lançado, com participação da dançarina Laís Leal Imagem: Acervo pessoal

Breno Damascena

Colaboração para Universa

09/08/2018 04h00

O funk supera, diariamente, a rejeição e se consolida como um dos gêneros musicais mais populares do Brasil. Antes segmentado a comunidades periféricas, o ritmo se tornou um negócio multimilionário, com MCs, DJs e produtoras construindo verdadeiros impérios. No entanto, apesar do catálogo quase interminável de superproduções, raramente um clipe se priva de estampar mulheres com corpos esculturais em vistosas coreografias.

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Não demorou, então, para que diversas pessoas resolvessem mergulhar de cabeça neste universo. “O funk, na minha vida, se tornou um trabalho. Tenho gravação quase todos os dias. Só neste ano já fiz mais de 25 clipes”, diz a dançarina Laís Leal. “Uma amiga me indicou, a produtora gostou e me incluiu no banco de atrizes. Dependendo do MC, ganho de R$ 200 a R$ 400 por dia de gravação”, explica.

Laís Leal - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Laís Leal
Imagem: Acervo pessoal

Vencedora do concurso Miss Bumbum Roraima em 2014, Laís, com 25 anos, se diz acostumada aos holofotes, entretanto, admite que não gostava de participar dos clipes quando começou. “Sentia que era dar um passo para trás na minha carreira de modelo e atriz, porém estava numa fase bem difícil. Ia só pelo cachê e pela mídia. Agora eu gosto mais. Abriu muitas portas para mim. Mas ainda prefiro atuar do que ser bailarina”.

A estudante de produção audiovisual Izabella Fernandes, de 22 anos, sempre gostou de dançar, mas também enfrentou dificuldades. “Na primeira gravação, estava com muita vergonha, não consegui agir naturalmente. Com o tempo, foi se tornando comum”, relembra. Desde então, ela largou o emprego fixo como professora de zumba para gravar, no mínimo, três clipes por semana e fazer presença VIP em baladas.

“Tive experiências boas e ruins como dançarina de funk. Eu não gosto de rotina, então, estar sempre em lugares diferentes, conhecendo pessoas novas e trabalhando de forma descontraída é ótimo para mim. Porém, algumas gravações são bem cansativas. Passamos algumas horas sem comer ou temos que esperar demais até a produção começar a se organizar. Já participei de clipes que demoraram apenas quatro horas e outros que tivemos que ficar mais de 12 horas no local”, comenta.

Rafaela Sobreira - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Rafaela Sobreira
Imagem: Arquivo pessoal

Com o crescimento deste mercado, a concorrência também aumentou. Para participar do clipe “Me Solta”, do cantor Nego do Borel, a estudante de Educação Física anos Rafaela Sobreira, 20, conta que enfrentou uma audição com mais de 200 dançarinos disputando 43 vagas. Dona de um canal no Youtube com cerca de 200 mil inscritos, ela se queixa que ainda há resistência ao ritmo no país. “É um meio muito criticado. As pessoas percebem mais as coisas ruins que as boas. Deviam deixar esse preconceito de lado”, diz.

“Sou completamente apaixonada pelo que faço e espero crescer muito”, continua Rafaela, que participou de três clipes durante a carreira. “De todos os ambientes que frequento é onde menos vejo machismo. Nunca fui maltratada. Já pensaram que eu era garota de programa, mas, querendo ou não, nós somos bonitas, temos um corpo bonito. Vieram perguntar na boa, nada absurdo”.

Já Izabella relata que passou por situações mais incômodas. “Uma vez, o diretor queria que o MC batesse na bunda das meninas e me recusei a fazer a cena. Ele falou que eu estava com frescura e que não me queria mais nos elencos dele”, conta. “Somos pagas para dançar, sorrir e fazer o trabalho de acordo com os nossos limites, ninguém deve ser obrigado a fazer nada a mais”.

Izabella Fernandes - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Izabella Fernandes
Imagem: Acervo pessoal

“Infelizmente, existe machismo e desigualdade no funk. Isso fica nítido até pelas letras das músicas”, afirma Izabella. “A mulher deveria, sim, ser mais valorizada e respeitada no meio, mas acredito que isso ocorre não só por culpa dos homens, mas também pela postura de algumas mulheres, que acham natural serem tratadas como objeto. A mudança de postura deve partir dos dois lados. Quando você dá liberdade para algo, mostra que aquilo não te incomoda”, finaliza.

A opinião dela é endossada por Laís. A dançarina diz que, apesar do cuidado da produção durante as gravações, já presenciou hostilidade. “Os produtores não deixam ninguém encostar ou se referir a gente de forma grosseira. A única vez que eu vi era uma daquelas meninas que não se dão ao respeito. Se acontecer comigo, a coisa fica vai ficar estranha”, complementa.

Ela relata que, ao contrário do que muitos pensam, os funkeiros não costumam seguir o que as letras falam. “Alguns são realmente idiotas, mas, na maioria, são pessoas simples, humildes e fazem você se sentir em casa. Existem os funks mais pesados, mas o MC canta uma coisa e, às vezes, faz outra completamente diferente. Canta aquilo porque dá dinheiro na favela, na balada. Alguns têm até vergonha de cantar”.

Mesmo com as cifras exorbitantes que o mercado movimenta, elas demonstram certo receio quanto ao futuro da profissão. “Está sendo uma fase boa, porém temporária. Tenho outros planos e metas para o futuro”, comenta Izabella. Laís continua: “Esse não é meu sonho, é um caminho que estou seguindo. Uso o meio dos clipes para ser reconhecida e isso me abrir outras portas. Enquanto eu tiver beleza, vou ter tempo. Quando começar a embarangar, fodeu”.