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Enfrentando transfobia, ela se vira para continuar no universo dos games

Olga, jogadora Trans de Counter Strike - João Castellano/UOL
Olga, jogadora Trans de Counter Strike Imagem: João Castellano/UOL

Breno Damascena

Colaboração para Universa

30/07/2018 04h00

Olga Rodrigues está inserida em ambientes tradicionalmente hostis. Mulher trans, ela é jogadora profissional de Counter-Strike: Global Offensive, um dos esportes eletrônicos (eSports) mais populares do mundo. No entanto, foi na vida real, ao conviver diariamente com o preconceito no País onde mais se mata transexuais e travestis, que ela aprendeu que viver era jogar no nível difícil.

Nascida em São Paulo, Olga é irmã quadrigêmea e cresceu com sete pessoas em um bairro de classe média paulistana. Começou a jogar com dez anos e, aos 15, entrou na primeira equipe. Ao mesmo tempo em que aumentava o interesse por computadores, passou a entender a sexualidade e resolveu entrar de cabeça nos eSports. “O ambiente da informática era muito machista. Na época, eu fui melhor recebida por ser gay no mundo virtual do que em um escritório. Pela internet, os comentários me afetam muito menos”, explica.

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Em 2016, jogando por uma equipe masculina, ela venceu a Brasil Game Cup, um dos campeonatos mais importantes e disputados da atualidade. Com o dinheiro do prêmio, comprou peças para o computador, e, neste mesmo período, havia iniciado por conta própria o tratamento hormonal. Logo depois, precisou sair de casa. “Já ouvia muitos comentários ruins do meu pai e, durante o processo de transição, piorou. Nós morávamos sob o mesmo teto, mas nunca conversávamos.”, conta Olga.

Vendeu as peças que tinha comprado e foi morar com uma amiga, em uma casa na periferia de São Paulo. Sem acesso à internet, se viu obrigada a abandonar o jogo e começou a fazer malabares no semáforo para sobreviver. “Atualmente, recebo uma ajuda de custo da equipe, mas minha maior fonte de renda ainda continua sendo o malabarismo”, comenta.

Olga - João Castellano/UOL - João Castellano/UOL
Imagem: João Castellano/UOL

Após alguns meses, Olga passou a morar com a namorada e voltou a ter internet. Decidiu, então, voltar ao mundo dos games. “Recebi uma proposta para trabalhar como treinadora de uma equipe feminina e aceitei. Eu me sinto bem mais à vontade no cenário feminino. O ambiente masculino era muito tóxico, não só pelo preconceito comigo, mas por vê-los o tempo todo falando mal das mulheres”.

Em ampla expansão, os eSports movimentaram cerca de US$ 655 milhões no mundo em 2017. No Brasil, a audiência chega a 17,7 milhões de pessoas, o equivalente a 8,5% da população brasileira, segundo dados da Newzoo (empresa de eSports), e cerca de 58,9% do público é feminino, de acordo com a 5ª edição da Pesquisa Game Brasil. Apesar disso, elas ainda ainda travam uma luta diária por reconhecimento.

“Ao contrário dos meninos, as meninas não são incentivadas a jogar desde criança. Não é só força de vontade, não é tão simples como parece. É muito mais fácil se tiver apoio da família... Apoio do jogo”, diz Olga, que, após um período como treinadora, viu a oportunidade de voltar a jogar profissionalmente. “Duas jogadoras da minha equipe tinham saído e precisávamos recompor rapidamente”, explica.

No entanto, antes de voltar a jogar, Olga fez uma enquete com diversas jogadoras perguntando se apoiavam a entrada dela na liga feminina. “Sei que é um direito meu, mas se as meninas não me dessem tanto apoio, eu não sei se conseguiria”, comemora Olga, que, jogando pela equipe BootKamp Gaming, se tornou, em maio deste ano, a primeira jogadora trans profissional de Counter Strike GO do Brasil.

Neste período, surgiram memes, vídeos e diversos comentários depreciando a sua imagem e desaprovando a participação de Olga nas competições femininas, mas ela diz que não se abalou. “Já vivi coisas na rua que eram bem mais pesadas. A internet é o ambiente propício para as pessoas serem violentas. Sou muito mais impactada pelas mensagens de apoio”, comenta, com tranquilidade.

Olga - João Castellano/UOL - João Castellano/UOL
Imagem: João Castellano/UOL

“Senti um preconceito menor no cenário feminino depois da transição do que quando era gay no universo masculino. Até hoje, as mulheres que competem comigo se incomodam muito menos que os homens”, complementa. Apesar disso, se mostra empática, “Recebo xingamentos diários só por estar andando na rua, mas entendo que as pessoas são condicionadas pela sociedade a expressarem seu preconceito. Sinto que essa situação está mudando”, acredita.

Olga não fala com o pai há quatro anos, mas afirma ter uma boa relação com a mãe e com os irmãos. Aproveita para destacar a evolução no incentivo à inclusão de mulheres, LGBT e negros nos eSports. “Se eu fizesse a transição há dois anos, acredito que seria bem mais difícil. As pessoas estão aprendendo a escutar. E já conheci muita gente se identificou com minha história”, celebra, com a possibilidade de ajudado a abrir portas no eSports para quem se sentia excluído.