Quem são as mulheres que pedem a descriminalização do aborto em Brasília
O Museu da República foi tomado por mulheres de diversas regiões do país nesta sexta-feira (3). Lá, acontece o Festival Pela Vida das Mulheres, com palestras, shows, comidas e muitas rodas de discussão, que vai até segunda-feira (6), quando acontece a segunda audiência pública para discutir a audiência sobre aborto no STF (Supremo Tribunal Federal).
A Universa conheceu a psicóloga Cristina Roberto, de 63 anos, com bandeiras e broches a favor da medida. "Sou mãe solteira de quatro filhos. Foi uma situação que eu decidi enfrentar, mas só a própria mulher sabe o peso que ela aguenta", diz.
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A primeira gestação da brasiliense aconteceu quando ela tinha 24 anos e, o pai, 19. "Ele me disse que era uma criança e que não tinha idade para ser pai. Sumiu. Tive gêmeas, e ele só as conheceu quando completaram dez anos", afirma.
A sorte não foi das mais amigas de Cristina. Ela se casou novamente, mas engravidou na última vez que transou com o marido. "Estávamos nos separando e eu engravidei. Ele foi embora, eu não tinha emprego, muito menos profissão. Minha vida acabou", conta a psicóloga. "O primeiro aborto quem faz é o homem. A gente precisa defender o direito das mulheres sobre o próprio corpo e a própria vida".
Segundo ela, a criminalização do aborto não impede mulheres de interromper a gestação. "Quem quer fazer, faz. Precisamos parar com essa hipocrisia de achar que quem decide sobre a vida delas são os engravatados com salários altíssimos no tribunal. O que eles sabem sobre a vida da mulher pobre e negra da periferia? Nunca importou".
"Ninguém gosta do aborto"
Mãe de dois, a paulistana Janaína*, de 55 anos, diz já ter feito um aborto. "Ninguém gosta do aborto. É uma dor física e psicológica, é uma culpa que a gente leva para o resto da vida, por sermos ensinadas que é pecado", conta. "Mas, eu não tive escolha. Meu namorado à época disse que não queria saber de criança. Me agrediu diversas vezes e fugiu".
Janaína fez uso de medicamentos e teve uma hemorragia. "Tinha 20 anos e estava sozinha. Tive medo de ir para o hospital e ser presa. Chamei uma amiga em quem confiava e ela me ajudou a cuidar das complicações. Eu tive sorte. Imagina quem não tem?".
A fisioterapeuta decidiu ser mãe e, no ano passado, ajudou a filha, de 20, a interromper a gravidez. "Ela tomava anticoncepcional direitinho, se protegia. Nem todo método é 100% eficaz. Ninguém quer a descriminalização do aborto para sair abortando. A gente quer ter oportunidade de decidir sobre nosso futuro quando todo o resto falhar".
Mãe por opção
Com a pequena Helena, a fotógrafa Tatiana Reis, de 33 anos, cantava e dançava no Festival. "Essa audiência fala sobre o futuro da minha filha também. Não posso perder a chance de estar aqui", diz.
Apesar de apoiar de forma consistente a descriminalização do aborto, a brasiliense acredita que jamais interromperia uma gravidez. "Não posso garantir, mas, hoje, não acho que conseguiria. Mesmo assim, sei que é necessário. É uma questão de saúde pública", afirma.
Em relação ao sucesso da audiência, a fotógrafa, de imediato, diz ter esperança. Depois, fica na dúvida. "Na verdade, não sei se tenho esperança. Estamos vivendo uma onda de conservadorismo assustadora. Às vezes, sinto que, por causa dela, vai ser impossível avançar nessas questões. Eu sinto muito medo do futuro".
Segundo Tatiana, o aborto não é apenas descriminalizado, mas também legalizado, para mulheres ricas. "Quem morre é mulher pobre quando tenta abortar no desespero. E as que optam por continuar a gravidez não têm apoio algum do Estado".
Tatiana se emociona ao falar da filha, que hoje tem um ano e dez meses. "Não me imaginaria vivendo sem ela. Mas essa é a minha vida, não a de todas".
A crítica na música
Após agitar o Festival com batuques e letras críticas ao machismo e à homofobia, a musicista Lídia, de 31 anos, abriu uma cerveja e seguiu com a passeata até o STF. Ela faz parte do grupo de mulheres Tambores de Safo. "Somos todas sapatão e cantamos sobre feminismo. A descriminalização do aborto é uma pauta recorrente entre nós. A gente sabe que a mulher, principalmente a negra e periférica, é preterida pelo Estado", diz. "É difícil aceitar pautas como essa no Brasil, já que a gente ainda é vista essencialmente como reprodutora".
Uma conquista que, hoje, parece impossível, não desanima Lídia. "Eu não sei se vamos avançar nesse assunto agora, mas precisamos fazer barulho. Não adianta desistir da luta. Se o Supremo quiser, realmente, analisar a necessidade de descriminalizar o aborto, a gente consegue. O problema é que sempre há interesses maiores por trás das decisões".
"A gente vê que está rolando uma onda de retrocesso por aqui, como essa ideia de proibir educação sexual na escola. É mais uma forma de tirar da mulher a propriedade do próprio corpo. Só que agora, estamos unidas. Não vamos aceitar menos que nossos direitos".
'Vim escondido dos meus pais'
A estudante de Direito mineira Jéssica*, de 22 anos, juntou uma grana para conseguir vir até Brasília neste fim de semana. "Disse aos meus pais que faria um trabalho para a faculdade", conta à Universa. "Eles são contra a descriminalização do aborto, e, todas as vezes que tentei debater o tema com eles, acabamos brigando. Eles são evangélicos e não conseguem entender qualquer outro ponto de vista", afirma.
Hospedada na casa de uma amiga, a jovem lamenta não poder participar de todos os dias de evento. "Volto para casa no sábado, mesmo. Mas, só de estar aqui, me sinto realizada. É muito importante lutar pelos nossos direitos. A gente sabe que vivemos tempos sombrios", conta.
"Espero que, futuramente, não precisemos estar aqui. Que todas as mulheres tenham acesso ao aborto seguro e que educação sexual chegue às periferias. Estamos plantando essa semente agora".
*Os nomes utilizados nesta reportagem são fictícios e visam preservar a identidade das personagens
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