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Castração química proposta por Bolsonaro pode combater estupro no país?

A castração química tem o poder de zerar a libido de um indivíduo? Aliás, é mesmo o desejo sexual o gatilho para um estupro? E quanto ao projeto de lei de Bolsonaro, ele ainda tem chances de ser aprovado? - iStock
A castração química tem o poder de zerar a libido de um indivíduo? Aliás, é mesmo o desejo sexual o gatilho para um estupro? E quanto ao projeto de lei de Bolsonaro, ele ainda tem chances de ser aprovado?
Imagem: iStock

Natacha Cortêz

Da Universa

10/07/2018 04h00

Em junho, Universa perguntou a nove eleitoras por que elas pretendem votar em Jair Bolsonaro para presidente. A proposta do candidato do PSL favorável à castração química para estupradores esteve entre as respostas de sete dessas mulheres.

“Me sentiria mais segura com a aprovação dessa lei, que inibiria a ação desenfreada de agressores sexuais”, contou Stefanny  Papaiano, 36 anos, estudante de Direito e coordenadora do movimento Direita São Paulo.

Stefanny se referia ao PL 5398/2013, protocolado por Bolsonaro em 2013, como deputado federal pelo Rio Janeiro. Nele, o parlamentar propõe a castração química para condenados pelos crimes de estupro e estupro de vulnerável. Como requisito para obtenção de liberdade condicional e progressão do regime, o preso passaria por um tratamento químico voluntário para a inibição do desejo sexual. E mais: só poderia voltar à liberdade se já tivesse concluído o tratamento com resultado satisfatório. Em outras palavras: se tivesse limada sua ânsia pelo estupro e não representasse mais perigo para mulher alguma.

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Mas isso de fato pode acontecer? A castração química tem o poder de zerar a libido de um indivíduo? Aliás, é mesmo o desejo sexual o gatilho para um estupro? E quanto ao projeto de lei de Bolsonaro, protocolado há cinco anos, ele ainda tem chances de ser aprovado?

A castração química é um tratamento inconclusivo

Como dito aqui, a proposta de Bolsonaro diz que o condenado só poderá voltar à liberdade se já tiver concluído, com resultado satisfatório, o tratamento químico voluntário para inibição do desejo sexual. O grande erro: não existe essa conclusão. "A castração química é um tratamento perene com um medicamento que a pessoa usa de tempos em tempos. Se ela para de usar a medicação, em um mês pode retomar o desejo sexual", diz Aderbal Vieira Junior, psiquiatra e coordenador do Ambulatório de Tratamento de Dependências e Comportamentos do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Unifesp.

A castração química está muito longe de ser a bala de prata que vai acabar com a ação de estupradores

PL de Bolsonaro viola a Constituição

O PL de Bolsonaro não é o primeiro a propor castração química para estupradores. Ao menos outros três projetos anteriores já tentaram tornar legal o tratamento como pena alternativa para condenados por crimes sexuais. O PL 7021/2002, de Wigberto Tartuce (PPB/DF), por exemplo, e o PLS 552/2007, de Gerson Camata (PMDB/ES). Ambos foram barrados pela Comissão de Constituição e Justiça das casas legislativas pelas quais passaram. Adriana Cecílio, advogada constitucionalista, explica o por quê. 

"Nossa Constituição prevê, especificamente para os presos, que 'não haverá penas cruéis'. E por penas cruéis, entende-se qualquer pena que invada o corpo dele. Também é um dos fundamentos da República Federativa Brasileira a dignidade da pessoa humana. A castração química violaria esse fundamento e iria contra a Constituição."

Estupro também é questão de poder e dominação

O comportamento de agressão sexual não é determinado única e exclusivamente por hormônios. Esses têm apenas certa participação na libido. "Se você inibe o funcionamento hormonal, pode diminuir um pouco a libido do sujeito sim. Acontece que agressão sexual é uma ação muito mais complexa para ser justificada apenas com alta libido", afirma Aderbal. "O agressor pode ter outras motivações que não o gozo. Estupro também é uma questão de poder e dominação."

A castração química é permitida pelo CFM

O polêmico método não é considerado inaceitável ou antiético pelo Conselho Federal de Medicina. E não só não é, como é feito em alguns lugares do país. Em 2007, o jornal O Estado de S. Paulo publicou que o Ambulatório de Transtornos de Sexualidade da Faculdade de Medicina do ABC, em Santo André, aplicava, "sem nenhum alarde", a injeção de hormônios femininos para diminuir o desejo sexual de pedófilos. 

Aderbal Vieira Junior conta que mesmo aceitável pelo CFM, esse não costuma ser um tratamento de primeira escolha por psiquiatras. "Mas, se já foram tentadas outras alternativas, com menos efeitos colaterais inclusive, pode-se optar sim pela castração química. Desde que, claro, com o consentimento do paciente", continua. 

A castração química é geralmente feita em homens - os principais agressores sexuais - e por isso são usados hormônios femininos que competem com os masculinos. Outra forma é dar ao paciente um bloqueador de testosterona. Detalhe: quando um homem recebe hormônio feminino, as chances dele ter câncer de mama aumentam. É possível ainda que ocorra uma feminilização no paciente. Ele entra num processo, digamos, de transição de gênero. 

Sobre os tratamentos de primeira escolha citados por Aderbal, eles seriam antidepressivos inibidores de comportamento impulsivo. "Esses remédios têm eficácias comparáveis ao tratamento hormonal. Têm também muito menos efeitos colaterais, o que ajuda na adesão do tratamento", diz o médico, que nunca optou por realizar a tal castração química em nenhum de seus pacientes. "Não foi preciso recorrer a ela ainda."

De acordo com estudos desenvolvidos na Universidade de Brasília, em 2010, mesmo em casos de transtornos mentais, como a pedofilia, 90% dos agressores respondem bem a tratamento psiquiátrico aliado a antidepressivos, e apenas 10% precisam também de medicamentos hormonais de controle da testosterona.