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Surfe como uma garota: atletas mulheres celebram igualdade no esporte

Chloé, Silvana e Nicole: de bem com a maneira como são tratadas do surf - Divulgação/Pedro Monteiro
Chloé, Silvana e Nicole: de bem com a maneira como são tratadas do surf Imagem: Divulgação/Pedro Monteiro

Luiza Souto

Da Universa

23/07/2018 04h00

“Acabei de cair no mar sozinha. Mas isso já é normal”, relata a longboarder carioca Chloé Calmon, 23, durante preparativos para a 2ª edição do Neutrox Weekend, em Itacaré (BA), apenas para surfistas mulheres. Vice-campeã mundial em 2017, ela lembra que já saiu chorando do mar após comentários machistas, mas hoje celebra bons ventos para o surfe feminino, como maior número de campeonatos que envolvem mulheres. Vice-campeã mundial de surfe, a cearense Silvana Lima, 33, também vê as mudanças com bons olhos. Para ela, a estreia do esporte na Olimpíada de Tóquio-2020 dará visibilidade definitiva às mulheres dentro das águas.

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Uma década atrás, quando ainda estava debutando no mar, aos 13 anos, Chloé constantemente era vista sozinha em meio aos homens. Percebia os olhares tortos e até tentativas de tirá-la da onda. “Aqui não é lugar de mulher”, ouviu de um marmanjo que aparentava ter a idade de seu pai, o surfista Miguel Calmon, 61. Foi para a areia chorando, mas não se abateu. Apesar de não ter ouvido mais gracinhas desse tipo, confirma que o machismo ainda existe, em menor escala. “Depois que você mostra seu trabalho e se impõe, diz que tem o mesmo direito que eles, acabam tendo que respeitar”, decreta ela. “E se falarem alguma coisa, vão ouvir também”, ela enfrenta.

E de tanto se impor como surfista – e mulher - , a atleta subiu mais um andar nessa onda: a estreia do longboard no Panamericano de 2019. “Esse será o melhor ano em termos de competição e premiação. O long estava sem circuito havia quatro anos. O circuito nacional sai fortalecido”, diz. São conquistas como essa que, segundo ela, tendem a aumentar o número de mulheres nas ondas.

Mais mulheres ao mar

Em seu último levantamento, há três anos, a Associação Brasileira de Surf Profissional (Abrasp) contabilizou 350 homens surfando profissionalmente, ante 32 mulheres. Um outro dado, da Liga Mundial de Surfe (WSL em inglês), é mais animador: 433 mulheres participaram do mundial de surfe no ano passado, ante as 387 do ano anterior, um aumento de 12%. Mas a quantidade de homens é bem maior: 1340 atletas.

Pelo jeito que está a maré, ano que vem podemos ter ainda mais novidades positivas, já que segundo a própria Abrasp, de cada dez inscritos em uma escolinha de surf somente em São Paulo, oito são mulheres. Uma outra vitória foi a equiparação no valor dos prêmios. Pela primeira vez, neste ano, a primeira etapa do circuito brasileiro de surfe separou igual montante aos vencedores: R$ 40 mil. Em 2015, ano do último brasileiro, não teve nem participação feminina. O passo agora é mudar a mentalidade no mundial. Dentro da categoria principal, os vencedores homens levam U$ 100 mil, enquanto as mulheres ficam com U$ 60 mil.

Um novo cenário em cima da prancha

Maior nome do surfe brasileiro, oito títulos nacionais e dois vices mundiais, Silvana Lima diz que já vem percebendo um número maior de mulheres ao redor. Única brasileira a participar do aclamado Brazilian Storm, os “bam-bam-bam” do esporte como Gabriel Medina e Felipe Toledo, ela passou muito tempo denunciando atitudes machistas entre os próprios companheiros, além da falta de patrocínio por não se enquadrar no padrão surfista/modelo. Hoje, minimiza o discurso para evitar polêmica.

Ela conta, por exemplo, que há alguns anos as marcas de surfwear uniam o útil ao agradável. “Era bom ter atleta e modelo, porque a marca pagava uma vez pelo atleta mas ele atuava por dois. Não acho errado, mas dificulta a vida de quem não tem perfil de modelo”, explica. Segundo ela, algumas amigas que tentaram carreira no ramo abandonaram as águas para se dedicar aos cliques, ou foram procurar outra profissão, devido ao retorno financeiro pequeno.

“Mas nunca desisti de surfar nem de competir. Sinto que está todo mundo ajudando o surfe feminino, e só vai melhorar daqui para frente”, celebra ela, que já pensou em estudar Veterinária por amor aos animais. “Aí que ficaria pobre mesmo, porque quero pegar todos os cachorros da rua”, gargalha.

A imagem da mulher fora da água

Chloé diz que os atletas precisam entender o mercado. Ela enxerga maior apoio ao esporte, como o patrocínio da marca de beleza na etapa que aconteceu nesse fim de semana (20 e 21 de julho). A segunda etapa acontece em setembro, no Rio de Janeiro. “Pode acontecer um pouco de desigualdade, mas tem maior apoio hoje. Uma marca busca hoje uma surfista de alto nível e tenha também uma imagem fora d´água. Não adianta só surfar bem”, ela conta.

Para conquistar cada vez mais espaço a mulher tem que se unir e se policiar também, atenta a campeã mundial de stand up  paddle  Nicole  Pacelli, 27. Ela frequentemente repreende homens e também mulheres quando ouve qualquer tipo de discriminação.

Filha de pais surfistas, Nicole diz que nem lembra quando começou a pegar as primeiras ondas de pranchinha, que é como chamam a modalidade mais famosa do surfe. No fim da adolescência, conheceu o SUP e foi amor à primeira vista. Em 2014, já era a primeira campeã do circuito mundial feminino da modalidade.

“Fui uma das primeiras mulheres nessa categoria. Em 2011, quando cheguei no Havaí, falaram ‘você não pode surfar aqui’ e fui expulsa. Saí quase chorando e me perguntei o que fiz de errado. Hoje já conquistei meu espaço”. Nicole revela que ainda hoje as mulheres têm, a todo instante, que provar que surfam bem para conseguir respeito. Diz que “ninguém bota fé” quando chegam nas areias, e afirma que rola comentários machistas até de mulheres. “Já ouvi umas comentando ‘aposto que fulana ganhou nota porque está com esse biquíni’. Nós mesmas fazemos comentários sem noção, então temos que nos apoiar. Tem que partir da gente também, no mar e na sociedade”.